Como é que vemos a arte pictórica? Quais são os fatores que influenciam a nossa perspetiva das obras? Como é que esta mudou ao longo dos tempos e qual o papel das tecnologias nesta mudança?
John Berger, no seu documentário em quatro partes "Ways of Seeing" (1972), posteriormente adaptado para livro, procura responder a estas questões, analisando o valor que esta poderá ter. Berger demonstra que a diferença na perceção da arte pictórica incide na perspetiva, uma preocupação unicamente Europeia, que centra o Homem e o seu ponto de vista como a principal fonte de conhecimento, assim, o indivíduo percepciona apenas o que está à sua frente, uma visão única. Com a invenção da câmara, essa perspetiva é desafiada, demonstrando que a realidade não converge apenas em si e nos seus olhos, mas que existem diversos centros, diversas perspectivas e visões sobre a mesma realidade. Esta mudança de perspetiva afetou não só o público da arte, mas também os próprios artistas, como são exemplo os cubistas que se sentiram impulsionados não a captar o que viam, mas as várias formas que um objeto ou realidade poderia ser visto:
Still Life with Wicker Chair (1912), Pablo Picasso |
A câmara mudou também o contexto em que a arte era vista, geralmente, esta era parte integrada de um edifício, era uma característica da arquitetura e do design deste, mas agora, os frescos poderiam ser vistos em vários sítios ao mesmo tempos. E enquanto a câmara reproduz a obra, esta perde o seu sentido inicial, o seu contexto, as imagens não pertencem a um único espaço, nem os seu significados são resultantes de apenas uma superfície, podem viajar para vários contextos, o seu significado multiplica-se e fragmenta-se.
Ao nos ser permitidas agora diferentes formas de reprodução de uma obra, quer em contextos impressos ou digitais, a percepção do público em relação ao seu original muda. A obra já não tem valor único pela sua imagem, ou técnica ou cores, mas sim por ser o original da reprodução que vimos. Assim a mistificação deste já não recai sobre o que diz, mas sobre a sua existência única.
"Eu não quero sugerir que já não existe mais nada para experienciar em frente a uma obra de arte original além da sensação de admiração, porque elas sobreviveram, porque elas são genuínas, porque elas são absurdamente valiosas. Muito mais é possível, mas só se a obra de arte for despida do seu falso mistério e falsa religiosidade que a rodeia. Esta religiosidade é geralmente associada a valores monetários mas sempre evocados em nome da cultura e civilização, o que é na realidade um substituto para o valor que a pintura perdeu quando a câmara as fez reproduzível."
(tradução livre, Ways of Seeing, 1972 episódio 1)
Poderemos também questionar a percepção de uma pintura conforme o contexto físico em que se encontra. Hoje em dia, muitos artistas plásticos poderão pintar tendo em mente que a sua obra poderá ser exposta numa galeria de arte ou num museu, mas pinturas de movimentos e épocas distintos não teriam essas preocupações, pois as pinturas seriam criadas para serem expostas nas casas dos clientes, nas igrejas e afins, e não nas paredes brancas dos museus, despindo-as assim do contexto que não só ajuda a compreender a obra de arte em si, mas também a sua função ou mensagem. Desta maneira, também aí denotamos uma mudança de significado e perspetiva, assim como um recurso à própria mistificação da obra de arte.
Olhando para um exemplo mais atual deste desfasamento do significado e objetivo inicial da obra, para uma valorização da existência da mesma, o Google Arts & Culture (interface introduzido em 2011). Uma plataforma online em que o utilizador tem acesso a diversos museus e instituições através de uma simulação virtual das próprias exposições.
Museu Calouste Gulbenkian |
Este fenómeno, representa uma adaptação interessante à novas tecnologias e condições sociais e culturais atuais, permitindo um acesso mais democratizado à arte e aos museus. Mas de que maneira é que estamos verdadeiramente a experienciar a arte aqui apresentada? Estaremos perante uma desmistificação da arte, colocando-a de acesso fácil a todos? Ou será esta outra representação do valor religioso que a arte tem, pois não a conseguimos ver e conhecer em pleno, vendo as suas características formais e conceptuais, mas sim apenas ver uma perspetiva dos quadros distante e passiva, pelo simples propósito de sabermos que certa pintura está lá, e existe na possessão de tal museu?
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