segunda-feira, 31 de outubro de 2022

Projeto 'Dear Data' de Giorgia Lupi e Stefanie Posavec

 

A utilização de dados enquanto recurso criativo tem vindo a ganhar espaço nos últimos anos, com projetos desenvolvidos através da representação visual dos mesmos associados ao design de informação.

Esta possibilidade de registar data, de colecionar informação do mundo, está sob o olhar atento de duas designers, que exploram esta ferramenta nos seus trabalhos. Numa tentativa de colaboração e com o intuito de se conhecerem uma à outra, Giorgia Lupi e Stefanie Posavec, iniciaram o projeto ‘Dear Data’ em 2014, com a duração de um ano. Estando a residir em sítios diferentes, uma em Nova Iorque e a outra em Londres, respetivamente, o projeto desenvolveu-se à distância. Este consistia na correspondência semanal de um postal com data representada visualmente, por um desenho analógico, sobre observações retiradas nesses sete dias. Com o desenvolvimento do projeto expandiram para um outro formato - o livro.

De modo a responderem à questão semanal predefinida por ambas, começavam por realizar um levantamento e registo de dados pessoais através da investigação de aspetos das suas rotinas, das suas relações interpessoais e da própria maneira de ser e estar. Esta procura de quantificar os aspetos do dia-a-dia, quase como um inquérito semanal, permitiu uma representação visual destes valores e a organização destes perante uma certa ordem ou padrão.

O registo, com o passar do tempo, levou-as a descobrir traços de personalidade e proporcionou-lhes uma oportunidade de refletir sobre o seu próprio comportamento. Estes exercícios, de análises de ambientes e vivências, fomentaram o nível de atenção e de detalhe. Para Stefanie Posavec, “the data…should be seen as a starting point for questioning and understanding the world around us.”

A leitura e compreensão das cartas era feita a partir das descrições na parte de trás das mesmas, contendo a ´tradução´ dos desenhos e as explicações das escolhas visuais. Para além disto, a materialidade dos objetos muitas vezes foi comprometida pela utilização do correio, apresentando marcas físicas da viagem e alterações no próprio desenho.

Este projeto demonstra como o levantamento e análise de dados pessoais poderá ser um ponto de partida para uma conversa, para o desenvolvimento das relações humanas e de uma nova perspetiva no design. 






Fig. 1 - 4: Giorgia Lupi e Stefanie Posavec, ‘Dear Data’, 2015



Site do projeto e conteúdos:


http://www.dear-data.com/theproject

https://www.youtube.com/watch?v=iqaVe1MCTlA&t=32s





domingo, 30 de outubro de 2022

“Statues Also Die” de Chris Marker e Alain Resnais, 1953

 

“Quando os homens morrem, eles entram na história, quando as estátuas morrem, elas entram na arte. Esta botânica da morte é aquilo a que chamamos cultura.”

     O filme criado por Chris Marker e Alain Resnais, “Statues Also Die”, é um filme-ensaio que toca num dos assuntos mais problematizados da humanidade, os efeitos do colonismo europeu. Ao longo da exibição do filme, o espectador é submetido à visualização de inúmeras esculturas, máscaras e variadas artes tradicionais africanas, em que os artistas se focam na emoção dos objetos apresentados e percecionam uma discussão em torno da história europeia e contemporânea a nível artístico.

 

    Durante a visualização deste ensaio, ponderei se existiria uma relação entre a instituição-museu, uma das estruturas que os europeus criaram para a preservação da memória dos acontecimentos que consideraram mais significativos, e o filme “Statues Also Die”. Deste modo, refleti sobre o lugar e a importância dos museus nos nossos dias, tendo em conta em como os mesmos podem, servem e como podemos reinventar e resinificar.

    Se pensarmos bem, e refletirmos sobre o que nos é apresentado, tudo depois da morte é mais valorizado do que em vida. Neste caso, a arte só é considerada arte quando algo de errado acontece. É o erro da humanidade, é o erro que muitos de nós comete, acreditar e dar por garantido algo que na realidade não está. Vemos isso explicito na cultura, em toda a arte presente no mundo. É inacreditável que o ser humano criou um local, um sítio próprio, para se poder admirar a arte quando o próprio artista morre e não está presente. Chamaram a esse local de Museu, um estranho nome, mas estranho é o facto de terem criado algo para se admirar depois da abominável morte chegar.

    “Statues Also Die” é um filme-ensaio criado por Chris Marker e Alain Resnais para exibir o devastador impacto do colonismo francês na arte africana. O mesmo foi criado para mostrar que a arte africana perdeu a ligação com a sua cultura, em que o próprio Chris Marker revelou que:

         “Queremos ver o sofrimento, a serenidade e o humor mesmo que não saibamos nada acerca deles”.

    Ao longo do decorrer do filme, o espectador tem a perceção que a arte africana, em todas as esculturas e histórias apresentadas, perderam o seu simbolismo para com o colunismo europeu e morreram em museus. Mas, será que ao longo de 12 anos seguidos, o tempo em que o filme foi proibido em França, a população desacreditou na afluência que a arte africana tinha perante o mundo?



    O espectador é submergido em arte a cada imagem que passa. Conseguimos absorver a história por detrás de cada escultura, de cada detalhe e de cada palavra que o narrador nos apresenta. É importante referir que a cultura africana era muito mais que um povo, a cultura africana era a arte em si, escondida atrás de máscaras com significados poderosos:

“Art here begins in the spoon and ends up in the statue. And it is the same art. The wisdom in art and the ornament of a useful object like a head rest, and the useless beauty of a statue, belong to two diferente orders. Here this difference falls apart when we look closer. A chalice is not an art object, it is a cult object.” - de Chris Marker e Lauren Ashby, 2013, The Statues Also Die, Art in Translation.

    Durante os nossos dias, existem diversos museus com diversas artes e culturas, mas também com diferentes conceitos. Ao refletir acerca da potencialidade de um museu, sabemos que os mesmos podem querer atingir públicos alvos. No entanto, muitos dos museus não têm o devido reconhecimento ou respeito à cultura através do humano. Mas, se ponderarmos em todas as hipóteses e competências, existem variadas perguntas direcionadas ao âmbito da criação dos museus desde os tempos antigos.

    O que pode um museu? Para que servem os museus? Como os podemos reinventar? Como os podemos resinificar?

    Na verdade, um museu pode mudar a mentalidade de uma pessoa no que toca à questão de absorção de conhecimentos e matérias não faladas diariamente. Mas, a realidade, é que os mesmos servem para desvendar culturas e mistérios, maioritariamente acontecidos em tempos passados.

    O mundo a cada passo que dá reinventa-se por si próprio. À volta do mesmo, existem os criadores e os pensadores, que nos enchem os dias com inovações e experiências, que um dia mais tarde ficaram na memória. No entanto, no que diz respeito à reinvenção dos próprios museus, o ser humano tem a capacidade de pensar mais além, deixando-nos assim colocados na era da tecnologia e das artes media, criando programas artísticos e revolucionários para os nossos tempos.

    Mas, será que os museus podem ser resinificados? A meu ver, podem, porque cada ser humano pode dar um significado a cada museu, não a nível artístico, mas a nível pessoal. Cada pessoa pode dar rótulos e designações a coisas, espaços, seres e entre outros, deixando no seu arquivo pessoal, a que eu designo de memória, o conceito desejado ao espaço que visitou.


Filme-Ensaio: https://www.youtube.com/watch?v=jEsKZ_15nhs


sexta-feira, 28 de outubro de 2022

Queen of the Books — Irma Boom // Construction of a Book


#livro#editorialdesign#objeto#espontaneidade#manuseamento 

#processocriativo#edições#construção#ruptura

A designer holandesa ou a “book designer”, Irma Boom tem uma abordagem nos seus projetos editoriais que provém muito de um processo espontâneo, em que não faz um compromisso no que vai na sua cabeça, acreditando na confiança e na liberdade que os outros lhe dão no seu processo de design, do que focalizar como é que irá ser o resultado. Ao longo da materialização do objeto vamos encontrando-nos com particularidades e condicionantes que irão de certeza mudar o “outlook” geral do projeto. Irma é puramente isso, desafia a convenção dos livros, tanto no corpo e no manuseamento do livro como também nos modos de ver o conteúdo que é impresso. É um facto que os seus livros assumem uma concepção inventiva, experimental e quase arquitectónica, onde cada livro é visualizado como um meio único para entregar informações.  


‘I compare my work to architecture. I don’t build villas, I build social housing. The books are industrially made and they need to be made very well. I am all for industrial production. I hate one-offs. On one book you can do anything, but if you do a print run, that is a challenge. It’s never art. Never, never, never.’

— Irma Boom


O objetivo de Boom é melhorar a compreensão dos leitores e, ao mesmo tempo, criar um objeto de beleza, com qualidade e permanência. Da tipografia ao material, cada detalhe que Boom aplica aos seus projetos possui uma lógica subjacente. Criar uma experiência tátil e sensorial ao projeto é muito importante para Boom, que pretende incentivar a uma descoberta e interação. Alguns de seus livros podem ser desprovidos de números de página ou índice. Ela pode até ter o livro impresso inteiramente em ordem cronológica invertida. As capas dos livros podem ser deixadas em branco e a escala do livro distorcida em tamanho e espessura. As páginas internas podem ser escolhidas a base de códigos de cores elaboradamente ou por motivos ocultos. Também podemos ter um livro puramente branco sem tinta que só detém relevo, como a obra, Chanel Nº5 Book, ou até mesmo ter uma graduação no corpo de texto como aparece no livro Sheila Hicks, apelando a uma leitura curiosa mas com atenção. Cada pequeno detalhe é analisado para maximizar seu potencial de conexão em contraste com suas contrapartidas digitais.








quinta-feira, 20 de outubro de 2022

Experiências curatoriais: as exposições-catálogo de Seth Siegelaub

Nascido em 1941 no bairro nova-iorquino do Bronx, Seth Siegelaub ficou conhecido como um importante fomentador da arte conceitual. A sua atuação como organizador de exposições foi breve, mas nem por isso menos intensa. Entre os anos de 1964 e 1971, Siegelaub organizou mais de vinte exposições na América do Norte e na Europa, associando-se a artistas e curadores  envolvidos em práticas conceituais.

Apesar da proximidade com a arte conceitual, Siegelaub não acreditava nas definições fixas que eram associadas a esta prática – um fator comum ao contexto histórico em que ele se insere, quando a arte contemporânea dava seus primeiros passos. Assim como era característico das análises da época, Siegelaub reconhece que, diferentemente das vanguardas artísticas do início do século, não havia uma reação imediata aos seus predecessores, seja este a partir de uma semelhança, uma antítese ou até mesmo uma negação. Para ele, muitos artistas conceituais não estavam em oposição aos objetos específicos do minimalismo, por exemplo, mas agiam justamente no limite entre as duas práticas. Segundo o curador, a categorização de práticas em movimentos artísticos pode ser considerada como ficcional, sendo utilizada de uma maneira promocional e, em última análise crítica, como um dispositivo econômico no meio da arte. 

Por mais que as classificações sobre a arte conceitual sejam, na sua opinião, “simplistas” e “ilusórias”, alguns traços gerais desta prática artistica foram cruciais para que o curador desenvolvesse suas exposições-catálogo. Entre esses fatores, está o uso predominante da linguagem ou de informações banais como um comentário e, por vezes, como uma análise crítica e visual do ambiente em que um indivíduo pode se inserir. Levando em consideração esta postura crítica que Siegelaub apresentava, seja em relação à arte conceitual, ao ambiente que o cercava ou às suas outras frentes de atuação, é conveniente ressaltar que muito do que foi desenvolvido em suas atividades curatoriais diz respeito à uma análise de seu próprio papel como um curador. Assim como os artistas conceituais, ele explorou métodos de comunicação subversivos em sua prática, levantando questões fundamentais sobre a execução, a exposição, a distribuição, a posse e a venda da arte. Suas exposições tomaram notoriedade principalmente por apresentarem alternativas aos espaços institucionalizados pelos quais as obras de arte transitavam até então. Pode-se dizer que, através de seu trabalho, Siegelaub desejava desfocar as fronteiras desses espaços e papéis. 

Um bom exemplo quanto a este processo é a exposição-catálogo “Xerox Book”, publicada em dezembro de 1968. A publicação foi editada em colaboração com Jack Wendler e, oficialmente, levava como título principal o nome dos artistas participantes: Carl Andre, Robert Barry, Douglas Huebler, Joseph Kosuth, Sol LeWitt, Robert Morris, Lawrence Weiner. Apesar disso, ficou conhecida como “Xerox Book”, por apresentar como proposta inicial que cada um dos sete artistas ocupasse vinte e cinco páginas com um trabalho cujo suporte principal fosse a fotocopiadora. Inicialmente, a ideia era que este livro fosse copiado inúmeras vezes, mas o processo acabou mostrando-se mais custoso do que o esperado. Como o objetivo dos editores era que a exposição-catálogo fosse amplamente distribuída, a primeira tiragem de mil cópias foi impressa em offset. 

Esta não foi a primeira experiência expositiva em impressos de Siegelaub, sendo precedida por dois exercícios do mesmo ano: a publicação “Douglas Huebler” (novembro, 1968), contendo trabalhos das suas séries “Variable Pieces” e “Duration Pieces”; e a publicação “Statements” (dezembro, 1968), contendo 25 trabalhos do artista Lawrence Weiner que utilizavam o texto como suporte. No entanto, foi em “Xerox Book” que o curador propôs pela primeira vez uma situação específica aos artistas para uma exposição-catálogo.

Acerca do processo de realização, Siegelaub descreve em entrevista à Hans Ulrich Obrist que esse projeto se desenvolveu colaborativamente com os artistas com quem ele trabalhava – como era de costume em outras exposições organizadas na sua galeria. Sendo esta a sua primeira experiência com uma proposição a qual os artistas deveriam responder, Siegelaub declara que a sua ideia era que, a partir da uniformização consciente das condições, “as diferenças resultantes do projeto de cada artista seriam precisamente o assunto primordial do trabalho desse artista”. Isto é, ao invés de homogeneizar o exercício artístico, essa experiência curatorial poderia destacar a singularidade de cada trabalho.

Publicado em março de 1969, “March Show” [Exposição de Março] foi uma outra exposição-catálogo publicada por Siegelaub com um calendário na capa, contendo obras-texto de diversos artistas – um para cada dia do mês. Também conhecida como “One Month” [Um Mês], a exposição contou com os diversos artistas, entre eles: Carl Andre, Terry Atkinson, Michael Baldwin, Robert Barry, Dan Flavin, Alex Hay, Douglas Huebler, On Kawara, Joseph Kosuth, Sol LeWitt e Ed Ruscha. Esses artistas foram convidados para participar através de uma carta enviada por Siegelaub, que continha algumas explicações simples sobre as condições para a realização do projeto, como, por exemplo, se desejavam que seu nome fosse explicitado no catálogo ou não. No mais, os artistas estavam livres para pensarem proposições ocupando as páginas desta exposição-catálogo, e os trabalhos variavam entre práticas conceituais, linguísticas, registros de performances, proposições site specific ou de land art.


Após os exercícios de exposições-catálogo descritos acima, Seth Siegelaub realizou uma proposição expositiva em um canal de considerável circulação: a edição de julho/agosto de 1970 da revista de arte Studio International. Dessa vez, a proposição foi feita à críticos e curadores, que, por sua vez, convidaram outros artistas para participarem desse projeto. 

A exposição dentro da revista recebeu o título de “July/August 1970” [Julho/Agosto 1970] e consistia em quarenta e oito páginas que foram distribuídas a seis críticos, onde cada um estaria responsável por oito páginas consecutivas da publicação. Esse espaço deveria ser distribuído para um ou mais artistas que fossem de seu interesse, criando assim um compilado de exposições coletivas e individuais. Nesse caso, pode-se dizer que as páginas da revista foram ocupadas como salas de uma galeria.

Seja tratando de exposições em catálogos, livros ou revistas, os experimentos curatoriais de Siegelaub trazidos acima demonstram o seu esforço em borrar as fronteiras entre o espaço expositivo e o que, à primeira vista, pode ser considerado um catálogo. Nesses casos, as exposições eram o catálogo, onde este deixa de exercer uma função de registro informativo de uma exposição e passa a funcionar como um espaço mais amplo do que as paredes de um cubo branco. 


Sobre a natureza da luz do dia. Ou a chegada à casa de Órion.

“Será que o tempo é linear? (…)

Será que uma árvore existe se ninguém estiver a vê-la? (…)

O que nos distingue dos outros seres vivos? (…)

Como é que as tecnologias, que vamos criando e dominando, dominam e influenciam a nossa percepção e forma de ver e estar no mundo?”

– Excertos de conversas em sala de aula.


Durante as primeiras aulas de ‘Estudos Avançados em Cultura Visual’ pensei em vários momentos num filme[1]. O filme questiona o nosso lugar na natureza, a nossa interacção com os outros, todos os seres vivos e a vida. E o tempo. E a comunicação, a escrita.

Será a escrita linear? E a percepção de tudo isto? E a consciência? 

Enquanto ouço repetidamente a mesma música[2] que ontem escutei no filme que revi, ando para trás e para diante pensando nos códigos que ainda não decifrei, nas línguas que ainda não domino, nas inquietações que ainda não apaziguei. No que não fiz, no tempo perdido.

As mensagens são difusas, ou o meu olhar desfocado, fazendo parecer que os dois sentidos da recta que percorro são na verdade um percurso circular. Talvez o problema seja a minha percepção e por isso as questões deambulem sempre em torno do tempo, do lugar e da posição. O que me leva, ainda mais para trás, até ao vídeo promocional[3] de que não interessa a quê.

Para vermos um fenómeno como um eclipse temos de estar alinhados com a lua e o sol. O mesmo sol que ao final das tardes de equinócio explode, invade e percorre todos os milímetros quadrados da nave central do antigo convento, enquanto o professor avança até ao fundo da sala de aula e recua de novo até ao quadro, como que para embalar os discípulos na viagem que já começou, no início da vida na Terra, quando ainda só havia ondas de água a lançarem-se sobre rochas de pedra.

Tempo. Natureza. Humanidade.


Logograma e tradução da palavra 'Humano' na língua dos heptapods em "Arrival" (2016), de Denis Villeneuve.


À medida que avanço e recuo, em rectas ou círculos, vou tendo visões do passado e do que parece ser o futuro. E cruzo-me com os meus eus que de aí vêm. Durante um segundo conversamos e trocamos ideias sobre toda(s) a(s) nossa(s) vida(s), enquanto me sinto a trespassar-me os corpos.

Inspiro fundo. Não que tivesse dúvidas sobre o meu percurso, mas, (expiro), agora sinto que sei que estou no caminho certo para chegar até ao tesouro que procuro e quero para mim.


“Se pudesses ver toda a tua vida do início ao fim, mudarias as coisas?

(…)

A linguagem é a base da civilização. É a cola que mantém um povo unido. É a primeira arma de um conflito.

(…)

Porque ao contrário da fala, um logograma é livre de tempo. A sua linguagem escrita não tem forma nem direcção. Os linguistas chamam a isso ortografia não linear. O que levanta a questão: ‘É assim que eles pensam?’.”

– Excertos de diálogos do filme Arrival.



[1] Arrival (2016) é um filme sobre doze naves espaciais misteriosas que aparecem na Terra e uma professora de linguística encarregada de interpretar a linguagem dos aparentes visitantes alienígenas. Realizado por Denis Villeneuve, escrito por Eric Heisserer e baseado em “Story of Your Life” de Ted Chiang.

[2] On the Nature Of Daylight (2004), tema inserido no álbum “The Blue Notebooks” do produtor e compositor clássico contemporâneo Max Richter, aqui tocado pela The Symphony of the Kootenay, na Community Forest of Cranbrook BC, integra a banda sonora do filme Arrival. https://www.youtube.com/watch?v=r4K999lNZ0E

[3] Orion House (2010). Neste curta-metragem para a LG, realizada por Chris Hewitt, duas vidas estranhas alinham-se num dia marcante. Tendo como pano de fundo o centro da cidade de Londres, Orion House conta a história da perda de duas perspectivas. O sol, círculos e ciclos desempenham o seu papel num evento que finalmente reunirá duas pessoas. https://vimeo.com/17403481 

quarta-feira, 19 de outubro de 2022

Arte Correio - Paulo Bruscky

Paulo Bruscky (n. 1949, Recife, Brasil) é um dos expoentes da arte conceitual no Brasil e um dos principais precursores de diversas manifestações que envolvem arte, tecnologia e comunicação. Sua prática artística, baseada na ideia de arte como informação, é marcada pelo experimentalismo constante, resultando em um corpo de obras plural, composto por poesias visuais, livros de artista, performances, intervenções urbanas, filmes em Super-8 e obras em novas mídias.

A produção de Bruscky é também caracterizada pelo conteúdo de contestação social e política, resultado da postura crítica e militante do artista, cujo princípio da carreira coincide com a ascensão de governos militares e o consequente estabelecimento de regimes ditatoriais em diversos países latino-americanos, incluindo o Brasil. No começo dos anos 1970, Bruscky dá inicio a sua prática em arte postal, que ele prefere chamar de Arte Correio e sempre defendeu como modalidade de arte “antiburguesia, anticomercial e antissistema”, a arte postal constitui-se em uma estratégia de liberdade diante do contexto político opressor.


“Existe uma ética dos artistas na arte-correio: se você recebeu um trabalho, você manda outro seu, para aquele artista. É uma corrente internacional. De repente, todos os artistas que trabalhavam em determinada linha deram-se as mãos. E ninguém quebra essa corrente”. Paulo Bruscky troca postais entre artistas, especialmente entre os poetas, há muito tempo, mas, na arte postal (arte-correio ou mail art), é o próprio meio, o correio, que se torna o ponto de apoio dessa prática artística. Os cartões postais, os carimbos e todos os meios de reprodução disponíveis são abarcados nessa rede onde circulam fotografias, registros de ações e performances, poesias visuais e diversos outros projetos. O corpo artístico construído pela arte postal é internacional por princípio. As barreiras políticas e sociais não representam limites para essa rede.










 

Glendex Binder - Livros Autoportantes

Em 1946 nos Estados Unidos, Glenn e Guinevere Henry dão início ao pedido de patente do projeto que há anos desenvolviam, o chamado Glendex Visualine Lectern-Binder. A patente abarcava algumas versões de uma estrutura autoportante para livros, folhetos, álbuns de discos e outras peças gráficas.

Conjunto de fichas técnicas para cadastro da patente do Glendex junto ao Escritório de Patentes estado unidense.  

A proposta simples consistia em incluir mais uma utilidade à capa de uma brochura, a possibilidade de manter a peça aberta e em pé sozinha na inclinação para leitura.

O casal não apenas desenvolveu a dobradura que permite o recurso de manter livros em pé, como também adaptou o maquinário necessário para realizar essa produção especial. Os livros feitos com esse novo recurso poderiam ter encadernação tradicional, com páginas costuradas, como também páginas perfuradas e anéis de fichário em metal.


Exemplar da edição de 1961 do Webster Seventh New Collegiate Dictionary. Foto publicada no Twitter pela conta @
Merriam-Webster



Exemplar da edição de 1961 do Webster Seventh New Collegiate Dictionary. Foto publicada no Twitter pela conta @PeterSokolowski


O livro, com a estrutura proposta deixa de ter o tradicional formato retangular, para se assemelhar a um hexágono, com a lombada saliente dando muito mais volume à peça. A capa também diverge do habitual por conta dos grandes vincos em diagonais, cortando a frente e as costas. Ao abrir, os vincos transformam a silhueta, criando uma base triangular com a lombada de apoio.

xemplar da edição de 1961 do Webster Seventh New Collegiate Dictionary. Foto publicada na matéria A Journey Into the Merriam-Webster Word Factory do New York Times de 22 de março de 2017.



Sequência de prints do vídeo do perfil @Lett_Arc no Twitter. No vídeo exemplar do The Cuneo Press of England - Type Faces Linotupe Monotype Displays, edição estimada de 1955.

Menção à edição da Cuneo Press of New England usando o sistema Glendex na Revista Bookbinding & Book Prodution de setembro de 1953.

Como os próprios desenvolvedores enfatizavam em seus anúncios, o Glendex Binder se mostrava uma ótima opção para encadernar publicações pesadas como bíblias, dicionários, enciclopédias e também qualquer livro que fosse necessário manter aberto por muito tempo, como um livro de receitas ou de exposição. Assim o casal funda a empresa Glencraft Products Co., na tentativa de viabilizar comercialmente o produto para todas essas finalidades.

Anúncio dos produtos da família Glendex no Jornal Orlando Evening Star em 12 de março de 1970.
 

O Glendex Binder não parece ter tido grande adesão das editoras, mas é possível especular que os motivos estejam principalmente relacionados ao custo de produção e logística.

Como a patente do produto já expirou, hoje é possível produzir nas exatas dimensões originais sem que isso signifique o pagamento de royalties a ninguém. Assim, o Glendex pode ser mais um recurso de suporte no leque de opções no desenvolvimento de novas peças gráficas.

Breve História da letraá






 


https://drive.google.com/file/d/1f7rPa5suhFouJ_PKYeDsLhPlj-4AceWj/view?usp=sharing


Obrigado,                  

João Carlos Canotilho                  



“Tipografia é pintar com palavras” - Paula Scher

Uma das designers mais influentes na área da tipografia é Paula Scher. Com o seu estilo tão particular e icónico é hoje conhecida como uma das grandes figuras do design gráfico, servindo de inspiração para jovens designers e estudantes de tipografia de todo o mundo. 

Um dos aspetos mais característicos do seu trabalho é a utilização de diferentes espessuras que transparecem grandes contrastes. Scher numa só composição mistura cores, fontes e tamanhos que resultam em objetos que nos oferecem muita informação, mas sempre de formas dinâmicas e expressivas. No seu portfólio vemos uma mistura entre o intelectual e o vulgar. Vemos trabalhos irreverentes que apesar da sua intensidade transmitem sempre uma mensagem clara e explícita. 



Scher admite ser obcecada pela tipografia. Diz que o seu trabalho provém da sua paixão e dedicação para com os seus projetos. Por vezes obtém resultados sem qualquer esforço enquanto que outras exigem um pouco mais de dedicação. No entanto a inspiração não deve ser forçada. Hoje em dia, estamos rodeados de design e tipografia seja no metro, na rua, num café... devemos olhar em volta e tirar inspiração das mais pequenas coisas. 

A designer aprendeu que “tipografia é pintar com palavras”. Através de fontes criamos quadros com mensagens, fazemos composições. A folha em branco é a nossa tela pronta para ser explorada, um espaço livre onde o designer se pode expressar e contar as suas verdades.

 “You have to be in a state of play to design. If you’re not in a state of play, you can’t make anything.” - Paula Scher.



Através da exploração do trabalho desta artista percebi que o design gráfico e a tipografia são meios que nós, artistas, devemos usar para nos expressar, para mostrar a nossa visão do mundo e transmitir mensagens. Independentemente se é um trabalho para um cliente ou algo pessoal devemos deixar sempre a nossa marca. O designer tem que se fazer ouvir e impor as suas ideias. Percebi também que uma das melhores características para um profissional desta área é a capacidade de persuasão e persistência para defender o seu trabalho. 


Apesar de ter começado a sua carreira no mundo da música, criando capas de discos e a sua divulgação, Paula Scher hoje vê o seu trabalho espalhado pelo mundo. Tem um portfólio inconfundível que conta com projetos de grande visibilidade para diferentes marcas, tais como Tiffany & Co., MoMA (The Museum of Modern Art), Windows e The New York Public Theatre. 



Em 1991 assumiu o cargo diretora da Pentagram, um dos maiores estúdios de design do mundo, tornando-se a primeira mulher a alcançar este cargo. Ganhou uma grande visibilidade e pode tornar-se um motivo de inspiração para diversas jovens que não se viam representadas nesta área. Apesar de ainda ser um meio dominado por homens, Paula Scher trouxe esperança e mostrou que as mulheres também podiam lutar pela sua carreira e interesses. 


Já ganhou diversos prémios, medalhas e discursou em prestigiadas instituições. Em 2018, foi escolhida para representar a área do design gráfico numa série da Netflix intitulada de “Abstract” onde fala do inicio da sua carreira e vida pessoal, da sua rotina e onde mostra alguns dos seus trabalhos e do respetivo processo criativo. O documentário tem como objetivo mostrar ao público quem é Paula Scher e o porquê de ela ser um dos maiores nomes na área do design gráfico, acompanhando projetos desde o rascunho até ao resultado final. 


Para finalizar, Scher ensinou-nos que a tipografia permite-nos brincar e ser livres, permite-nos utilizar diferentes estilos, comunicar diversas ideias partilhando também sentimentos e todo o tipo de mensagens. Um designer e/ou tipógrafo também é um artista e pode/deve expressar-se através da sua arte.