quinta-feira, 12 de dezembro de 2019

Joan Brossa

Joan Brossa, que nasceu em Barcelona no dia 19 de Janeiro de 1919 na rua Wagner e mais tarde ficaria feliz com a coincidência de ter nascido na rua nomeada a partir do seu compositor preferido, foi poeta, dramaturgo, performer, artista plástico e designer gráfico. Integrou o movimento de resistência à ditadura e à censura de Franco que teve grande influência nas ideias anarquistas e socialistas do período que antecedeu o franquismo. Durante a guerra civil espanhola foi destacado para servir no exército, e foi um episódio desse improvável serviço militar que estimulou Brossa a escrever o seu primeiro texto, publicado em Junho de 1938.


Na década de 40 recomeçou a escrever e não parou até ao ano da sua morte (1998), escreveu mais de 80 livros, centenas de sonetos formalmente perfeitos e milhares de poemas, sempre em catalão — mesmo durante a proibição da língua na ditadura espanhola — e em 1951 concretiza o primeiro poema com objectos. O artista explicou que a passagem da prosa para a poesia, seguida da poesia visual e do uso de objectos, foi um processo de recolha e interpretação de elementos do quotidiano, e metaforizando a poesia com a electricidade afirmando a ubiquidade de ambas.

O artista descobre e explora o significado do significante. O gesto brossiano, além de transgredir as convenções artísticas, obriga-nos a repensar não apenas os hábitos de comunicação, mas também os hábitos mentais ao revelar o número de caminhos, predisposições e expectativas com que trabalhamos. Focamos a realidade em sistemas simbólicos e confundimo-la, por vezes, com algumas convenções que consideramos natureza.











Dau al Set

 

Brossa foi um vanguardista, esteve sempre em movimento, em constante experimentação. Juntamente com Arnau Puig, Joan Ponç, Antoni Tàpies, Modest Cuixart e Joan-Josep Tharrats fundou o colectivo artístico Dau al Set em Setembro de 1948 como resposta à paragem abrupta dos movimentos contracultura em Espanha durante a ditadura. Em 1949 começam a imprimir a publicação homónima ao colectivo na prensa de Tharrats: escrevem quase totalmente em catalão (proibido à data), a tiragem rondava os 100 ou 200 exemplares e continha 4 a 12 páginas nunca encadernadas. O estilo gráfico da publicação, que começou por ser uma ramificação do surrealismo, depressa se destacou e ganhou um forte e particular carácter onde o uso de elementos mágicos era uma constante ponte para o esoterismo da exploração interior. Distribuem-na regularmente a um nicho barcelonês durante dois anos. Em 1952 o grupo começa a dissolver-se e a publicação final sai em 1956. 


 


Dau al Set significa "a sétima face dos dados" em catalão. 








 

FONTES

Balaguer, E. (s.d.). Els ready mades (de Marcel Duchamp a Joan Brossa): el significat del significant. Obtido de UOC: https://www.uoc.edu/jocs/brossa/articles/balaguer_imp.html

Poet. (s.d.). Obtido de Fundacio Joan Brossa: http://www.fundaciojoanbrossa.cat/standard.php?idmenu=3

Terça-Nada!, M. (s.d.). Joan Brossa: pequeno panorama sobre sua vida e obra. Obtido de Marcelo Terça-Nada!: https://marcelonada.redezero.org/artigos/joan-brossa.html

quarta-feira, 11 de dezembro de 2019

The Gibson Girl


The Gibson Girl, Charles Dana Gibson

No final do século XIX e início do século XX, surgiu a primeira onda do feminismo, marcada pela defesa do direito das mulheres à educação, à independência e individualidade e principalmente, do direito ao voto. Deste modo, começa a emergir na América uma “Nova Mulher” (New Woman), que veio a alterar os padrões da imagem feminina conhecidos até então, valorizando a sua liberdade, a sua autonomia, a sua educação e cultura. O conceito da “Nova Mulher” foi primeiramente apresentado por uma escritora irlandesa, Sarah Grand, no seu artigo The New Aspect of the Woman Question, publicado na revista literária North America Review, em 1894, e mais tarde popularizado pelo escritor Henry James que introduziu à literatura norte-americana a figura da heroína, mulher capaz e independente.

Em plena Belle Époque, viviam-se tempos de inquietação e efervescência politico-cultural. Com o desenvolvimento dos cabarés e com a popularização das viagens sobre o atlântico, crescia cada vez mais o desejo de liberdade e euforia na população, permitindo o crescimento do ideal da “Nova Mulher”, que começava a questionar cada vez mais o papel tradicional do género feminino. Foi também nesta época que surgiram as primeiras grandes revistas de moda e entretenimento, como a Harper’s Bazaar e a Vogue, onde eram expostos cartoons e ilustrações sobre a nova maneira de pensar e viver o quotidiano. Deste modo, foi neste contexto, de grande criação e valorização da cultura e da liberdade feminina, que Charles Dana Gibson cria a Gibson Girl, a representação da “Nova Mulher” e considerado, o primeiro ideal de beleza americano.


Serious Business, Charles Dana Gibson

Charles Dana Gibson foi um artista, ilustrador e editor americano. Ao longo da sua carreira, desenhou cartoons e ilustrações para várias revistas da época, nomeadamente a Vogue, a Women’s Wear Daily, a Harper’s Bazaar e a Life, onde mais tarde veio a assumir o papel de editor. No entanto, no final da Primeira Grande Guerra, retirou-se e demitiu-se desta última, passando a dedicar-se à pintura a óleo. Dono de um estilo próprio, caracterizado pela linha e pela sua expressão, ganhou popularidade através do desenho da Gibson Girl, símbolo das transformações sociais e culturais que se faziam sentir na altura.

Fascinado pelo movimento feminista e pela emancipação da Mulher, Charles Dana Gibson procurou retratar a “Nova Mulher”, e traduzir esse perfil numa imagem que refletisse esse novo estilo de vida e beleza que marcava a época. Deste modo, nasceu a Gibson Girl. A Gibson Girl é retratada como uma jovem esclarecida e culta, atenta ao que a rodeia e com uma grande paixão pela arte e pela cultura. Membro da alta-sociedade e ávida frequentadora de círculos literários e escolas de arte, era retratada como uma mulher multifacetada, determinada e aventureira, que procurava acima de tudo, realização pessoal. Fisicamente, a Gibson Girl apresentava um corpo atlético e cuidado. Era alta e elegante, apresentava uma silhueta delgada, ombros e quadris largos, cintura e pescoço finos, cabelo volumoso e apanhado em estilo pompadour e silhueta marcada pela forma da letra “S”. Sempre elegante, tinha um guarda-roupa invejável, apresentando um vestido para cada ocasião.

Art Lesson, Charles Dana Gibson

Apesar de inspirada nas sufragistas da época, a Gibson Girl, não apresentava ter algum tipo de compromisso em relação às ideias feministas defendidas na altura, no entanto manifestava a sua posição através da defesa da igualdade política, da cultura do consumo e de diversas reformas sociais. Porém, preferia manter as suas ideias nos bastidores. Esta apresentava algumas semelhanças com as ativistas, era independente e tinha uma postura dominante, no entanto, Charles Gibson procurou retratá-la de uma forma mais “romântica”, procurando o lado feminino e sedutor destas figuras, tendo por isso se inspirado também não só na sua mulher, Irene Langhorne, e nas suas quatro irmãs, mas também
em personalidades do mundo do espetáculo, como a atriz Camille Clifford e a modelo Evelyn Nesbit. Deste modo, conseguiu popularizar e credibilizar a Gibson Girl, e fazer com que esta se tornasse uma figura presente no quotidiano de todas americanas que a viam nas revistas.

A ilustração de Gibson ganhou notoriedade e rapidamente se propagou por grande parte do mundo, criando um novo ideal de beleza que muitas mulheres tentavam alcançar. Era frequente encontrar a sua imagem retratada em merchandising, sob a forma de fronhas, souvenirs, pires, ventoinhas, leques e cinzeiros. No mundo da ficção foi também retratada em filmes e em livros.

Assim, a ilustração de Charles Gibson inaugurou o primeiro ideal da beleza feminina americana, no entanto, mais do que um ícone da moda feminina e uma figura superficial presente nas revistas, a Gibson Girl representa a alteração do papel da Mulher na sociedade da época, as mudanças dos costumes e maneiras, e acima de tudo, a evolução e caminho trilhado pela Mulher moderna na luta pelos seus direitos e igualdade.

-----
Referências:
Testoni, Marcelo (2019). Gibson Girls: Surge a Mulher Moderna. AH Aventuras na História

A Perspectiva em Las Meninas de Velázquez


Diego Velázquez, Las Meninas (1656), Museu do Prado, Madrid

O reflexo é um elemento muito recorrente na pintura, algo que sempre fascinou o ser humano durante milénios. O espelho é um objecto que transcende a sua própria invenção. Antes de haver espelhos, as pessoas observavam o seu reflexo na água ou em superfícies polidas. O espelho como nós o conhecemos, feito de vidro, foi inventado no final da Idade Média e era um objecto de luxo, pois a qualidade do seu reflexo era superior a todos os espelhos anteriores. Durante o Renascimento este tornou-se um objecto recorrente em retratos, especialmente da nobreza e mais tarde da burguesia. Para além de ser um símbolo de status, o espelho na pintura era também uma forma de mostrar o chamado “ângulo morto” numa determinada cena. Este ângulo é o que se encontra atrás de nós, se olharmos de frente para uma pintura como se esta fosse uma janela. Nele podemos normalmente ver o pintor e o resto do quarto que não pôde ser representado na pintura e era quase como uma segunda assinatura por parte do pintor.

Um bom exemplo disto é o célebre retrato do casal Arnolfini, de Jan van Eyck, em que o pintor aparece representado no espelho convexo no centro do quadro. Este estilo foi imitado por vários pintores durante séculos, incluindo Velazquez na sua obra Las Meninas em 1656. No entanto o curioso nesta pintura é que o espelho ao centro não representa o autor mas sim quem está a ser pintado, numa subversão do que vemos na obra de van Eyck. 



Jan van Eyck, Casal Arnolfini (1434), National Gallery, Londres


Apesar à primeira vista parecer apenas mais um retrato da corte espanhola no reinado de Filipe IV, Las Meninas tem deixado observadores perplexos pela sua composição pouco convencional e algo misteriosa que levanta questões sobre a realidade e ilusão na cena representada. 

Umas das mais interessantes é a do filosofo Michael Foucault, no seu livro The Order of Things (1966). Segundo Foucault este quadro é a representação de uma representação clássica. Uma pintura de uma pintura dentro de uma pintura. 

The spectacle he [Velasquez] is observing is thus doubly invisible: first, because it is not represented within the space of the painting, and, second, because it is situated precisely in that blind point, in that essential hiding-place into which our gaze disappears from ourselves at the moment of our actual looking. And yet, how could we fail to see that invisibility, there in front of our eyes, since it  has its own perceptible equivalent, its sealed-in figure, in the painting itself?” 
Foucault, 1966 in The Order of Things


Qualquer observador de Las Meninas concorda que se está perante um retrato, mas a verdadeira questão é de quem, ou do quê. Numa primeira observação pode parecer que o objecto central é a princesa e o seu séquito, apresentados numa cor mais clara e com maior detalhe, mas existem muitas mais personagens que normalmente não estariam num retrato, como por exemplo o pintor.

Velasquez representou-se em Las Meninas e ocupa um plano re reverência. O lado esquerdo inteiro da pintura é uma tela que Velasquez está a meio de pintar, mas não a vemos. O importante nesta cena não é a pintura em si, mas o acto de pintar e o autor. Por este motivo Las Meninas pode ser apenas um elaborado auto-retrato, que espelha a vida e o trabalho de Velasquez na corte, perto da princesa e rodeado de espectadores que o observam enquanto trabalha.

Numa observação mais profunda Las Meninas é caracterizado não por aquilo que representa, mas sim pelo que está ausente. A obra apresenta um complexo diálogo de olhares, em que todas as personagens olham para um único ponto: nós. As personagens parecem fixar o olhar no observador, que se transforma no objecto observado. Ao olhar o quadro, o público passa a fazer parte deste diálogo e, de certa forma, passa a fazer parte do quadro. No entanto, segundo Foucault o espelho é a chave para entender esta obra. As personagens não olham para o publico, mas sim para algo que, segundo a perspectiva da obra, se encontra atrás de nós. Algo que à primeira vista parece desconhecido por se encontrara no “ângulo morto” mas que o espelho no fundo da sala nos revela: o casal real, D. Filipe IV e a sua esposa D. Maria Ana. Isto explica o olhar reverente por parte de algumas personagens, como a princesa, e Velasquez estaria a pintar um retrato real. Os espectadores assumem o papel dos soberanos enquanto pousam para o retrato e a tela que Velasquez pinta é nossa.

Ainda assim, muitos especulam que o reflexo que vemos no espelho não é do casal, mas sim de um dos quadros do atelier do pintor e que tal pode ser provado pela perspectiva sala representada. Neste caso o foco da obra permanece um mistério.

Quer contenha um espelho, ou não, um quadro apresenta sempre um reflexo. O pintor assume a posição de espelho e a partir da sua obra apresenta-nos uma versão da sua realidade que pode ser mais ou menos distorcida, verdadeira ou não. Velasquez mostra-nos, não só uma perspectiva de um acontecimento, mas várias. Las Meninas representa vários retratos num só. É ao mesmo tempo um auto-retrato, uma cena do quotidiano da corte espanhola e um retrato real. 


Referências:
-Michael Foucault (1966)The Order of Things: An Archaeology of the Human Sciences (Les mots et
les choses: Une archéologie des sciences humaines)





Carlos Alberto Santos, o ilustrador de cromos


Carlos Alberto Ferreira dos Santos, pintor e ilustrador português, nasceu a 18 de julho de 1933 em Lisboa. 
Começou a trabalhar com apenas 12 anos como moço de recados na gráfica Bertrand & Irmãos, onde também trabalhava o seu pai (tipógrafo) e onde também tinha sido funcionário na fotogravura o ilustrador José David. Foi, em junho de 1947, no ateliê de publicidade de José David que Carlos Alberto começou a trabalhar como ilustrador. Aos 15 anos publicou a sua primeira ilustração no n.º 11 do jornal Camarada: O melhor jornal para rapazes, de 30 de abril de 1948. 

Foi aos 16 anos que se estreou nas histórias aos quadradinhos, no número inaugural de O Mundo de Aventuras, de 18 de agosto de 1949, da Agência Portuguesa de Revistas (APR), com a aventurosa História Maravilhosa de João dos Mares. As suas ilustrações vinham assinadas por «D», porque terem sido realizadas enquanto Carlos Alberto ainda trabalhava no estúdio de José David. Foi em 1950 que iniciou para a APR, a sua primeira coleção de cromos, História de Portugal, sendo finalmente editada no final de 1953 e posta à venda em Outubro desse mesmo ano. Os cromos foram desenhados a tinta-da-china posteriormente reproduzidos a azul no tamanho final e finalmente coloridos nessas provas. A coleção original incluiu 203 cromos e tornou-se um sucesso nacional, tendo sido oficialmente reeditada 16 vezes até 1973.

Para além da sua primeira caderneta de cromos, História de Portugal, produziu para a APR ainda outras cinco: Trajos Típicos de Todo o Mundo (206 cromos, 1958), História de Lisboa (145 cromos, 1960), Camões (124 cromos, 1966), Romeu e Julieta (166 cromos, 1969) e Pedro Álvares Cabral (172 cromos, 1972).

Ao longo da sua extensa atividade, colaborou com várias editoras nacionais (ex. Portugal Press) e estrangeiras (ex. Editorial Bruguera, de Barcelona) contribuindo com numerosas capas e ilustrações e assinando muitos dos seus trabalhos apenas como Carlos Alberto tendo utilizado também, em 1970 nas suas ilustrações no Jornal do Cuto da Portugal Press, o pseudónimo «M. Gustavo» face ao seu gosto pela música de Gustav Mahler e porque ainda se encontrava veiculado à APR e estava impedido de assinar com o seu verdadeiro nome.

Carlos Alberto exerceu uma intensa atividade como ilustrador de livros, tanto para editoras como para autores, mas também como pintor, realizando a sua primeira exposição individual de óleos sobre temas históricos em 1970, na Sociedade Nacional de Belas Artes a que se seguiram muitas outras mostras e prémios relativos à sua atividade.

Referência bibliográfica
60 anos da História de Portugal em cromos. João Manuel Mimoso; Leonardo de Sá. Lisboa: Biblioteca Nacional de Portugal, 2013.

Norma Bar — Composição e Espaço Positivo/Negativo


The Big Squeeze; Oil politics behind the Iraq War — Noma Bar


O design visual é um componente fundamental de modo a despertar a atenção do público, o que influencia significativamente as prioridades e o público-alvo. De forma a criar uma composições apelativas, trabalhamos com elementos base da visualidade, organizando-os conforme os princípios do design. Estes elementos e princípios formam os alicerces do design visual e o seu entendimento é crucial no design visual de qualquer objeto.

Aprender a alcançar o equilíbrio entre estes princípios é o que a maioria dos designers tentam alcançar para que o seu design tenha estrutura e transmite uma mensagem explicita. Um dos conceitos-base é o espaço. 

Espaço refere-se à area que uma forma ocupa numa composição e este espaço pode ser determinado como positivo ou negativo, sendo que o positivo é o que está preenchido e o negativo vazio ou superfície suspensa entre elementos no design (como um background, por exemplo).

“Sometimes, what we don’t see is just as important as what is clearly in front of us.” [1]

Noma Bar, ilustrador israelita que atualmente reside em Londres, utiliza este principio de espaço como elemento dominante nas suas produções artísticas. Apesar da variedade dos seus assuntos — desde social e entretenimento até ao campo politico e governamental — ele trabalha o espaço negativo, para adicionar camadas ao assunto principalmente representado. 

Durante a primeira Guerra do Golfo, Norma Bar (quando era adolescente) apercebeu-se da semelhança entre a cara de Saddam Hussein a um símbolo de radiação. Ele tem uma maneira muito diferente de ver o mundo, sendo que muitas pessoas não conseguiriam olhar para o símbolo e identificar uma cara. [2]


Saddam Hussein — Noma Bar

Gun, Crime and Violence — Noma Bar

Noma Bar adora contar histórias visuais. [3] Com o objetivo de provocar um olhar reflexivo e curioso, faz uso do espaço (tanto positivo como negativo) e as suas ilustrações são formadas por uma única imagem ou então podem ser um conjunto de elementos temáticos que formam uma imagem maior, que nos leva sempre a fazer um segundo ou terceiro take visual. Por outras palavras, Norma Bar é  considerado como um dos mestres da ilusão no campo da ilustração.

As suas obras conseguem captar a atenção da audiência (fazendo com que o seu conteúdo e mensagem se destaquem), devido ao seu design limpo mas forte — o que é um fator essencial para atrair a maioria das pessoas —, evitando carregar as suas criações com ruído visual.

Burka Ban — Noma Bar
O seu repertório de obras soma mais de uma centena de capas de revistas e mais de 500 ilustrações e a publicação de três livros e ainda recebeu vários prémios, que incluem um Gold Clio, um Yellow Pencil e sua exposição foi destacada no London Design Festival 'Cut It Out'. Entre as várias ilustrações, alguns dos seus projeto mais conhecidos são uma animação de 30 segundos para a World Food Programme [4] e uma série para a Mercedes-Benz [5].

Com projetos para a revista Time Out, BBC, Random House, The Observer, The Economist, The Guardian, ele é uma identidade bastante poderosa no mundo da ilustração e o uso de paleta colorida, formas e iconografia reduzida, o estilo é instantaneamente reconhecível.


-

1 Mack, Alexandra (2018). How can Negative Space inform innovation?. Medium. Disponível em: https://medium.com/alchymyx/how-can-negative-space-inform-innovation-19aff118461a
2—Oliver, Wainright (2013). Interview — Noma Bar: 'My work is a painkiller’. TheGuardian. Disponível em:
3—Outline Editions. Noma Bar. Disponível em: https://www.outline-editions.co.uk/collections/noma-bar
4—Montgomery, Angus (2015). Stop Hunger. Start Peace, by TBWA Chait NY and Noma Bar
5—Brewer, Jeny (2017). Noma Bar animates a tongue twister for Mercedes-Benz’ series on road safety



terça-feira, 10 de dezembro de 2019

Satajit Ray


Designer gráfico, cineasta, tipógrafo e ilustrador. Parece que não houve atividade criativa que limitasse as capacidades de Satajit Ray (1921-1992).

Nascido em Calcutá, não é de se espantar que Ray foi descendente de uma longa linhagem de criativos. Seu pai era escritor além de ilustrador e seu avó foi escritor, ilustrador, filósofo e até editor. 




Apesar de todas suas vocações, a maior paixão de Satajit Ray foi o cinema. Após muitos anos de trabalho na área de design de comunicação Ray foi a Londres de encontro com o cineasta francês Jean Renoir e ao ver o filme Ladri di biciclette se inspirou como jamais antes.

Seu portfólio cinematográfico inclui 37 filmes, diversas premiações reconhecidas e um forte apelo ao design mesmo após a mudança de profissão. Satajit Ray criou muita da publicidade de seus filmes, e seus posters eram obras cativantes.

Ao usar seus personagens em cenas quotidianas, Ray humanizava o tom de seus filmes e posters. Ele estudou muito fotografia e o fotojornalismo, Henri Cartier-Bresson lhe proporcionou ângulos de espontaneidade. Suas outras influências foram Nandalal Bose, Benode Behari Mukherjee e a própria cidade de Calcutá, sua amada primeira casa.





Sua escolha usual eram colagens e cores complementares, negando a estética colonial de sua época e ajudando a solidificar a cultura indiana. Seus posters tinham como objetivo expor com sensibilidade a essência de cada filme, o que contrariava a moda da época (até dos dias de hoje) de estampar rostos de celebridades nas publicidades para vender os filmes.

segunda-feira, 9 de dezembro de 2019

Do Punctum aos Layers Imaginários

Roland Barthes, um importante ensaísta e crítico literário francês, cria o conceito de punctum associado à fotografia. Trata-se de algo (podendo ser ou não um pormenor) que prende a atenção do leitor, é uma “picada, pequeno orifício, pequena mancha, pequeno corte – e também lance de dados. O punctum de uma fotografia é esse acaso que nela me fere (mas também me mortifica, me apunhala).”* Para Barthes o punctum de uma fotografia pode ser chocante sem perturbar, ou seja, pode gritar sem ferir. Existe nele uma força de expansão.
Sendo o punctum resultado de uma leitura, ele é subjetivo e pessoal, uma vez que atinge o leitor e faz com que a fotografia viva no interior de quem a observa. Dá a oportunidade ao leitor de colocar a sua opinião, algo que acrescenta à fotografia e que, no entanto, já lá estava. 


Um exemplo de punctum e dos seus layers imaginários é o que acontece no filme “Blow-Up” de Michelangelo Antonioni, realizado em 1966. Thomas, um fotógrafo de moda londrino, antes de regressar ao seu estúdio para mais uma sessão de moda, decide ir ao parque da cidade onde acaba por fotografar um casal. A mulher furiosa por estar a ser fotografada sem autorização persegue-o, e Thomas curioso pela sua atitude decide olhar para as fotografias que tirou com mais atenção. É quando lhe desperta o interesse pelo olhar sério da mulher. Neste momento, Thomas elege esta ação fixa, o olhar sério da mulher, como o seu punctum. Sendo este o seu ponto de partida, inicia uma busca pela verdade, a razão daquele punctum existir. No laboratório amplia desenfreadamente as áreas da fotografia para as quais a direção daquele olhar o levaram. Consegue ver a ideia de um rosto e de uma arma, até que descobre, aparentemente, um cadáver. Thomas regressa ao parque e confronta-se com a existência desse corpo, no entanto não trazia consigo a câmara fotográfica para captar a ‘verdade’.

No final do filme existe uma cena onde os mimos chegam a um campo de ténis e começam a jogar, imaginando tanto as raquetes como a bola. Thomas permanece a ver o jogo, e quando numa das jogadas a bola sai do campo, ele corre e ‘atira-a’ de volta. Quando a câmara fixa a figura de Thomas, é possível começar a ouvir a batida da raquete e a bola de ténis a bater no chão. 


Punctum – olhar sério da mulher (frame do filme “Blow-Up”) 

Imagem resultante da ampliação onde é possível “ver” 
o cadáver (frame do filme “Blow-Up”)

É a partir desta última cena que nos poderemos interrogar até que ponto aquilo que Thomas viu na fotografia era real? Se no final conseguimos ouvir o som de um jogo de ténis que não existe, talvez a imagem do corpo que nos foi mostrada também não seja real. Talvez estivéssemos só a ser afectados pelas projeções da mente de Thomas. Se assumirmos que a partir daquele punctum se começou a criar uma ‘realidade’ que não era verdade, então podemos afirmar que cada ampliação e imagem visual criada não passava de mais um layer imaginário que alimentava o mundo mental do fotógrafo. 


*(10: 35) Barthes, Roland, A Câmara Clara, Edições 70, 2015

Design Social


 Design social o ramo do design, que estuda e se dedica a preocupações de ordem ética, sempre com o objetivo de contribuir para uma mudança a nível positivo da sociedade.

 O objetivo é sensibilizar ou prevenir, de forma direta, os assuntos de problemas sociais, existentes no âmbito da saúde, do meio ambiente, recursos naturais e qualidade de vida.
Diariamente usamos objetos que foram desenhados por inúmeros designers, sendo estes projetos que não pensados para o bem comum, mas sim que foram meros pedidos e que provavelmente vão cair em esquecimento.

 Os designers devem pensar no seu equilíbrio, entre a sua sobrevivência económica, o bem-estar do usuário e as suas questões éticas. Os designers podem criar mudanças reais no mundo, podem contribuir para a concessão mais ecológica, selecionando os produtos que não façam tão mal ao meio ambiente. Podem desenvolver projetos com grande impacto e mais sustentáveis.  O design tem um grande impacto e surge com uma grande responsabilidade.



Exemplo: https://vimeo.com/18708111   

O Retrato de Dorian Gray, the most magical of mirrors


Como pode o indíviduo encarar-se num espelho? O que vê ele? Ou nele? Dorian Gray é um indíviduo que eterniza a sua forma física numa pintura, de modo que esta sofre as repercussões de uma realidade que não é a sua. A figura de Gray, enquanto ser biológico, fica então isenta do seu próprio ambiente. Mas pode o seu retrato ser o único espelho na obra que leva à transcendência? 

O livro O retrato de Dorian Gray de Oscar Wilde é simultaneamente um clássico e intemporal. Apresenta reflexões coadunantes com a postura filosófica e artística de Wilde, o que só quer dizer contrária à vivida então. O livro foi publicado pela primeira vez em 1890 numa revista britânica. Imediatamente se insurgiram contra o mesmo, acusando-o de todo o tipo de atentados morais. No ano seguinte, em 1891 o romance foi re-editado, incluindo a adição de novos capítulos e de um prefácio, que, na sua génese, é nada mais nada menos que um manifesto com 24 aforismos onde Wilde expressa a sua opinião em relação à controvérsia que o seu livro provocara. Para Wilde, a arte cumpria um só propósito: a de não ter qualquer responsabilidade moral. A arte pela arte. Toda a arte é inútil, como refere no seu prefácio, pois ela existe para encarnar beleza e harmonia e não ao serviço de um qualquer objetivo educativo e moral. 

A representação imaginada, projetada por um ou mais sujeitos, aquilo a que desejamos ascender, é uma ilusão e, por isso, enganadora. O autor retrata essa vertente quando refere o poder influenciador que tanto objetos como personagens assumem ao longo do livro. Por exemplo, o livro amarelo que Lord Henry oferece a Dorian Gray e obviamente a pintura de Basil Hallward. Tanto uma como outra servem um propósito, o primeiro funciona como uma espécie de espelho misterioso que mostra a Dorian Gray a dissipação física a que o seu corpo foi poupado, enquanto o segundo atua como um roteiro ou um mapa, levando o jovem Gray por um caminho de infâmia. No fundo, o romance torna-se numa sequência linear de influências: o artista Basil Hallward influencia Lord Henry ao apresentar as suas razões para não expor a pintura, aludindo à existência de uma musa (Dorian Gray), Lord Henry, por sua vez, influencia Dorian Gray a seguir um caminho imoral e irresponsável que culmina na sua degradação. Na realidade, os personagens tornam-se espelhos. O pintor que retrata rostos da elite inglesa com o seu cunho específico, tendo como imagem a natureza de Dorian Gray, a sua musa, reflete esta mesma paixão na sua arte. É o responsável pela criação do espelho que será o retrato de Dorian Gray. 

Ao vender a sua alma pela beleza e juventude eternas, Dorian Gray transforma a pintura em si mesmo, ou seja, a pintura torna-se Dorian Gray. Verificamos a existência destas mesmas realidades dentro do próprio Gray, um Céu e um Inferno. Ao longo da obra, a personagem principal vai cometendo vários atos horrendos e apesar de a sua postura ser olhada com desdém, não deixa de ser bem vindo aos círculos da alta sociedade londrina, pelo seu aspeto fisicamente inocente. 
A sua natureza pecadora é esquecida e desculpada em detrimento da sua beleza, é aceite porque é belo. Como faz notar Lady Narborough no livro, “you are made to be good—you look so good”. De referir que a elite desconhece estes atos cometidos mas despreza a sua forma de vida, nomeadamente, a sua orientação sexual, o seu envolvimento com homens. Dorian Gray tira vantagem do seu aspeto físico para passar uma imagem dele próprio e, assim, cria uma fachada, um espelho que reflete o que os outros querem ver nele, aquilo que assumem que ele é, baseado no seu exterior. É assim que o espelho pode mentir. O espelho pode ser superficial como a beleza. Tanto assim é que no final da obra o retrato retoma a sua forma original quando Dorian o destrói. 

O espelho, neste caso veinculado por uma pintura retrato, acaba por ser o centro da ação, nas suas diversas manifestações do ser. Podemos dizer que existe uma dimensão individualista que é mais tarde quebrada quando analisamos o percurso não só da história mas de cada personagem. Cada uma delas cria para si e para os outros uma realidade espelhada, ancorada naquilo que são as suas preferências e inclinações pessoais, bem como recursos para eles disponíveis. O espelho entrega-nos uma realidade diferente daquela que é por nós projetada, oferencendo-nos uma possibilidade, uma alternativa paralela. Vemos o que queremos ver, pois embora o espelho reflita o cenário circundante, nós refletimos sobre o que espelho nos oferece e, desse modo, transcendemos. 


domingo, 8 de dezembro de 2019

Jan Tschichold · tradição na modernidade

A importância de Tschichold para a tipografia e design de livro é enorme, é de fato inescapável. Auto-consciente de sua importância e excelente polemista, Tschichold representa bem uma certa postura alemã frente à industrialização e à modernidade, isto é, dialética.

Nascido em Leipzig em 1902 e batizado Johannes Tzschichhold, era proveniente das classes trabalhadoras, o pai foi pintor de letreiros e desde cedo Tschichold interessou-se pelas artes dos livros e das letras.

Ingressou na Academia de Belas-Artes de Leipzig (hoje a Hochschule für Grafik und Buchkunst Leipzig) e frequentou a classe de Hermann Delitsch. Trabalhou com Walter Tiemann para a fundição de tipos Klingspor e também trabalhou no contexto das feiras do livro de Leipzig (atual Leipziger Buchmesse).

Em seus anos de formação em Leipzig, Tschichold esteve imerso em um contexto de tradição caligráfica, tipográfica e livreira. Apesar de ser um dos maiores centros livreiros e fundidores de tipos na Europa, Leipzig estava a se tornar antiquada.

Deste período há uma série de estudos caligráficos de Tschichold em letras góticas em que explorou as variações ortográficas de seu nome: Johannes Tzschichhold, Jan Tschichold, Iwan Tschichold e Ivan Tschichold, isto parece indicativo de sua busca por identidade e origens. Apesar de seu nome ser evidentemente de origem eslava, o Leste alemão há muito havia se germanizado, o próprio nome Leipzig e muitos de seus bairros tem atestada origem eslava, mas cujo significado real se desconhece.



Jan Tschichold, Exercícios de caligrafia, in Tschichold in Leipzig (BOSE, 2010).


Em 1923, após visitar uma das exposições da Bauhaus em Weimar e travar contato com Moholy-Nagy, El Lissitzky e Kur Schwitters, Tschichold abraça radicalmente as ideias da tipografia moderna e culmina por publicar a tese/manifesto Die Neue Typographie em 1925. Tschichold foi um homem de ação e defendeu a composição assimétrica, os eixos diagonais e os tipos sem serifa em artigos para distintas associações de impressores e gráficos na Alemanha.

À convite de Paul Renner, mudou-se para Munique para dar aulas na aula-magna em tipografia da Associação Tipográfica de Munique. Dez dias após sua mudança, em 1933, acabou por ser preso junto de sua mulher por autoridades nazistas e acabaram por exilar-se na Suíça, onde viveram até o fim de suas vidas.




Jan Tschichold, Die Frau ohne Name - Zweiter Teil (A mulher sem nome - Parte 2), 1927. Fotolitografia123.8 x 86.4 cm, Peter Stone Poster Fund.


Durante a ditadura nacional-socialista, suas obras foram retiradas de circulação por serem consideradas degeneradas e bolchevistas. Curiosamente, já nos anos 30, Tschichold iniciou um gradual afastamento dos ideias modernistas que ardentemente havia defendido.

Entre 1947 e 1949, Tschichold  morou em Inglaterra à convite de Ruari McLean e supervisionou o redesenho da coleção de paperbacks da Penguin Books, culminando em sua sistematização e criação do Manual de Composição Penguin.




Jan Tschichold, design e sistematização dos livros da Penquin Books.
dir. estudo. esq. edição corrente.


Durante seus longos anos na Suíça, Tschichold continuou a exercer um grande impacto. Desenvolveu sua família de tipos Sabon, um dos tipos serifados mais aclamados da contemporaneidade, fundida em tipos de metal para composição manual, Linotipo e Monotipo. Além disto, teve trabalhos expostos na Documenta III de Kassel e recebeu em 1965 o Prêmio Gutenberg da cidade de Leipzig.

Talvez a maior das polémicas em que Tschichold se envolvera foi aquela contra Max Bill. Em artigos para o boletim de design gráfico suíço Schweizer Graphische Mitteilungen em 1946, a troca de farpas girou em torno da adequação (Bill) ou inadequação (Tschichold) do ideário modernista para o design de livros e qual das duas posições estéticas seria inerentemente fascista.

Após longeva e influente carreira, o legado de Tschichold está a ser recuperado em sua cidade natal, após um período de certo esquecimento. Em 2017 o designer suíço Jost Hochuli montou a exposição Tschichol em São Galo por ocasião do lançamento  do livro homónimo.

Já em 2019, no âmbito das celebrações dos 100 anos da Bauhaus, uma placa comemorativa foi erigida em uma das casas onde a família Tschichold viveu em Leipzig. Já no Museu Alemão do Livro e da Escrita na Biblioteca Nacional Alemã esteve em cartaz uma exposição comemorativa da obra de Tschichold em seus variados aspectos.

Parte de sua obra foi doada por herdeiros a esta mesma instituição e está a ser digitalizado, em um projeto que levará 18 meses e cujo orçamento é de 110.000 euros, ao cabo do qual estará disponível para consulta online.

O resgate da memória e obra de Tschichold em sua cidade natal coroa a vida, obra e impacto de um autor que não teve medo de defender suas ideias abertamente e de modifica-las frente à novas experiências, fossem tradicionais ou modernas, ou melhor ainda, uma síntese destes polos.

Referências


J. Tschichold. Die neue Typographie. Ein Handbuch für zeitgemäß Schaffende. Verlag des Bildungsverbandes der Deutschen Buchdrucker, Berlin, 1928.

J. Tschichold. The New Typography. New edition. University of California Press, Berkeley, 2006.

J. Tschichol. The Form of the Book: Essays on the Morality of Good Design. Hartley and Marks, Washington, 1995.
Jan Tschichold. Master TypographerThames & Hudson, Londres, 2011.

G.K. Bose. Tschichold in Leipzig. Das Neue in der Typografie. Institut für Buchkunst, Leipzig, 2010.

J. Hochuli. Tschichold in St. GallenWallstein Verlag, Göttingen, 2016.

C. Burke e J. Hochuli. A treat for Tschichold aficionados in Eye Magazine, 2017.
Disponível em: http://www.eyemagazine.com/review/article/a-treat-for-tschichold-aficionados (acesso em 8 de dezembro de 2019).