segunda-feira, 9 de dezembro de 2019

O Retrato de Dorian Gray, the most magical of mirrors


Como pode o indíviduo encarar-se num espelho? O que vê ele? Ou nele? Dorian Gray é um indíviduo que eterniza a sua forma física numa pintura, de modo que esta sofre as repercussões de uma realidade que não é a sua. A figura de Gray, enquanto ser biológico, fica então isenta do seu próprio ambiente. Mas pode o seu retrato ser o único espelho na obra que leva à transcendência? 

O livro O retrato de Dorian Gray de Oscar Wilde é simultaneamente um clássico e intemporal. Apresenta reflexões coadunantes com a postura filosófica e artística de Wilde, o que só quer dizer contrária à vivida então. O livro foi publicado pela primeira vez em 1890 numa revista britânica. Imediatamente se insurgiram contra o mesmo, acusando-o de todo o tipo de atentados morais. No ano seguinte, em 1891 o romance foi re-editado, incluindo a adição de novos capítulos e de um prefácio, que, na sua génese, é nada mais nada menos que um manifesto com 24 aforismos onde Wilde expressa a sua opinião em relação à controvérsia que o seu livro provocara. Para Wilde, a arte cumpria um só propósito: a de não ter qualquer responsabilidade moral. A arte pela arte. Toda a arte é inútil, como refere no seu prefácio, pois ela existe para encarnar beleza e harmonia e não ao serviço de um qualquer objetivo educativo e moral. 

A representação imaginada, projetada por um ou mais sujeitos, aquilo a que desejamos ascender, é uma ilusão e, por isso, enganadora. O autor retrata essa vertente quando refere o poder influenciador que tanto objetos como personagens assumem ao longo do livro. Por exemplo, o livro amarelo que Lord Henry oferece a Dorian Gray e obviamente a pintura de Basil Hallward. Tanto uma como outra servem um propósito, o primeiro funciona como uma espécie de espelho misterioso que mostra a Dorian Gray a dissipação física a que o seu corpo foi poupado, enquanto o segundo atua como um roteiro ou um mapa, levando o jovem Gray por um caminho de infâmia. No fundo, o romance torna-se numa sequência linear de influências: o artista Basil Hallward influencia Lord Henry ao apresentar as suas razões para não expor a pintura, aludindo à existência de uma musa (Dorian Gray), Lord Henry, por sua vez, influencia Dorian Gray a seguir um caminho imoral e irresponsável que culmina na sua degradação. Na realidade, os personagens tornam-se espelhos. O pintor que retrata rostos da elite inglesa com o seu cunho específico, tendo como imagem a natureza de Dorian Gray, a sua musa, reflete esta mesma paixão na sua arte. É o responsável pela criação do espelho que será o retrato de Dorian Gray. 

Ao vender a sua alma pela beleza e juventude eternas, Dorian Gray transforma a pintura em si mesmo, ou seja, a pintura torna-se Dorian Gray. Verificamos a existência destas mesmas realidades dentro do próprio Gray, um Céu e um Inferno. Ao longo da obra, a personagem principal vai cometendo vários atos horrendos e apesar de a sua postura ser olhada com desdém, não deixa de ser bem vindo aos círculos da alta sociedade londrina, pelo seu aspeto fisicamente inocente. 
A sua natureza pecadora é esquecida e desculpada em detrimento da sua beleza, é aceite porque é belo. Como faz notar Lady Narborough no livro, “you are made to be good—you look so good”. De referir que a elite desconhece estes atos cometidos mas despreza a sua forma de vida, nomeadamente, a sua orientação sexual, o seu envolvimento com homens. Dorian Gray tira vantagem do seu aspeto físico para passar uma imagem dele próprio e, assim, cria uma fachada, um espelho que reflete o que os outros querem ver nele, aquilo que assumem que ele é, baseado no seu exterior. É assim que o espelho pode mentir. O espelho pode ser superficial como a beleza. Tanto assim é que no final da obra o retrato retoma a sua forma original quando Dorian o destrói. 

O espelho, neste caso veinculado por uma pintura retrato, acaba por ser o centro da ação, nas suas diversas manifestações do ser. Podemos dizer que existe uma dimensão individualista que é mais tarde quebrada quando analisamos o percurso não só da história mas de cada personagem. Cada uma delas cria para si e para os outros uma realidade espelhada, ancorada naquilo que são as suas preferências e inclinações pessoais, bem como recursos para eles disponíveis. O espelho entrega-nos uma realidade diferente daquela que é por nós projetada, oferencendo-nos uma possibilidade, uma alternativa paralela. Vemos o que queremos ver, pois embora o espelho reflita o cenário circundante, nós refletimos sobre o que espelho nos oferece e, desse modo, transcendemos. 


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