domingo, 8 de dezembro de 2019

Jan Tschichold · tradição na modernidade

A importância de Tschichold para a tipografia e design de livro é enorme, é de fato inescapável. Auto-consciente de sua importância e excelente polemista, Tschichold representa bem uma certa postura alemã frente à industrialização e à modernidade, isto é, dialética.

Nascido em Leipzig em 1902 e batizado Johannes Tzschichhold, era proveniente das classes trabalhadoras, o pai foi pintor de letreiros e desde cedo Tschichold interessou-se pelas artes dos livros e das letras.

Ingressou na Academia de Belas-Artes de Leipzig (hoje a Hochschule für Grafik und Buchkunst Leipzig) e frequentou a classe de Hermann Delitsch. Trabalhou com Walter Tiemann para a fundição de tipos Klingspor e também trabalhou no contexto das feiras do livro de Leipzig (atual Leipziger Buchmesse).

Em seus anos de formação em Leipzig, Tschichold esteve imerso em um contexto de tradição caligráfica, tipográfica e livreira. Apesar de ser um dos maiores centros livreiros e fundidores de tipos na Europa, Leipzig estava a se tornar antiquada.

Deste período há uma série de estudos caligráficos de Tschichold em letras góticas em que explorou as variações ortográficas de seu nome: Johannes Tzschichhold, Jan Tschichold, Iwan Tschichold e Ivan Tschichold, isto parece indicativo de sua busca por identidade e origens. Apesar de seu nome ser evidentemente de origem eslava, o Leste alemão há muito havia se germanizado, o próprio nome Leipzig e muitos de seus bairros tem atestada origem eslava, mas cujo significado real se desconhece.



Jan Tschichold, Exercícios de caligrafia, in Tschichold in Leipzig (BOSE, 2010).


Em 1923, após visitar uma das exposições da Bauhaus em Weimar e travar contato com Moholy-Nagy, El Lissitzky e Kur Schwitters, Tschichold abraça radicalmente as ideias da tipografia moderna e culmina por publicar a tese/manifesto Die Neue Typographie em 1925. Tschichold foi um homem de ação e defendeu a composição assimétrica, os eixos diagonais e os tipos sem serifa em artigos para distintas associações de impressores e gráficos na Alemanha.

À convite de Paul Renner, mudou-se para Munique para dar aulas na aula-magna em tipografia da Associação Tipográfica de Munique. Dez dias após sua mudança, em 1933, acabou por ser preso junto de sua mulher por autoridades nazistas e acabaram por exilar-se na Suíça, onde viveram até o fim de suas vidas.




Jan Tschichold, Die Frau ohne Name - Zweiter Teil (A mulher sem nome - Parte 2), 1927. Fotolitografia123.8 x 86.4 cm, Peter Stone Poster Fund.


Durante a ditadura nacional-socialista, suas obras foram retiradas de circulação por serem consideradas degeneradas e bolchevistas. Curiosamente, já nos anos 30, Tschichold iniciou um gradual afastamento dos ideias modernistas que ardentemente havia defendido.

Entre 1947 e 1949, Tschichold  morou em Inglaterra à convite de Ruari McLean e supervisionou o redesenho da coleção de paperbacks da Penguin Books, culminando em sua sistematização e criação do Manual de Composição Penguin.




Jan Tschichold, design e sistematização dos livros da Penquin Books.
dir. estudo. esq. edição corrente.


Durante seus longos anos na Suíça, Tschichold continuou a exercer um grande impacto. Desenvolveu sua família de tipos Sabon, um dos tipos serifados mais aclamados da contemporaneidade, fundida em tipos de metal para composição manual, Linotipo e Monotipo. Além disto, teve trabalhos expostos na Documenta III de Kassel e recebeu em 1965 o Prêmio Gutenberg da cidade de Leipzig.

Talvez a maior das polémicas em que Tschichold se envolvera foi aquela contra Max Bill. Em artigos para o boletim de design gráfico suíço Schweizer Graphische Mitteilungen em 1946, a troca de farpas girou em torno da adequação (Bill) ou inadequação (Tschichold) do ideário modernista para o design de livros e qual das duas posições estéticas seria inerentemente fascista.

Após longeva e influente carreira, o legado de Tschichold está a ser recuperado em sua cidade natal, após um período de certo esquecimento. Em 2017 o designer suíço Jost Hochuli montou a exposição Tschichol em São Galo por ocasião do lançamento  do livro homónimo.

Já em 2019, no âmbito das celebrações dos 100 anos da Bauhaus, uma placa comemorativa foi erigida em uma das casas onde a família Tschichold viveu em Leipzig. Já no Museu Alemão do Livro e da Escrita na Biblioteca Nacional Alemã esteve em cartaz uma exposição comemorativa da obra de Tschichold em seus variados aspectos.

Parte de sua obra foi doada por herdeiros a esta mesma instituição e está a ser digitalizado, em um projeto que levará 18 meses e cujo orçamento é de 110.000 euros, ao cabo do qual estará disponível para consulta online.

O resgate da memória e obra de Tschichold em sua cidade natal coroa a vida, obra e impacto de um autor que não teve medo de defender suas ideias abertamente e de modifica-las frente à novas experiências, fossem tradicionais ou modernas, ou melhor ainda, uma síntese destes polos.

Referências


J. Tschichold. Die neue Typographie. Ein Handbuch für zeitgemäß Schaffende. Verlag des Bildungsverbandes der Deutschen Buchdrucker, Berlin, 1928.

J. Tschichold. The New Typography. New edition. University of California Press, Berkeley, 2006.

J. Tschichol. The Form of the Book: Essays on the Morality of Good Design. Hartley and Marks, Washington, 1995.
Jan Tschichold. Master TypographerThames & Hudson, Londres, 2011.

G.K. Bose. Tschichold in Leipzig. Das Neue in der Typografie. Institut für Buchkunst, Leipzig, 2010.

J. Hochuli. Tschichold in St. GallenWallstein Verlag, Göttingen, 2016.

C. Burke e J. Hochuli. A treat for Tschichold aficionados in Eye Magazine, 2017.
Disponível em: http://www.eyemagazine.com/review/article/a-treat-for-tschichold-aficionados (acesso em 8 de dezembro de 2019).

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