segunda-feira, 9 de dezembro de 2019

Do Punctum aos Layers Imaginários

Roland Barthes, um importante ensaísta e crítico literário francês, cria o conceito de punctum associado à fotografia. Trata-se de algo (podendo ser ou não um pormenor) que prende a atenção do leitor, é uma “picada, pequeno orifício, pequena mancha, pequeno corte – e também lance de dados. O punctum de uma fotografia é esse acaso que nela me fere (mas também me mortifica, me apunhala).”* Para Barthes o punctum de uma fotografia pode ser chocante sem perturbar, ou seja, pode gritar sem ferir. Existe nele uma força de expansão.
Sendo o punctum resultado de uma leitura, ele é subjetivo e pessoal, uma vez que atinge o leitor e faz com que a fotografia viva no interior de quem a observa. Dá a oportunidade ao leitor de colocar a sua opinião, algo que acrescenta à fotografia e que, no entanto, já lá estava. 


Um exemplo de punctum e dos seus layers imaginários é o que acontece no filme “Blow-Up” de Michelangelo Antonioni, realizado em 1966. Thomas, um fotógrafo de moda londrino, antes de regressar ao seu estúdio para mais uma sessão de moda, decide ir ao parque da cidade onde acaba por fotografar um casal. A mulher furiosa por estar a ser fotografada sem autorização persegue-o, e Thomas curioso pela sua atitude decide olhar para as fotografias que tirou com mais atenção. É quando lhe desperta o interesse pelo olhar sério da mulher. Neste momento, Thomas elege esta ação fixa, o olhar sério da mulher, como o seu punctum. Sendo este o seu ponto de partida, inicia uma busca pela verdade, a razão daquele punctum existir. No laboratório amplia desenfreadamente as áreas da fotografia para as quais a direção daquele olhar o levaram. Consegue ver a ideia de um rosto e de uma arma, até que descobre, aparentemente, um cadáver. Thomas regressa ao parque e confronta-se com a existência desse corpo, no entanto não trazia consigo a câmara fotográfica para captar a ‘verdade’.

No final do filme existe uma cena onde os mimos chegam a um campo de ténis e começam a jogar, imaginando tanto as raquetes como a bola. Thomas permanece a ver o jogo, e quando numa das jogadas a bola sai do campo, ele corre e ‘atira-a’ de volta. Quando a câmara fixa a figura de Thomas, é possível começar a ouvir a batida da raquete e a bola de ténis a bater no chão. 


Punctum – olhar sério da mulher (frame do filme “Blow-Up”) 

Imagem resultante da ampliação onde é possível “ver” 
o cadáver (frame do filme “Blow-Up”)

É a partir desta última cena que nos poderemos interrogar até que ponto aquilo que Thomas viu na fotografia era real? Se no final conseguimos ouvir o som de um jogo de ténis que não existe, talvez a imagem do corpo que nos foi mostrada também não seja real. Talvez estivéssemos só a ser afectados pelas projeções da mente de Thomas. Se assumirmos que a partir daquele punctum se começou a criar uma ‘realidade’ que não era verdade, então podemos afirmar que cada ampliação e imagem visual criada não passava de mais um layer imaginário que alimentava o mundo mental do fotógrafo. 


*(10: 35) Barthes, Roland, A Câmara Clara, Edições 70, 2015

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