sexta-feira, 31 de março de 2023

Uma eterna (e insaciante) coleção dos Lima

“Uma Terna (e Política) Contemplação do que Vive” é o título da exposição patente na Sociedade Nacional de Belas-Artes entre os dias 1 de março e 8 de abril de 2023, e corresponde a uma seleção de 120 obras da coleção privada de arte moderna e contemporânea de Norlinda e José Lima, casal cujo acervo chega a cerca de 1500 obras.

É uma das coleções privadas, presentes em território português, que melhor permite explorar a História da Arte, nacional e internacional, num período temporal que vai desde 1926 até, talvez, ao dia de ontem, com uma maior concentração na produção artística dos últimos quarenta anos. Este acervo foi construído, maioritariamente, em contexto democrático, nos anos 80, e reflete, em grande medida, a criação no enquadramento das vanguardas artísticas que marcaram as décadas de 1960-70 e que acompanharam, e anteciparam, um mundo em mudança.


Para a exposição em questão, a curadora Helena Mendes Pereira explica que foram escolhidas obras que apresentam uma dimensão política, de artistas ativistas de quem se conhece a opinião e ação, e cujo trabalho procura intervir sobre o mundo, criando um espaço que convide a refletir sobre o significado de ser livre através de obras de arte.

Com foco no ponto de vista dos colecionadores, que acreditam que as peças de arte são artefactos que codificam os valores de uma sociedade, e que por essa razão devem ter as portas abertas aos públicos, a exposição procura expor o maior número possível de artistas, dos mais aos menos evidentes, numa abordagem que permita aos públicos viajar pela História da Arte Contemporânea, assumindo o seu potencial reflexivo sobre os nossos dias.


É no Salão da Sociedade Nacional de Belas-Artes, um espaço amplo e aberto que acolhe com tetos envidraçados a luz natural, que temos as 120 obras intimamente dispostas em paredes brancas e compassadas pelo chão numa cadência fervente. O espectro imenso de tonalidades, formatos, suportes, geografias e gerações das obras e dos artistas presentes na exposição, convive em paralelo com a forma como o espaço foi projetado, em que as divisórias criadas no Salão nos fazem percorrer um caminho labiríntico e imprevisível.





 

A organização das peças não é evidente. Ao longo da exposição, um espectador consegue colecionar um conjunto de possíveis razões que justificam a disposição das peças no espaço e acabar com o enigma por resolver. Uma razão é imediatamente excluída: a organização cronológica; ao longo do espaço, que nos convida a deambular sem um percurso definido, não somos orientados temporalmente, encontrando lado a lado obras de épocas e movimentos artísticos muito distintos. Também não somos orientados geograficamente, já que existe uma panóplia de diferentes origens e nacionalidades nos artistas que nos são apresentados.

Então, podemos considerar a possibilidade de as obras estarem organizadas de acordo com a data da sua aquisição na coleção privada do casal Lima, mas, rapidamente também descartamos essa opção ao constatar com demasiada clareza que a exposição está organizada da forma mais simples possível, para a qual não seria necessário analisar, apenas olhar.






Tem-se, assim, uma disposição das obras de acordo com as suas temáticas e cromatismo, onde nos são apresentadas peças que, em teoria, em nada se relacionam mas que se cruzam de inúmeras maneiras nos conteúdos, formas, cores e suportes.


Nas fotografias acima, temos o exemplo de: Pires Vieira (PT, 1950), Pintura 1 (Série Alinhamentos Sobre um Tema de Matisse), 1989; Lourdes Castro (PT 1930-2022), Desconhecido; e Júlia Ventura (PT, 1952), Geometrical Reconstructions and Figure with Roses #2, 1987, respetivamente, cujas obras se assemelham na escolha de cores fortes e sólidas e nas composições com um certo grau de geometria. E, ainda, Fernando Calhau (PT, 1948-2002), Sem Título, 2001; e Hans Hartung (DE,1904-1989), P1967 – A44 – 1967, respetivamente, com duas obras tão idênticas aparentemente, que nos fazem acreditar que têm origens e significados comuns.






Outros exemplos curiosos são estas duas fotografias, também dispostas lado a lado de Eva Lootz (AT, 1940), Se avecina una tormenta de nieve… (L. está preparado para todas las eventualidades porque no conoce las eventualidades que pudieran avecinarse) (de la serie Pequeño teatro de derivas), 1994; e Harmen de Hoop (NL, 1959), Boy throwing away his toys – San Francisco, 2003, respetivamente.


“Uma Terna (e Política) Contemplação do que Vive” é uma exposição muito acessível que nos faz percorrer um espaço onde não conseguimos adivinhar as obras que vão sucedendo umas após as outras, fazendo-nos ter uma postura estimulada pela descoberta constante. Essa postura é, também, alimentada pelo facto de ser uma exposição repleta de objetos, objetos esses tão distintos, que somos chamados a querer voltar para que nada escape da experiência ali vivida.