Mostrar mensagens com a etiqueta 10925. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta 10925. Mostrar todas as mensagens

terça-feira, 16 de janeiro de 2018

O olhar de Lu Nan sobre a China, através da sua lente.

Museu Coleção Berardo: Lu Nan, TRILOGIA: Fotografias [1989 - 2004]

(Exposição temporária: patente do dia 10 de Outubro de 2017, ao dia 14 de janeiro, de 2018)

Existe, ainda hoje, uma curiosidade Ocidental pelo Oriente. Sobretudo no que toca a modos de vida, fora da vista do turismo, em locais e paisagens remotos. Essa curiosidade, enforma-se ao compreendermos a extensão, do território de nações como a China, por exemplo.
A China é o maior território da Ásia Oriental e o país mais populoso do mundo, com 1.379 bilhões de habitantes, em 2016.
Além das questões lógicas, sobre os seus modos administrativos (e etc.), coloca-se a questão: Como será a vida, dos chineses que não se vêem habitualmente? Ou, será daqueles que, os próprios chineses, não querem que vejamos..?
A exposição do Museu Coleção Berardo, de Lu Nan, um fotógrafo chinês da agência Magnum, nascido em Pequim (1962), pretendeu dar-nos a conhecer visualmente, essas realidades paralelas às convencionais, dedicando 15 anos no total, para o desenvolvimento de um projecto fotográfico, de carácter quase “épico”.
Este projecto fotográfico, é sobretudo uma Obra de Arte, simbolicamente relacionada com aspectos filosóficos da nossa existência. 

Numa primeira análise, ao sermos confrontados com algumas das realidades chocantes retratadas, sentimos que estamos perante um documento de registo histórico, e embora essa afirmação seja feita através do realismo das cenas que apresenta, é, em simultâneo, uma Obra comparável a grandes clássicos, como o tríptico de Bosch, ou a Divina Comédia de Dante.
Na primeira, das suas três partes, é nos mostrado um retrato da miserável vida dos pacientes, com distúrbios mentais, que habitavam de forma precária, os asilos chineses no período de 1989 a 1990, em que Lu Nan, contactou com 14 mil desses pacientes, em 38 hospitais, distribuídos por 10 províncias e grandes cidades. Além disso, procurou por mais de 100 familiares de doentes mentais e sem-abrigo, também com distúrbios. 
As imagens expressam o sofrimento e a dor, da vida infernal de estes seres humanos, alguns acorrentados durante anos por uma mão ao chão, do que parece ser mais uma cela, do que um quarto hospitalar.

A segunda parte da trilogia, em 10 províncias e grandes cidades, provoca uma estranheza curiosa, que nos faz contemplar cenas, que são de uma familiaridade provincial portuguesa, lembrando-nos das tradições cristãs, a que o interior do nosso país nos acostuma. Cenas, cujos protagonistas, se contrastam connosco, diferenciando-se apenas nas sua feições faciais, sendo a semelhança relativa à exportação Ocidental da religião Cristã, um facto do conhecimento histórico da Humanidade. Mas aqui, Lu Nan mostra-nos a vida cristã vivida por chineses, povo convicto das suas crenças e paixões, evidentes nas imagens apresentadas, simbólicamente representadas por tradições da Fé Católica.
Durante o período de 1992 a 1996, visitou mais de 100 igrejas, captando um modo de vida ligado ao Divino, de crentes cuja fé, se concretiza no seu quotidiano.

A terceira, é mais “terrena”, ou “térrea”, exibindo a vida rural do Tibete, que se organiza segundo as estações do ano, visto serem meios em que se vive da terra, e para a terra, e se é vítima das forças agrestes da Natureza, sobretudo no Inverno.
Vêem-se as forças humanas em acção, para a sua sobrevivência e o quotidiano de uma vida ligada à Terra, de uma naturalidade pacífica, cujas imagens o transmitem, tanto, através da narrativa criada nesta exposição, tanto por si só.
Este ensaio fotográfico, intitulado “four seasons”, leva-nos numa viagem que acompanha o ciclo, desde a Primavera, em que se semeia, o Outono: período de ceifa, à colheita no Verão, do que lhes serve para a subsistência na dureza do Inverno.

Lu Nan, revela mestria na prática da Fotografia, através do seu sentido estético e enorme respeito, pelos objectos da sua atenção, resultando em imagens de carácter humanista, de exímia manipulação fotográfica e de pontos de vista.
A Trilogia de Lu Nan, não é como as trilogias clássicas, já referidas, mas sim, um projecto fotográfico documental e simultâneamente artístico. Todas as imagens expostas, mostram-nos o seu olhar sobre uma China de outros tempos, que pode, ou não, ter mudado. Contudo, foi real e permite-nos entender melhor, este fascinante e imenso povo, cuja dimensão se aproxima rapidamente a um quinto da população mundial.
O percurso, delimitado pelo espaço, terminava num compartimento do mesmo, com uma projeção de fotografias, com uns bancos corridos onde nos podíamos sentar, a contemplar estas fotografias que nos mostram estas formas de vida, tão distantes e, ao mesmo tempo, tão próximas.

Para o leitor, apaixonado pela Arte da Fotografia, que pensa para si próprio: “que pena, não ter ouvido, ou lido, sobre isto antes…”, deixo-lhe uma amostra virtual e o link onde pode ver uma galeria com 51 imagens deste projecto e algumas do seu mais recente, em que fotografou as prisões da Birmânia. Que, embora não sejam todas, já nos permitem ter uma ideia do virtuosismo, desta Obra e do seu autor.

Bom, mas deixemos as imagens falarem, mais que mil palavras, num olhar.



 Fig. 1

  Fig. 2

  Fig. 3

  Fig. 4

 Fig. 5 

 Fig. 6 

 Fig. 7 

 Fig. 8 

  Fig. 9

  Fig. 10

  Fig. 11

  Fig. 12

  Fig. 13

  Fig. 14

  Fig. 15

  Fig. 16

  Fig. 17

  Fig. 18

  Fig. 19

  Fig. 20

  Fig. 21

  Fig. 22

  Fig. 23

  Fig. 24

  Fig. 25

 Fig. 26


Fotografias (Fig.1-26) e texto por: André Rocha ©️ 2018, em Museu Coleção Berardo, Exposição temporária: Lu Nan, TRILOGIA: Fotografias [1989-2004] , de 10 de Outubro de 2017 a 14 de Janeiro de 2018.



segunda-feira, 27 de novembro de 2017

"Os Sons da Sombra de Bill Fontana, no MAAT."


Este Outono, na celebração do seu primeiro ano, dando continuidade a uma lista de aclamados artistas internacionais, o MAAT apresenta, “Shadow Soundings” (ou “Sons da Sombra”), do pioneiro da experimentação sonora artística, Bill Fontana, que consiste numa instalação imersiva audio-visual, recorrendo a sons e imagens, da icônica ponte 25 de Abril, em Lisboa, captadas e transmitidas em directo, através de cabos de fibra óptica, ao espaço principal do museu.
Esta instalação, foi apresentada ao público, pelo curador e director do museu Pedro Gadanho e o artista, no dia 3 de Outubro e estará patente, até 12 de Fevereiro, de 2018. Está aberto ao público todos os dias, das 11 às 19 horas, encerrando semanalmente, às terças-feiras.

A diferença entre uma composição musical e o ruído do quotidiano, pode parecer evidente, bem como que, uma sinfonia requer uma orquestra profissional, para a sua execução. Mas para o artista Bill Fontana, os sons que consideramos banais, têm um interesse estético e são o meio que utiliza, para criar as suas “esculturas sonoras”, tendo iniciado as suas experimentações com o som nos anos 60, depois de ter estudado com o compositor John Cage. 
Continuando a lógica de Duchamp, dos “objectos encontrados”, Fontana encontra sons, normalmente discretos, em espaços físicos que explora, para encontrar sonoridades características do mesmo, com a intenção de os transferir para o local em que são apresentados, por vezes, combinados com a transmissão em directo de vídeo, de pontos de vista inusitados, normalmente escondidos do público. O observador, sente-se desta forma transportado para os locais em questão.
Segundo o legendário escultor sonoro de São Francisco, já nos seus 70 anos, “todos os sons correspondem a uma imagem e vice-versa”. 

A Ponte 25 de Abril, foi aberta em 1966, estendendo-se por 2.3 Km, sendo um deles, suspenso por cabos, pelas suas duas torres, de 190 metros de altura. A ponte é constituída por dois tabuleiros sobrepostos, sendo o inferior destinado à via férrea do comboio, e o superior, com a sua característica faixa da grelha de metal, aos carros que por lá, diariamente entram e saem, da cidade de Lisboa. O artista trabalhou na criação desta instalação, especificamente para o MAAT, durante o período de um ano e meio, em que visitou várias vezes Lisboa, de forma a melhor “captar” a ponte.
O som da Ponte 25 de Abril, é já de fama internacional e uma característica familiar da identidade lisboeta, tendo sido amplificado e trabalhado em estúdio pelo artista, para realçar a sua musicalidade.

Fig.1

Ao entrarmos na sala oval do MAAT, reconhecemos um som que nos acompanha desde o exterior, de água a correr continuamente. Ao descer, para a zona central, somos confrontados com sete painéis de dimensões diferentes, suspensos “anti-gravíticamente”, ouvindo-se sons que se combinam, consoante o local em que nos encontramos.
Nos sete painéis, é possível observar projeções de video de ambos os lados, sendo duas delas, das águas do Rio Tejo e as restantes, de várias perspectivas sobre a Ponte 25 de Abril, que normalmente não são vistas pelo público. (A não ser, que sejamos praticantes de alguma modalidade desportiva, desafiante das leis de Newton e da sociedade.)
As imagens do rio, em conjunto com o seu som audível desde o exterior, evidenciam a intenção do artista, de transferir os locais que capta, para a nossa consciência e vice-versa.

Um dos painéis, em posição vertical, com as dimensões aproximadas, de 2,5 metros de largura e 5 de altura, apresenta um plano invertido do tabuleiro inferior, de ângulo picado sobre a linha ferroviária, observando-se o comboio que passa ocasionalmente e a sombra dos carros, que passam na famosa via, cuja base é uma grelha metálica. O som característico, produzido pela passagem constante dos veículos, preenche o espaço a partir de 34 monitores de som, que reproduzem os sons de 10 pontos da estrutura, misturados digitalmente, criando assim uma espacialidade sonora.
Outro painel de dimensões ligeiramente menores e orientação similar, suspenso no ar, mostra-nos um plano contra-picado do tabuleiro superior e da referida via metálica, com os vultos dos veículos que passam. Os restantes dois, de dimensões reduzidas em comparação, mostra-nos o corredor técnico entre os dois tabuleiros e uma repetição do plano picado sobre a via ferroviária, com uma orientação lateral. Em todos os painéis, são evidentes as sombras, que dão o título a esta obra, que produzem os elementos da composição sonora.

Resta-nos, a que na minha opinião, é a peça central desta instalação. Trata-se de um painel, talvez o maior dos sete, colocado em ângulo agudo relativo ao chão, onde assenta a sua base. O Painel apresenta um plano picado, dos 190 metros de altura, de uma das torres da estrutura da ponte, sobre a via de circulação do trânsito.
Por baixo do painel, estão uns (demasiado, se estivermos cansados), confortáveis “puffs” brancos, onde nos podemos e devemos deitar, a apreciar a perspectiva muito fora do comum, que o artista nos proporciona, numa qualidade impressionante, dada as dimensões da imagem, que tal como o que apresentam, são enormes. 

Fig.2

Em conjunto com a escultura sonora, que consiste em dois anéis concêntricos de monitores sonoros. Um deles, circula o núcleo da galeria oval e produz uma composição sonora, recorrendo aos sons transmitidos em directo, da oscilação do trânsito sobre a grelha metálica e a acelerómetros que captam a energia sonora, acumulada na tensão dos cabos de suspensão e que, por vezes, nos confunde os sentidos e nos transfere para a ponte. Ou vice-versa. 
O outro anel de monitores sonoros, percorre o espaço da rampa envolvente da sala oval, numa espacialidade sonora da água do rio Tejo em constante movimento, recorrendo a hidrofones, para transmitirem em directo o som submerso, do rio. Este som é também projectado para o exterior do edifício, através de monitores de som, instalados na sua fachada. 

Na conferência da abertura, desta exposição ao público, Fontana disse: 

“No mundo visual, ainda tenho uma curva de aprendizagem, que me entusiasma. Enquanto que o som, é “transparentemente” objectivo, visto que deixo muito para a imaginação do público, levando-os dessa forma, ao limiar da visão.
Por outro lado, se usar imagens em movimento captadas por mim, torna-se muito pessoal e subjectivo. Estou a introduzir a visão na audiência, fazendo-os ver o que escolhi ver. É intensamente auto-biográfico e mais pessoal que nunca.” (Bill Fontana, na inauguração da exposição do MAAT.)



O artista, conhecido por “captar o som das coisas”, convida-nos desta forma, a visitar esta instalação, que liga, literalmente, o espaço do MAAT, a um dos ícones mais reconhecíveis de Lisboa, permitindo-nos vê-lo e ouvi-lo de uma forma completamente nova e fora do habitual.

Fotografias (Fig.1-2) e texto por: André Rocha ©️ 2017, em MAAT: Bill Fontana (2017), Shadow Soundings