Em exposição de 22 fevereiro a 30 junho 2025
No passado dia 16 de maio, visitei o Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste
Gulbenkian, mais especificamente uma das suas exposições temporárias intitulada
“Julianknxx. Coro em Rememória de um Voo” do artista Julianknxx. Julian Knox, nascido
na Serra Leoa, mudou-se posteriormente para o Reino Unido onde já reside e trabalha
há alguns anos. É um artista multidisciplinar, que cruza no seu trabalho várias áreas
artísticas como a poesia, o vídeo, a performance e a música. De nome original “Chorus
in Rememory of Flight”, é uma exposição com a programação de Ana Botella e Luís
Jerónimo e uma encomenda feita em conjunto com o Barbican Center em Londres, o
WePresent by WeTransfer e em parceria com a Fundação Calouste Gulbenkian, com o
apoio de 180 Studios e De Singel.
Localizada no Espaço Engawa do Centro de Arte Moderna, esta instalação audiovisual
pode ser visionada ao percorrer um corredor comprido dividido por quatro salas. Esta
instalação é fruto de partilhas e conversas que o artista teve, ao longo de um ano, com
a comunidade da diáspora africana residente em várias cidades europeias portuárias,
entre elas a cidade de Lisboa. Descrita pelo próprio como sendo um poema visual, são
abordadas temáticas como a identidade, herança, pertença, com um foco na
experiência negra em cidades europeias. Sendo que a ideia principal seria contar a
História e abordar a cultura da diáspora africana, de uma outra maneira e através de
uma perspetiva diferente. A História contada não pelos livros de História, mas cantada
pelas pessoas.
Composta por três vídeos, o primeiro visto pelo visitante ao entrar no espaço expositivo,
tem o título de “Learning How to Wear Black Under the Sun”, datado de 2025, é uma
instalação de vídeo 4K com um canal, áudio stereo e tem a duração de cerca de 7
minutos. Nele são mostrados vários registos feitos por Julian em Lisboa, intercalado por
uma composição sonora e um poema do autor. Nalgumas das imagens podemos ver um
dos seus colaboradores neste projeto, o artista Tristany Mundu. Importante destacar
que as salas são escuras, sendo que a única fonte de luz vem do ecrã, o que permite um
foco total no que está a ser visionado. Ao percorremos o caminho até à próxima sala,
podemos ir lendo várias frases de letra de cor branca em paredes azuis, quase como se
fossem desabafos e gritos de resistência, tais como “As pessoas pensam que o meu
perigo as deixa seguras/People think that my danger makes them safe” ou “Este sol
ensina-te a arder pelo outro/This sun teaches you how to burn for the other.”
Na sala seguinte, encontra-se a maior instalação de vídeo da exposição, com três ecrãs,
é novamente uma sala escura, com três bancos corridos onde os visitantes se podem
sentar e assistir ao vídeo. Intitulado de “Chorus in Rememory of Flight”, é de 2023 e é
uma instalação de vídeo 4K com três canais, áudio 3.1, com a duração de 45 minutos.
Neste vídeo são mostrados os registos de um voo que durou um ano. Nas nove cidades
europeias com passados (e presentes) coloniais, Julian entrevistou coros, políticos,
ativistas e dançarinos de comunidades negras e pediu uma "offering”: o que tens para
contar sobre ti? Que histórias tens para contar?. Algumas pessoas cantaram,
partilharam histórias de vida, outras dormiram. E foram estes testemunhos que Julian
gravou e que agora assistimos nos três ecrâs, intercalados por imagens das várias
cidades onde esteve, muita música, como também poemas escritos pelo autor. Na sala
seguinte podemos assistir ao último vídeo intitulado de “Mava”, de 2025, sendo este
uma instalação de vídeo 4k com um canal, áudio stereo e com a duração de 8 minutos.
Também filmado em Portugal, é um vídeo filmado apenas num plano e nele podemos
ver a performance de um dançarino, sendo que este contorce-se e preenche o espaço
onde é filmado o vídeo, enquanto ouvimos uma composição sonora. Termina-se este
último vídeo com a sensação que estivemos de facto a fazer um voo. A forma como os
vídeos estão editados, sendo mostradas vários tipos de imagens, desde os testemunhos,
às performances, faz com que o nosso olhar vá viajando de um ecrã para o outro, nunca
deixando de ouvir, nunca deixando de estar atento. As composições sonoras
acrescentam ainda mais emoção aos vídeos, fazendo desta instalação audiovisual um
verdadeiro espetáculo sensorial.
Dos pormenores mais interessantes desta exposição é a quarta e última sala, que é uma
espécie de biblioteca. Composta por uma estante cheia de livros, dois sofás onde os
visitantes são convidados a sentar-se, a ler e a refletir sobre a exposição. Está decorado
duma forma convidativa, respirando serenidade, com algumas plantas, discos de vinil
de artistas como Sara Tavares ou Duo Ouro Negro e com alguns “panos” de Angola, Cabo
Verde, Guiné-Bissau e Moçambique. Estão disponíveis três headphones que os
visitantes podem colocar para ouvir algumas das entrevistas feitas em Lisboa por Julian
em 2023, editados pelo Bantumen e produzido por Luzinho. Destaco em particular os
livros que compõem a biblioteca e que inspiraram a exposição, entre eles “Venceremos”
de Thomas Sankara ou “Decolonizar o museu” de Françoise Verges. Importante referir
que estes livros foram selecionados por Julianknxx, Vítor Sanches, Dentu Zona – Cova da
Moura, Jesualdo Lopes, Paulo Pascoal, Rafael de Oliveira e Selma Uamusse. Este espaço,
como é referido no próprio texto de sala “(…) é um lugar de descontração e repouso,
um convite para desacelerar, porque para Julianknxx descansar é um ato radical de
resistência".
A cenografia da montagem, da autoria de Rita Albergaria e Salomé Ventura e a
museografia, de Laurindo Marta e Cécile Matignon, é intuitivo e bem organizado,
convidando o visitante a fazer o percurso desde a primeira sala onde está o primeiro
vídeo até à última, não tendo particular efeito se forem vistos fora de ordem, no entanto
a narrativa e a emoção trazida pelos vídeos é mais sentida na sua plenitude fazendo o
percurso sugerido. Destaco também a secção final da biblioteca, bastante inovadora e
original, senti que de facto podia parar e refletir sobre o que tinha acabado de ver, como
também obter mais informações através dos vários livros à disposição. Ao início existe
uma certa hesitação, visto ser fora do normal poder pegar-se e ler livros numa
exposição, mas quando essa hesitação é ultrapassada ao ler o texto de parede ou a ser
informado por um assistente de sala, é muito bonito ver o quão o espaço é preenchido
pelo visitante e o museu deixa de ser apenas um espaço expositivo. Destaco também o
trabalho dos assistentes de sala, que me forneceram mais informações sobre a
exposição e me fizeram olhar para o que estava a visionar com mais atenção. O único
ponto negativo que teria a apontar seria a escuridão das salas onde os vários vídeos são
visionados, pois dificulta a movimentação dentro delas.
“We are…we are…what’s left of us”, as palavras de uma das músicas cantadas por um
coro no segundo vídeo da exposição, junto com os sons deixados por um saxofone no
primeiro vídeo, ecoaram nos meus ouvidos durante muito tempo após sair, do Centro
de Arte Moderna, para as ruas de Lisboa. É uma exposição que emociona, que pede que
estejamos presentes e que ouçamos, e que acima de tudo - dá esperança. Já assisti a
esta exposição várias vezes desde o passado dia 16 de maio e continua a emocionar-me
tal como a primeira vez. A forma como a exposição está disposta, com o som alto e a
imagens dos vídeos a preencher as paredes, permite uma experiência imersiva. E só não
sente, quem não está atento.