segunda-feira, 2 de junho de 2025

Um Lago dos Cisnes diferente

 

Entre os dias 28 e 30 de maio, esteve em exibição no Pequeno Auditório do Centro Cultural de Belém a peça O Lago dos Cisnes, produzida pelo Teatro do Vão. Através da direção artística de Daniel Gorjão e do texto de André Tecedeiro, ela transpunha o bailado de Tchaikovsky para o formato teatral.

Do original, porém, não foram preservados muitos detalhes, ainda que fossem visíveis referências aos passos de bailado nos movimentos dos intérpretes. Isso porque a peça não pretendia somente uma adaptação de linguagens, mas sim aproveitar-se do clássico como ponto de partida para discutir questões contemporâneas, em especial a participação de diferentes corpos, tradicionalmente excluídos dos padrões das companhias de dança. A narrativa, por sua vez, gira em torno da aceitação e da necessidade de controle. O resultado foi um espetáculo que, de forma leve, proporcionava importantes reflexões ao espectador.

Foto: José Carlos Carvalho | CCB.

 

Nesta nova versão, havia uma brincadeira com os géneros das personagens. Ali, o feiticeiro Rothbart tornou-se a Senhora Rothbart, à qual o público acompanhava em uma espécie de viagem ao passado, durante a qual ela revisitava e ponderava sobre as atitudes controladoras que a levaram à ruína na relação com os filhos, Sigfrieda e Odille —cujos géneros foram igualmente trocados. Além do drama da matriarca, assistiu-se ao desenrolar do romance proibido dos rapazes Odile e Odette, cujo final não se torna tão trágico quanto o das personagens de Tchaikovsky: nesta peça, em vez da morte, o lago encantado trazia a libertação. 

Para além do texto, a atuação dos intérpretes, Batata, Duarte Melo, Inês Cóias, Rita Carolina Silva e Zé Couteiro, também contribuiu para que essas personagens reformuladas fossem facilmente acolhidas pelo público, com destaque para a Sigfrieda de Batata, que cativou a todos com sua personalidade irreverente e suas poucas, mas bem-colocadas referências à cultura pop e ao universo queer. É preciso ressaltar, contudo, que a curta duração da peça, de apenas uma hora, dificultou um melhor desenvolvimento da narrativa e das personagens. Ficou confuso, por exemplo, o desentendimento entre Rothbart e Siegfrieda e inúmeras vezes foi mencionada uma personagem a qual não aparecia na peça e cuja relevância para a história não foi bem esclarecida.

Intérprete Batata no papel de Siegfrieda. Foto: José Carlos Carvalho | CCB.

 

Tudo isto narrou-se em um cenário extremamente simples e eficiente, composto apenas por alguns degraus revestidos de material espelhado, que faziam as vezes de lago e de palácio. A maior parte da imersão do espectador na peça se dava pela iluminação, responsável não apenas pela tónica das cenas, mas também por criar divisões de tempo e espaço através de variações de cores.

Por fim, a peça encerrou-se com um número de dança, com todas as personagens juntas e um globo espelhado a iluminar todo o auditório.

O Lago dos Cisnes de Daniel Gorjão não foi uma simples adaptação do bailado para o teatro, foi muito mais. Ao dialogar com questões de identidade, controle e liberdade, a peça propôs ao público uma experiência estética e política, que provocou reflexão sem abrir mão da leveza e do humor.