segunda-feira, 27 de novembro de 2017

"Os Sons da Sombra de Bill Fontana, no MAAT."


Este Outono, na celebração do seu primeiro ano, dando continuidade a uma lista de aclamados artistas internacionais, o MAAT apresenta, “Shadow Soundings” (ou “Sons da Sombra”), do pioneiro da experimentação sonora artística, Bill Fontana, que consiste numa instalação imersiva audio-visual, recorrendo a sons e imagens, da icônica ponte 25 de Abril, em Lisboa, captadas e transmitidas em directo, através de cabos de fibra óptica, ao espaço principal do museu.
Esta instalação, foi apresentada ao público, pelo curador e director do museu Pedro Gadanho e o artista, no dia 3 de Outubro e estará patente, até 12 de Fevereiro, de 2018. Está aberto ao público todos os dias, das 11 às 19 horas, encerrando semanalmente, às terças-feiras.

A diferença entre uma composição musical e o ruído do quotidiano, pode parecer evidente, bem como que, uma sinfonia requer uma orquestra profissional, para a sua execução. Mas para o artista Bill Fontana, os sons que consideramos banais, têm um interesse estético e são o meio que utiliza, para criar as suas “esculturas sonoras”, tendo iniciado as suas experimentações com o som nos anos 60, depois de ter estudado com o compositor John Cage. 
Continuando a lógica de Duchamp, dos “objectos encontrados”, Fontana encontra sons, normalmente discretos, em espaços físicos que explora, para encontrar sonoridades características do mesmo, com a intenção de os transferir para o local em que são apresentados, por vezes, combinados com a transmissão em directo de vídeo, de pontos de vista inusitados, normalmente escondidos do público. O observador, sente-se desta forma transportado para os locais em questão.
Segundo o legendário escultor sonoro de São Francisco, já nos seus 70 anos, “todos os sons correspondem a uma imagem e vice-versa”. 

A Ponte 25 de Abril, foi aberta em 1966, estendendo-se por 2.3 Km, sendo um deles, suspenso por cabos, pelas suas duas torres, de 190 metros de altura. A ponte é constituída por dois tabuleiros sobrepostos, sendo o inferior destinado à via férrea do comboio, e o superior, com a sua característica faixa da grelha de metal, aos carros que por lá, diariamente entram e saem, da cidade de Lisboa. O artista trabalhou na criação desta instalação, especificamente para o MAAT, durante o período de um ano e meio, em que visitou várias vezes Lisboa, de forma a melhor “captar” a ponte.
O som da Ponte 25 de Abril, é já de fama internacional e uma característica familiar da identidade lisboeta, tendo sido amplificado e trabalhado em estúdio pelo artista, para realçar a sua musicalidade.

Fig.1

Ao entrarmos na sala oval do MAAT, reconhecemos um som que nos acompanha desde o exterior, de água a correr continuamente. Ao descer, para a zona central, somos confrontados com sete painéis de dimensões diferentes, suspensos “anti-gravíticamente”, ouvindo-se sons que se combinam, consoante o local em que nos encontramos.
Nos sete painéis, é possível observar projeções de video de ambos os lados, sendo duas delas, das águas do Rio Tejo e as restantes, de várias perspectivas sobre a Ponte 25 de Abril, que normalmente não são vistas pelo público. (A não ser, que sejamos praticantes de alguma modalidade desportiva, desafiante das leis de Newton e da sociedade.)
As imagens do rio, em conjunto com o seu som audível desde o exterior, evidenciam a intenção do artista, de transferir os locais que capta, para a nossa consciência e vice-versa.

Um dos painéis, em posição vertical, com as dimensões aproximadas, de 2,5 metros de largura e 5 de altura, apresenta um plano invertido do tabuleiro inferior, de ângulo picado sobre a linha ferroviária, observando-se o comboio que passa ocasionalmente e a sombra dos carros, que passam na famosa via, cuja base é uma grelha metálica. O som característico, produzido pela passagem constante dos veículos, preenche o espaço a partir de 34 monitores de som, que reproduzem os sons de 10 pontos da estrutura, misturados digitalmente, criando assim uma espacialidade sonora.
Outro painel de dimensões ligeiramente menores e orientação similar, suspenso no ar, mostra-nos um plano contra-picado do tabuleiro superior e da referida via metálica, com os vultos dos veículos que passam. Os restantes dois, de dimensões reduzidas em comparação, mostra-nos o corredor técnico entre os dois tabuleiros e uma repetição do plano picado sobre a via ferroviária, com uma orientação lateral. Em todos os painéis, são evidentes as sombras, que dão o título a esta obra, que produzem os elementos da composição sonora.

Resta-nos, a que na minha opinião, é a peça central desta instalação. Trata-se de um painel, talvez o maior dos sete, colocado em ângulo agudo relativo ao chão, onde assenta a sua base. O Painel apresenta um plano picado, dos 190 metros de altura, de uma das torres da estrutura da ponte, sobre a via de circulação do trânsito.
Por baixo do painel, estão uns (demasiado, se estivermos cansados), confortáveis “puffs” brancos, onde nos podemos e devemos deitar, a apreciar a perspectiva muito fora do comum, que o artista nos proporciona, numa qualidade impressionante, dada as dimensões da imagem, que tal como o que apresentam, são enormes. 

Fig.2

Em conjunto com a escultura sonora, que consiste em dois anéis concêntricos de monitores sonoros. Um deles, circula o núcleo da galeria oval e produz uma composição sonora, recorrendo aos sons transmitidos em directo, da oscilação do trânsito sobre a grelha metálica e a acelerómetros que captam a energia sonora, acumulada na tensão dos cabos de suspensão e que, por vezes, nos confunde os sentidos e nos transfere para a ponte. Ou vice-versa. 
O outro anel de monitores sonoros, percorre o espaço da rampa envolvente da sala oval, numa espacialidade sonora da água do rio Tejo em constante movimento, recorrendo a hidrofones, para transmitirem em directo o som submerso, do rio. Este som é também projectado para o exterior do edifício, através de monitores de som, instalados na sua fachada. 

Na conferência da abertura, desta exposição ao público, Fontana disse: 

“No mundo visual, ainda tenho uma curva de aprendizagem, que me entusiasma. Enquanto que o som, é “transparentemente” objectivo, visto que deixo muito para a imaginação do público, levando-os dessa forma, ao limiar da visão.
Por outro lado, se usar imagens em movimento captadas por mim, torna-se muito pessoal e subjectivo. Estou a introduzir a visão na audiência, fazendo-os ver o que escolhi ver. É intensamente auto-biográfico e mais pessoal que nunca.” (Bill Fontana, na inauguração da exposição do MAAT.)



O artista, conhecido por “captar o som das coisas”, convida-nos desta forma, a visitar esta instalação, que liga, literalmente, o espaço do MAAT, a um dos ícones mais reconhecíveis de Lisboa, permitindo-nos vê-lo e ouvi-lo de uma forma completamente nova e fora do habitual.

Fotografias (Fig.1-2) e texto por: André Rocha ©️ 2017, em MAAT: Bill Fontana (2017), Shadow Soundings 


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