sexta-feira, 24 de novembro de 2017

“Grada Kilomba - a artista que Portugal precisa ouvir”

Por Clara Cosentino

Em Novembro desse ano, a manchete de um grande veículo jornalístico português dizia em letras maiúsculas: “Grada Kilomba - a artista que Portugal precisa ouvir”. A frase, impactante a primeira vista, confirmava o que críticos de arte, curadores, filósofos e pensadores sobre temas contemporâneos já haviam percebido: havia finalmente chegado a hora de Portugal conhecer Grada e adentrar no tema da colonização e pós-colonização, a partir do ponto de vista dos que foram violentados, sem tabus, sem medos e a base da única ferramenta que possibilita a transformação: a comunicação e o conhecimento.

A artista portuguesa, nascida em Lisboa em 1968, e com passagem na Bienal de São Paulo, na Documenta e na Gulbenkian, saiu da sua cidade de origem após concluir o curso de Psicologia no Instituto Superior de Psicologia Aplicada. Lá, era a única afro-descendente a frequentar o seu curso. Com uma bolsa de estudos - fornecida pelo German Heinrich Böll Foundation, devido à excelência do seu trabalho com sobreviventes pós guerra de Angola e Moçambique - seguiu para Berlim, a fim de fazer seu Doutorado em Filosofia na Freie Universität Berlin.

Kilomba se interessou cada vez mais pela academia e seguiu lecionando na Humboldt Universitat. Lançou seu primeiro livro (Plantation Memories), escreveu para performances, estudou teatro e após alguns anos, começou a se cansar da obrigatoriedade da Academia de responder perguntas. Afinal o seu tema, a Pós-Colonização a partir da perspectiva de sua biografia, a fazia estar sempre no centro do debate, respondendo questões.

Gradualmente, Grada começou a levar sua obra para outro caminho: passou a propor trabalhos, levantar questões, colocar o seu posicionamento políticos de forma contestadora na arte contemporânea. Porque tantas línguas desapareceram para que o português pudesse “reinar” em tantos países? Como Portugal “descobriu” lugares que já eram antes de sua presença, habitados por milhares de nativos, com seus costumes e conhecimentos?   

Ainda estamos em negação. Desde o sistema educativo, em que se continua a perpetuar o mito do “bom colonizador”, essencial para alimentar uma certa biografia nacional, à crença romantizada de que Portugal não é um país racista. Nós falamos dos mares, dos ‘descobrimentos’, das naus com um romantismo tal, como se a história colonial e da escravatura, que aqui é completamente banalizada, fosse um encontro intercultural e não uma história de tortura, genocídio, desumanização, exploração patriarcal”, aponta a artista.

Através de seus “Performative Talks”, a artista evoca a tradição oral das culturas africanas a e com a fala, dá voz a essas narrativas silenciadas por tantos séculos, no intuito de recontar a história que foi negada e omitida. Valorizar os mitos, as religiões, as tradições e a cultura africana. No seu trabalho como escritora e artista, explora a transversalidade do seu trabalho, utilizando diferentes meios de expressão como videoinstalação, leituras, performances e palestras que criam uma obra cheia de questionamentos, fricções e novas possibilidades e relações entre texto e imagem, linguagem artística e também a acadêmica, grande parte de sua jornada.
Em sua exposição no MAAT, “Secrets to Tell”, ela expõe trabalhos em vídeo, instalações, e uma homenagem à Anastácia, uma africana escravizada em terras brasileiras, a qual biografia é difícil de ser decifrada até os dias de hoje. No trabalho “The Desire Project”, por exemplo, a valorização da palavra, tão presente nos trabalhos da artista, confronta o espectador em três telas, cada uma delas representando “Enquanto Escrevo”, “Enquanto Caminho” e “Enquanto Falo”. Nelas, os contrastes e privilégios presentes entre brancos e negros é contado pela visão da autora.

A exposição foi pensada a partir dessa videoinstalação, "The Desire Project", obra concebida para a 32.ª Bienal de São Paulo (2016), e também uma das mais recentes aquisições da Coleção de Arte da Fundação EDP, segundo o MAAT. Fato esse, que legitima ainda mais essa grande artista, que agora finalmente - em 2017 - Portugal tem a chance de conhecer, com todas suas nuances, trajetos, aberturas e contextos.


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