quarta-feira, 19 de outubro de 2022

 Modos de Ver, de John Berger

“As imagens foram ao princípio feitas para evocar as aparências de algo ausente. Aos poucos foi-se tornando evidente que uma imagem podia ultrapassar em duração aquilo que ela representava: mostrava, então, como uma coisa ou alguém havia antes se parecido - e assim, por implicação, como o assunto fora antes visto por outras pessoas.”


Este livro de John Berger - que é a transcrição de uma série documental do mesmo de 1972 - é uma compilação de ensaios textuais e ensaios ilustrados, desprovidos de texto, sobre a cultura visual da nossa sociedade ao longo do tempo. Aqui, o autor critica a maneira dominante como a arte é apreciada e a relação entre o que vemos e o significado que atribuímos.


No primeiro capítulo, Berger começa por apontar que ver e reconhecer vem antes das palavras, “o ato de ver estabelece o nosso lugar no mundo circundante”, mas essa maneira de ver é sempre influenciado por aquilo que sabemos e acreditamos. Dá o exemplo do simbolismo do fogo na atualidade e na Idade Média, quando acreditavam na existência física do Inferno. Diferencia o ato de olhar e de ver, explicando que nunca conseguimos olhar para uma coisa singular, mas quando escolhemos ver, estabelecemos uma relação entre nós próprios e o objeto.
Depois disto estabelecido, aborda o tema da imagem e da sua reprodução. Menciona que o artista observa antes de começar a pintar e, assim, a imagem produzida passa a ser a interpretação do mesmo. Quando consideramos essa imagem uma obra de arte, mistificamos a imagem. Quando mistificada, torna-se um privilégio que não é acessível a todos, privando grande parte da população de tirar as suas próprias conclusões. No entanto, a fotografia veio mudar isto. A reprodução da imagem mudou o significado que esta tem para nós, em relação ao significado que um quadro teria na altura renascentista. A singularidade de um quadro deixou de ser possível e, assim, deixou de ter o mesmo significado ou importância. Passamos a preocuparmos-nos com a raridade do objeto em vez do que com o que está representado. Aqui dá o exemplo do quadro Virgin On The Rocks de Leonardo Da Vinci. Uma das suas reproduções encontra-se no National Gallery e outra no Louvre. Ambas as instituições afirmam que têm o original e a sua maior preocupação é comprovarem-no, através de anos de pesquisa de historiadores. Tornando, o simbolismo do quadro insignificante e, o nosso primeiro pensamento quando o vemos, em questões de autenticidade.



(Esquerda: Louvre; direita: National Gallery)


Num outro capítulo, o foco principal é a nudez e a sua representação, principalmente em quadros a óleo europeus. Neste caso, fala sobre o que a sociedade espera de uma mulher em contraste com o que é esperado de um homem; e como essas diferenças de atitudes é representada, então, nos quadro a óleo. Começa este ensaio por explicar a diferença entre estar nu e a representação da nudez. Refere que a nudez é representada - dominantemente - pela mulher exposta como um objeto para o proveito do observador - maioritariamente, um homem. Aqui, o protagonista do quadro deixa de ser a mulher mas sim quem observa o mesmo. Ele mostra imagens de quadros onde comprava esta afirmação, onde a mulher que é representada está sempre virada e posicionada em favor do observador, sem qualquer interesse no que esta à sua volta. 


(Allegory of Time and Love - Bronzino, 1545)


Introduz a seguir, a presença da mulher para com os outro como para com ela mesma, - “A mulher deve, continuamente, estar atenta a ela mesma” -, e afirma que, na própria mulher, existe um lado de ‘inspetor’ e um lado de ‘observador’. Esta diferenciação, remete para o facto que a mulher tem de pensar sempre como as suas ações vão ser interpretadas antes de agir. 

“Se uma mulher atira um copo ao chão, este é um exemplo de como ela trata a sua própria emoção de raiva e, portanto, como ela deseja que seja tratada pelos outros. Se um homem faz o mesmo, esta ação é lida apenas com uma expressão da sua raiva.” 


Este dois exemplos são apenas uma amostra que John Berger fala neste pequeno livro. Uma leitura fascinante e provocativa que nos faz questionar realmente o que é a arte e a maneira com a visualizamos e interpretamos hoje em dia.



BERGER, J. (2008). Ways of Seeing. London: British Broadcasting Corporation. 

(Original work published 1972)

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