quarta-feira, 18 de novembro de 2020

Inside and outside. Inside is outside

INSIDE AND OUTSIDE. INSIDE IS OUTSIDE

O que se pode ver por uma janela? De dentro? É um dos objectos ou estruturas mais participativos e activos no nosso dia-a-dia, por todo o lado, na arquitectura que habitamos. É uma ponte de dentro para fora e de fora para dentro. É uma limitação ou uma possibilidade? Fecha-nos ou abre-nos? Separa-nos ou une-nos? Desde sempre que penso nestas questões e que observo muito as janelas - pensando no que podem ser, no que foram, no que serão; pensando no que me trazem e no que me levam... É uma via que nos encerra ou que nos desvenda? De qualquer maneira, ela não vive só - o contexto é por ela habitado e transformado- perto de uma janela: luz / sombras / exterior/ interior. Passagem e possibilidades do olhar, do caminhar com os olhos através de --


"The window, with its visual permeability and its ‘frontier effect’ is separation and union all at once. A relational surface such as the skin is."


Daniel Blaufuks concentrou um dos seus melhores livros e trabalhos na janela da sua cozinha e do espaço a ela adjacente. A mesa da sua cozinha, como emblema inabalável do quotidiano, de um quotidiano. Quis ver com todos os olhos todos os possíveis ângulos de luz e de vida, todos os clarões e rasgos que, de lá de fora, poderia a sua baça e velha janela trazer para dentro - entrando em fusão com os seus mais banais (e, por isso, tão significativos) objectos do dia-a-dia; integrando a sua cozinha, naquela mesa e naquele(s) dia(s). A importância da banalidade (irrepetível, mesmo assim) do espaço que habitamos, partindo das aparentes inalteráveis conjugações diárias para uma -afinal- ilimitada surpresa constante. O sol nasce, o sol põe-se, a chuva cai, o frio vem, a luz muda. E a janela acompanha tudo isso - e mais, ela filtra tudo isso. O que chega lá dentro, àquela cozinha, naquela casa, é a janela que traz. Mais escuro ou mais claro, mais alegre ou mais triste, a janela está ali firme para lhe desvendar a exterioridade que aparenta conseguir traduzir, enquanto lá dentro se vive uma interioridade e um silêncio refugiados do estrangeiro, em pleno lar. O dentro como escolha de pensamento e digestão, porque e enquanto o lá fora não pára.

"Cá dentro tudo parecia igual enquanto lá fora o mundo mudava, um amigo morria, um governo caía, um livro saía, uma guerra aniquilava, uma bomba explodia"

Olhar. Reparar. Ver.
Exercício de repetição. De insistência num lugar - para o poder realmente ver e/ou conhecer. Exercício de renascer com o fluxo constante e imparável do tempo...o tempo.
“...do que geralmente não se anota, do que não se nota, do que não tem importância, do que se passa quando não se passa nada, salvo o tempo….” Geroges Perec.

"Attempting to exhaust the endless variations of life in captured images, even in its slow pace and most nuanced manifestations, is an inexhaustible gesture, a never ending work progressing"
 

Só este exercício de continuidade nos pode trazer algo real do mundo que habitamos e das coisas que vivemos. A constante pressa e fugacidade com que existimos não nos deixa olhar as coisas uma e outra vez, incapacita-nos de as habitar realmente. Na verdade, acredito nesse exercício como a única maneira não cobarde de estar no mundo - acredito nele como acto de coragem com o que nos rodeia (uma coragem paciente e silenciosa), como consciencialização de que temos de estar à altura do que nos acontece - e nisso aprender a ver. Se calhar, ao Daniel Blaufuks aconteceu-lhe uma janela - e com ela o mundo.
Cada olhar, cada dia, cada momento, cada maneira de fotografar - como reveladores das infindáveis verdades de um mesmo lugar - visto e registado de maneiras diferentes.
"Aliás, cada fotografia traduz a realidade à sua maneira: ligeiras alterações de cor no digital, sobre-exposições de luz no diapositivo, cinzentos granulosos no preto e branco e fascinantes reações químicas no instantâneo. O próprio formato escolhido, ou a lente selecionada, o filme ou tratamento, representa cada um uma espécie de verdade diferente"
(...)
"A tentativa não passa de uma tentativa e a minha janela é tão inesgotável como o café de Perec. Nada mexe enquanto tudo mexe. As centenas de fotografias apenas retratam uma ínfima parcela de tempo dentro do tempo, um fragmento microscópico sem importância num fluxo constante."
 

São e continuarão sempre a ser tentativas de chegar a- , de compreender algo- e só a olhar, olhar, olhar, isso algum dia poderá ser possível (Se for. Por isso lhe chama e as chamo de tentativas).
"It is to look, and look, and look. And then look again. Because nothing replaces looking."
(Lucy Lippard)
 

Podem estas imagens de uma janela e de objectos do quotidiano, de silenciosas paisagens, de vislumbres do exterior, ser maneiras de descrever o acto de voltar o olhar para o ponto de vista, para o movimento e a visão do olho interior ao apreender o mundo e sua diferenciação infinita? Não sei ainda, mas a minha janela é tão inesgotável...

Attempting Exhaustion | Wrong Wrong Magazine

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