"The window, with its
visual permeability and its ‘frontier effect’ is separation and union
all at once. A relational surface such as the skin is."
Daniel
Blaufuks concentrou um dos seus melhores livros e trabalhos na janela da
sua cozinha e do espaço a ela adjacente. A mesa da sua cozinha, como
emblema inabalável do quotidiano, de um quotidiano. Quis ver com todos
os olhos todos os possíveis ângulos de luz e de vida, todos os clarões e
rasgos que, de lá de fora, poderia a sua baça e velha janela trazer
para dentro - entrando em fusão com os seus mais banais (e, por isso,
tão significativos) objectos do dia-a-dia; integrando a sua cozinha,
naquela mesa e naquele(s) dia(s). A importância da banalidade
(irrepetível, mesmo assim) do espaço que habitamos, partindo das
aparentes inalteráveis conjugações diárias para uma -afinal- ilimitada
surpresa constante. O sol nasce, o sol põe-se, a chuva cai, o frio vem, a
luz muda. E a janela acompanha tudo isso - e mais, ela filtra tudo
isso. O que chega lá dentro, àquela cozinha, naquela casa, é a janela
que traz. Mais escuro ou mais claro, mais alegre ou mais triste, a
janela está ali firme para lhe desvendar a exterioridade que aparenta
conseguir traduzir, enquanto lá dentro se vive uma interioridade e um
silêncio refugiados do estrangeiro, em pleno lar. O dentro como escolha
de pensamento e digestão, porque e enquanto o lá fora não pára.
"Cá
dentro tudo parecia igual enquanto lá fora o mundo mudava, um amigo
morria, um governo caía, um livro saía, uma guerra aniquilava, uma bomba
explodia"
Olhar. Reparar. Ver.
Exercício de repetição. De
insistência num lugar - para o poder realmente ver e/ou conhecer.
Exercício de renascer com o fluxo constante e imparável do tempo...o
tempo.
“...do que geralmente não se anota, do que não se nota, do
que não tem importância, do que se passa quando não se passa nada, salvo
o tempo….” Geroges Perec.
"Attempting to exhaust the endless
variations of life in captured images, even in its slow pace and most
nuanced manifestations, is an inexhaustible gesture, a never ending work
progressing"
Só este exercício de continuidade nos pode trazer algo
real do mundo que habitamos e das coisas que vivemos. A constante pressa
e fugacidade com que existimos não nos deixa olhar as coisas uma e
outra vez, incapacita-nos de as habitar realmente. Na verdade, acredito
nesse exercício como a única maneira não cobarde de estar no mundo -
acredito nele como acto de coragem com o que nos rodeia (uma coragem
paciente e silenciosa), como consciencialização de que temos de estar à
altura do que nos acontece - e nisso aprender a ver. Se calhar, ao
Daniel Blaufuks aconteceu-lhe uma janela - e com ela o mundo.
Cada
olhar, cada dia, cada momento, cada maneira de fotografar - como
reveladores das infindáveis verdades de um mesmo lugar - visto e
registado de maneiras diferentes.
"Aliás, cada fotografia traduz a
realidade à sua maneira: ligeiras alterações de cor no digital,
sobre-exposições de luz no diapositivo, cinzentos granulosos no preto e
branco e fascinantes reações químicas no instantâneo. O próprio formato
escolhido, ou a lente selecionada, o filme ou tratamento, representa
cada um uma espécie de verdade diferente"
(...)
"A tentativa não
passa de uma tentativa e a minha janela é tão inesgotável como o café de
Perec. Nada mexe enquanto tudo mexe. As centenas de fotografias apenas
retratam uma ínfima parcela de tempo dentro do tempo, um fragmento
microscópico sem importância num fluxo constante."
São e continuarão
sempre a ser tentativas de chegar a- , de compreender algo- e só a
olhar, olhar, olhar, isso algum dia poderá ser possível (Se for. Por
isso lhe chama e as chamo de tentativas).
"It is to look, and look, and look. And then look again. Because nothing replaces looking."
(Lucy Lippard)
Podem estas imagens de uma janela e de objectos do quotidiano, de silenciosas paisagens, de vislumbres do exterior, ser maneiras de descrever o acto de voltar o olhar para o ponto de vista, para o movimento e a visão do olho interior ao apreender o mundo e sua diferenciação infinita? Não sei ainda, mas a minha janela é tão inesgotável...
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