quarta-feira, 11 de novembro de 2020

Paisagem- Linguagem


Robert Smithson, quando alargou o seu trabalho e trespassou os espaços institucionais, descobriu possibilidades infinitas na paisagem. Na verdade, a arte- ou o trabalho da arte- não se coloca num lugar, ela é também esse lugar. E isso é algo infinitamente importante de explorar e de tentar compreender. Robert Smithson vai então para o Mundo. Nele encontra tempo e memória, liga tempo e memória, aborda tempo e memória, percorre tempo e memória -  em lugares distópicos e carregados de potencial. Foca-se na paisagem entrópica como motor infinito de descoberta e de possibilidades para viver, fazer, estar no mundo. Paremos aqui. Entropia. A entropia (do grego εντροπία, entropía), unidade [J/K] (joules por kelvin), é uma grandeza termodinâmica que mede o grau de liberdade molecular de um sistema, e está associado ao seu número de configurações (ou microestados), ou seja, de quantas maneiras as partículas se podem distribuir em níveis energéticos. Entropia também é geralmente associada a aleatoriedade, dispersão de matéria e energia, a desordem. São moléculas dessarumadas, irreversívelmente. Não se pode partir um ovo, estrelá-lo e depois "destrelá-lo" - os seus componentes já se desarrumaram, já se transformaram noutra coisa, já energizaram velozmente para outra forma. O artista consegue ver, por vezes em cenários deprimentes ou angustiantes, essa liberdade enorme. Explora a possibilidade desses lugares, que, como non-sites / não-lugares, existem. Ou foram projectados, pensados, sonhados - e são lugares de futuros abandonados e esperanças falhadas; ou foram acontecendo, surgiram na natureza, irromperam nascidos ali, por razões diversas, num cenário idílico-destruído que a modernidade pós-industrial deixou no rasto, a arder -vivo - mas desamparado e solitário. O artista vai lá ver, mas ver não só com os olhos- ver com os pés. Procura sentir a terra real que existe debaixo de si e perguntar: "O que se passou aqui?", "O que se pode fazer aqui, neste lugar,  tão vazio e tão cheio"?
Robert Smithson faz obras elaboradas na e a partir desta distopia urbana, nessa imortalidade fracassada e grandeza opressiva.
Na verdade, enraivecer-nos com o nosso tempo, desencontrar-nos com o que aconteceu, ou com o que nos deixaram para pegar e para ver, de pouco vale- não nos coloca no presente e, por isso mesmo, aliena-nos. O que importa é exactamente o contrário- esse processo de reconhecimento e incorporação do real, do qual podemos realizar um estabelecimento de novas relações com a paisagem e onde existe uma dialética entre o mundo físico e a linguagem. É na aceitação e redescoberta de tal realidade que se encontram as possibilidades da repotencialização estética da arte.
Ele procura, então, reinventar outras formas de estar no mundo e de olhar o mundo; outras formas de ver esses lugares, de passar por eles, de os viver, de os sentir - quem sabe de os transformar.
É uma arqueologia no vazio, são os depósitos de memórias do mundo.


"Em tal paisagem mais completamente humana na qual a natureza se encontra eclipsada pela cultura, o mundo é concebido como uma infinita rede de linguagem. Na paisagem-linguagem de Smithson "a uma pedra equivaleria uma palavra", articulando sintaxe de separação, rupturas, vazios. Aqui, a matéria impressa desempenha papel entrópico no qual mente e matéria se acham em fluxo constante de colisoes e producao de novos sentidos. Mapas, gráficos, textos, entre outros, assemelham se à definicao de Borges do universo, uma infinita biblioteca de Babel." 

 
A uma pedra equivaleria uma palavra- outro tipo de linguagem, mas linguagem mesmo assim. 

Como disse Raul Brandão "Acho tudo esplêndido, até as coisas vulgares :extraio ternura de uma pedra."
(Raul Brandão, prefácio do I volume das Memórias)
 

Temos sempre e para sempre de preparar o nosso olhar para acolher este tipo de linguagem.

Com as variadas intervenções de Smithson, na sua chamada Land Art, há uma total redefinição da escultura. Por contraste aos monumentos tradicionais, que evocam e simbolizam um passado, os monumentos entrópicos possibilitam outras formas de relação com o mundo e com o tempo.
 

"Identificar e adicionar temporalidade aos entulhos, à arquitectura local, enfim, aos elementos que compõem a paisagem suburbana, é uma estratégia para transformar esse cenário abstracto e caótico em espaço de experiência pessoal e, posteriormente, em espécie de caos organizado pela linguagem, permitindo manter os pólos de tensão da sua dialéctica."

Filipa Almeida
 

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