quarta-feira, 4 de novembro de 2020

 "La Culture de Poche"

   O prestígio e a aura que o livro sempre teve, ao longo da sua história, por ser o transmissor de todo o património fixado sob a forma escrita e, muito especialmente, de toda a cultura literária, sofreu um choque com a invenção do livro de bolso. Para muitos, essa novidade que foi introduzida em Inglaterra pela Penguin, em 1935, adulterava o espírito e a nobreza do livro, fazia dele um produto popularizado, mais próprio de uma cultura de massas do que da alta cultura, das elites. Esta maneira de ver o livro de bolso, desclassificando-o, originou violentas discussões e polémicas em França, em 1953. Ou seja, em França o livro de bolso só chegou 18 anos depois de ter entrado nas livrarias inglesas, através de uma colecção da editora Hachette. O principal responsável desta colecção, chamado Henri Filipacchi, inventou um slogan bastante sugestivo para promover o seu produto: “On ne peut pas vivre sans un livre dans sa poche”. Mas a França, e matéria de livros e cultura, sempre foi muito mais conservadora e cheia de cuidados com o seu património do que a Inglaterra. Por isso, esses livros de pequeno formato, com papel e acabamentos muito mais frágeis e precários (pelo menos inicialmente, hoje já não é tanto assim) suscitaram muitas reservas e contestações. Alguns autores de grande prestígio recusaram até editar os seus livros em versão “poche”. Foi o caso do poeta Henri Michaux e do romancista Julien Gracq. Onze anos depois, em 1964, o livro de bolso, em França, ainda não era um objecto pacífico e foi atacado por um grande historiador de arte, Hubert Damisch, num artigo na revista Mercure de France, com o título pejorativo “La culture de poche”. O principal argumento de Damisch era o de que o livro de “poche” fazia do livro um produto de consumo, obedecendo assim a uma lógica da sociedade de massa, e tratava o leitor como um mero consumidor. 

   Em Portugal, o livro de bolso foi introduzido pela Europa-América, mas nunca conseguiu tornar-se um produto comercial de grande circulação porque o mercado dos livros foi sempre bastante limitado. E as grandes transformações editoriais e do comércio dos livros nas últimas décadas quase reduziram o livro de bolso a um produto muito residual, quase inexistente. Isso acontece porque as tiragens têm diminuído drasticamente (muito embora a tendência tenha sido para um aumento enorme do número de novos títulos publicados por ano), e o livro de bolso só é rentável em grandes tiragens, e porque a estratégias dos editores para tornarem o seus livros bem visíveis nas bancas das livrarias consiste em aumentar o tamanho dos livros e ostentarem capas exuberantes e coloridas. Neste panorama, a sobriedade do livro de bolso não tem hipóteses de vingar.



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