segunda-feira, 2 de novembro de 2020

Da Narrativa Literária à Narrativa Plástica

 Durante o século XX pode perceber-se que houve um grande diálogo entre as artes visuais e a literatura, acompanhando a diluição de limites rígidos entre as diferentes linguagens e principalmente a quebra de fronteiras entre o texto e a imagem. Os artistas/designers consciencializaram-se da visualidade da escrita e da página, além de incorporar elementos gráficos e imagens nos seus trabalhos. Os artistas visuais retomaram a origem visual da escrita, utilizando elementos textuais em suas obras: grafismos, letras de diversos alfabetos, colagem de fragmentos de textos impressos etc., utilizando a escrita como elemento gráfico e/ou conceptual.

Esse processo de aproximação e diálogo entre a literatura e as artes visuais aconteceu de maneira recorrente e não linear durante todo o século, sendo verificada em diversas ramificações que realizaram e realizam várias conexões entre si, sem obedecerem a nenhuma hierarquia ou ordem.


Neste processo de resgate de vínculos entre a palavra e a imagem, tiveram grande importância experiências como as do poeta francês Stéphane Mallarmé, que passa a considerar a visualidade da letra e do branco do papel como elemento dos seus poemas. O trabalho  de Picasso e Braque, como os papiers collés que inauguram uma forte tendência da arte contemporânea, incorporando na obra artística materiais não artísticos, letras, fragmentos retirados de jornais, partituras musicais, papéis de parede etc., que foram utilizados em suas obras de modo que as partes se ajustassem ao todo.Ao mesmo tempo que esse movimento se ia manifestando, surgiram e desenvolveram-se várias tecnologias e mídia que nos levou à era tecnológica que vivemos hoje. Principalmente a partir dos anos sessenta, os meios de comunicação aumentaram sua penetração e difusão, passando a intervir em todas as instâncias da vida quotidiana, fazendo com que o convívio com imagens caminhasse rumo à saturação. Com isso houve uma crescente banalização da imagem e do texto. O mesmo acontece com as relações entre indivíduos e objetos, devido ao consumismo. Então, os artistas passaram a procurar maneiras novas de se relacionar com a arte e a escrita em experiências onde os materiais e suportes tradicionais foram sendo sucessivamente questionados ou naquelas onde houve apropriação dos novos meios e tecnologias como suporte e material para a arte.


A partir da aproximação entre literatura e artes plásticas, junto às realizações do modernismo e neovanguardistas, houve um amolecimento das fronteiras entre as categorias tradicionais de arte: pintura, escultura, fotografia, literatura, objeto, desenho, colagem etc. passaram a ter uma linguagem cada vez maior e a se fundir, abrindo espaço para experimentação e criação. Tornando possíveis obras que podem ser identificadas tanto como poema visual (uma categoria da literatura), como pop arte (uma categoria das artes plásticas), sem nenhuma incoerência.


No século XX, o branco da página entra como elemento da literatura, do mesmo modo que o desenho e signos da escrita entram como elemento da pintura, e é natural que, a partir de um certo momento, as obras também incorporem o ambiente, ganhem o espaço, incorporem significados, formas e temporalidades de suportes tridimensionais. É o caminho que chega ao livro-objeto, às instalações e às intervenções. A narrativa literária é substituída por uma narrativa plástica.




Sem comentários:

Enviar um comentário