Fonte: Fotos da autora tiradas no
dia da apresentação.
Georgina
Furtado Franca
Oeiras,
04/04/2023
A
Companhia Portuguesa de Bailado Contemporâneo apresentou-se em 1 e 2 de Abril
no Teatro Camões, em Lisboa, em celebração aos 25 anos da mesma, com quatro
números coreográficos de qualidade técnica incontestável. Fundada em 1997 por
Vasco Wellenkamp e Graça Barroso, a companhia mantém o seu estilo
diversificado, que atualmente sob a direção de Cláudia Sampaio, traz como
herança e missão uma linha estética que se atravessa entre o universo onírico e
aquele dos desenhos coreográficos dos corpos em movimento. Universo este, que
evoca pensamentos e sensações que nos fazem refletir sobre o nosso lugar no
mundo e sobre as múltiplas relações que podemos estabelecer uns com os outros. Como um reinventar constante desse encontro
inusitado, mas não menos empolgante, do real com o imaginário, das ações quotidianas
e do entrelaçar com as mais profundas substancias do nosso ser, da nossa mente
e da nossa alma.
Fonte: Fotos da autora tiradas do programa da apresentação.
O corpo passa a ser um instrumento sensível e de comunicação dos atores-bailarinos, que convida a nós da plateia a construirmos subjetividades dando vida a personagens que em sua grande maioria só existem em nossa imaginação, mas que ao mesmo tempo se comunica com personagens reais que podem estar nas ruas, no bairro, pessoas como nós, com suas dúvidas e anseios, seus desejos e sonhos, seus conflitos e superações, como numa teia da própria vida. Enquanto assistimos ao espetáculo vamos procurando também não nos perder, como quase uma busca pela construção de sentidos. Nada nos parece ou chega a nós como pronto, mas tudo está por vir. Alguns personagens históricos podem surgir como de súbito, de associações feitas até mesmo com partes do cenário, de adereços dos bailarinos-atores, nas vozes que ressoam de microfones ocultos, como se atravessassem de algum sítio, até mesmo das paredes.
Tudo se relaciona e ao mesmo tempo tudo se dissolve nesta teia de relações e bem como, os sentidos que nós, que assistimos, também construímos.
Fonte: Fotos da autora tiradas do programa da apresentação
Uma
arte democrática que lança como desafio à plateia a sensibilidade e
interpretação livre, a leitura das imagens em movimento. A dramaturgia é uma
constante busca por afirmação e vai nesse interim também se colocando em causa
como se abrissem espaços vazios no texto, para uma comunicação aberta. Somos
nós que nesse instante, o público, que do nosso olhar construímos a coreografia
e isso não seria possível se não existisse uma fluidez coreográfica de deixar espaços
vazios na escrita dos corpos em movimento. Vamos da plateia criando relações
com o que vemos e sentimos, preenchendo os espaços coreográficos com sensações
nossas e pensamentos que nos conduzem mais a perguntas do que respostas, como
se fizéssemos parte juntamente com os artistas de um mesmo processo criativo.
Fonte: Fotos da autora tiradas do programa da apresentação
O primeiro número
coreográfico, intitulado “Públic Domain”, coreografia de Ricardo Campos Freire, nos trás a
incomunicabilidade do mundo. O cenário formado por cadeiras dispostas ao palco
e televisões que nada informam. Estas apenas arranham com sons indecifráveis
essa incomunicabilidade. Com uma técnica esplendorosa, os bailarinos nos falam
através dos seus corpos sobre algo que de pronto não identificamos, o que nos
causa estranhamento e estupor, juntamente com o som irritante da televisão e
vozes que ecoam em inglês formando uma confusão de sons que aparenta comandar
as ações dos bailarinos. Torna-se difícil perceber o que se passa e o que nós
da plateia sentimos. Tudo se mistura e ficamos a nos perguntar: Por que tanto
sofrimento? A coreografia parece ter
sido feita para provocar, tirar da zona de conforto e nos fazer pensar, fazer-nos viver uma experiência sobre o que
sentimos daquilo que em si nem mesmo existe.
O segundo número
coreográfico, intitulado “almada E TUDO!”, coreografia de Maria Mira, dá vida no palco de
maneira jocosa ao Manifesto Anti-Dantas, de José de Almada Negreiros. O
Manifesto Anti-Dantas em 1913 foi uma contestação ao renomado crítico literário
Júlio Dantas que se opunha a “Revista Orpheu” lançada em época por Almada
Negreiros e seus contemporâneos, artistas vanguardistas, que por sua vez davam
a sua resposta às acirradas críticas que receberam por suas ideias e textos
irreverentes em prol do modernismo artístico e literários em Portugal. No palco
dois dos bailarinos personificam as adversidades de posições entre o academismo
literário e o Futurismo e os demais do elenco ilustram a repressão exercida à
divulgação dos novos valores.
O terceiro número coreográfico, intitulado “Prelúdio à Sesta de um Fauno ou O Labirinto do Desejo”, de Vasco Wellenkamp, nos sensibiliza ao encontro de dois corpos no palco que revelam a paixão e desejo dos personagens, o Fauno, meio homem e meio animal e a Ninfa personagem dos seus sonhos. A fluidez dos corpos e sintonia dos bailarinos em cena evoca a poesia do amor e nos faz imergir no envolvimento que nasce a cada gesto e expressão dos bailarinos.
O quarto número coreográfico, intitulado “S-Concerto”, é uma exuberante apresentação, que conjuga de forma harmoniosa a música e a dança em favorecimento a técnica dos bailarinos.
Ao fim do espetáculo de celebração dos 25 anos da Companhia sentimos que como expectadores, fizemos uma imersão no desconhecido, por sermos convidados a vivenciarmos através do nosso olhar uma experiência única através das variadas maneiras que nos foram oferecidas de interpretação. Uma forma diferenciada de contato com a obra artística, que nos permitiu através das nossas vivências e subjetividades, a construir do nosso olhar, das nossas sensações e emoções, a dança.
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