A importância de Tschichold para a tipografia e design de livro é enorme, é
de fato inescapável. Auto-consciente de sua importância e excelente polemista,
Tschichold representa bem uma certa postura alemã frente à industrialização e à
modernidade, isto é, dialética.
Nascido em Leipzig em 1902 e batizado Johannes Tzschichhold, era
proveniente das classes trabalhadoras, o pai foi pintor de letreiros e desde
cedo Tschichold interessou-se pelas artes dos livros e das letras.
Ingressou na Academia de Belas-Artes de Leipzig (hoje a Hochschule für
Grafik und Buchkunst Leipzig) e frequentou a classe de Hermann Delitsch. Trabalhou
com Walter Tiemann para a fundição de tipos Klingspor e também trabalhou no
contexto das feiras do livro de Leipzig (atual Leipziger Buchmesse).
Em seus anos de formação em Leipzig, Tschichold esteve imerso em um
contexto de tradição caligráfica, tipográfica e livreira. Apesar de ser um dos
maiores centros livreiros e fundidores de tipos na Europa, Leipzig estava a se
tornar antiquada.
Deste período há uma série de estudos caligráficos de Tschichold em letras
góticas em que explorou as variações ortográficas de seu nome: Johannes
Tzschichhold, Jan Tschichold, Iwan Tschichold e Ivan Tschichold, isto parece
indicativo de sua busca por identidade e origens. Apesar de seu nome ser
evidentemente de origem eslava, o Leste alemão há muito havia se germanizado, o
próprio nome Leipzig e muitos de seus bairros tem atestada origem eslava, mas
cujo significado real se desconhece.
Jan Tschichold, Exercícios de caligrafia, in Tschichold in Leipzig (BOSE, 2010).
Em 1923, após visitar uma das exposições da Bauhaus em Weimar e travar
contato com Moholy-Nagy, El Lissitzky e Kur Schwitters, Tschichold abraça
radicalmente as ideias da tipografia moderna e culmina por publicar a
tese/manifesto Die Neue Typographie em 1925. Tschichold foi um homem de ação e defendeu
a composição assimétrica, os eixos diagonais e os tipos sem serifa em artigos
para distintas associações de impressores e gráficos na Alemanha.
À convite de Paul Renner, mudou-se para Munique para dar aulas na
aula-magna em tipografia da Associação Tipográfica de Munique. Dez dias após
sua mudança, em 1933, acabou por ser preso junto de sua mulher por autoridades
nazistas e acabaram por exilar-se na Suíça, onde viveram até o fim de suas vidas.
Jan Tschichold, Die Frau ohne Name - Zweiter Teil (A mulher sem nome - Parte 2), 1927. Fotolitografia, 123.8 x 86.4 cm, Peter Stone Poster Fund.
Durante a ditadura nacional-socialista, suas obras foram retiradas de
circulação por serem consideradas degeneradas e bolchevistas. Curiosamente, já
nos anos 30, Tschichold iniciou um gradual afastamento dos ideias modernistas
que ardentemente havia defendido.
Entre 1947 e 1949, Tschichold morou
em Inglaterra à convite de Ruari McLean e supervisionou o redesenho da coleção
de paperbacks da Penguin Books, culminando em sua sistematização e criação do
Manual de Composição Penguin.
Jan Tschichold, design e sistematização dos livros da Penquin Books.
dir. estudo. esq. edição corrente.
Durante seus longos anos na Suíça, Tschichold continuou a exercer um grande
impacto. Desenvolveu sua família de tipos Sabon, um dos tipos serifados mais
aclamados da contemporaneidade, fundida em tipos de metal para composição
manual, Linotipo e Monotipo. Além disto, teve trabalhos expostos na Documenta
III de Kassel e recebeu em 1965 o Prêmio Gutenberg da cidade de Leipzig.
Talvez a maior das polémicas em que Tschichold se envolvera foi aquela contra
Max Bill. Em artigos para o boletim de design gráfico suíço Schweizer Graphische
Mitteilungen em 1946, a troca de farpas girou em torno da adequação (Bill) ou
inadequação (Tschichold) do ideário modernista para o design de livros e qual
das duas posições estéticas seria inerentemente fascista.
Após longeva e influente carreira, o legado de Tschichold está a ser
recuperado em sua cidade natal, após um período de certo esquecimento. Em 2017
o designer suíço Jost Hochuli montou a exposição Tschichol em São Galo por
ocasião do lançamento do livro homónimo.
Já em 2019, no âmbito das celebrações dos 100 anos da Bauhaus, uma placa
comemorativa foi erigida em uma das casas onde a família Tschichold viveu em
Leipzig. Já no Museu Alemão do Livro e da Escrita na Biblioteca Nacional Alemã
esteve em cartaz uma exposição comemorativa da obra de Tschichold em seus
variados aspectos.
Parte de sua obra foi doada por herdeiros a esta mesma instituição e está a
ser digitalizado, em um projeto que levará 18 meses e cujo orçamento é de
110.000 euros, ao cabo do qual estará disponível para consulta online.
O resgate da memória e obra de Tschichold em sua
cidade natal coroa a vida, obra e impacto de um autor que não teve medo de
defender suas ideias abertamente e de modifica-las frente à novas experiências,
fossem tradicionais ou modernas, ou melhor ainda, uma síntese destes polos.
Referências
J. Tschichold. Die neue Typographie. Ein Handbuch für zeitgemäß Schaffende. Verlag des
Bildungsverbandes der Deutschen Buchdrucker, Berlin, 1928.
J. Tschichold. The New Typography. New edition. University
of California Press, Berkeley, 2006.
J. Tschichol. The Form of the Book: Essays on the Morality of Good Design. Hartley and Marks, Washington, 1995.
C.W. De Jong (ed.). Jan Tschichold. Master Typographer. Thames &
Hudson, Londres, 2011.
G.K. Bose. Tschichold in Leipzig. Das Neue in der Typografie. Institut für Buchkunst, Leipzig, 2010.
J. Hochuli. Tschichold in St. Gallen. Wallstein Verlag, Göttingen, 2016.
C.
Burke e J. Hochuli. A treat for Tschichold aficionados in Eye Magazine, 2017.