sexta-feira, 16 de dezembro de 2022

Representação e Poder em "Uma Terra Sem Gente Para Gente Sem Terra".

 

Exposição ‘Uma Terra Sem Gente Para Gente Sem Terra’ (Galeria Inflight, Hobart, Austrália).

 

"Uma Terra Sem Gente Para Gente Sem Terra", intervenção artística de Nuno Coelho e Adam Kershaw, é apresentada pela primeira vez em Junho de 2007 na Galeria Fabrica Features em Lisboa (Portugal). Composta por cartazes gráficos interactivos sobre o conflito israelo-palestino, produz um discurso visual em torno das tensões sociais da vida quotidiana na região e com um olhar crítico e irónico, propõe uma nova abordagem de pensamento sobre o conflito, convidando os visitantes a colorir mapas e desenhos.

Algumas informações contidas nos cartazes são adaptadas à cidade ou país onde é apresentada, para facilitar a compreensão e o relacionamento com o público. Num dos cartazes é comparado o tamanho geográfico da Palestina com o do país onde a exposição é apresentada. A componente textual da exposição é traduzida para a língua do local onde é apresentada e pela natureza dos seus conteúdos, a exposição pode ser actualizada de acordo com novos dados sobre o tema.

Os desenhos foram criados através de gráficos vectoriais – podendo ser ampliados – o que permite os cartazes serem produzidos com dimensões adaptadas a qualquer espaço. Os cartazes são produzidos para cada nova apresentação, onde permanecem até ao encerramento.

 

 

Exposição ‘Uma Terra Sem Gente Para Gente Sem Terra’ (Galeria Inflight, Hobart, Austrália). Interação dos visitantes com os cartazes.


O livro homónimo é publicado em 2009, durante a Experimenta Design – Bienal de Lisboa. Inclui uma caixa de lápis de colorir[1] e contém versões actualizadas das imagens e textos da exposição, assim como novo material produzido especificamente para a publicação. São descritas as diferentes fases da sua produção e documentação, assim como o contexto político e de design através de textos dos autores. São ainda convidados colaboradores, de diferentes contextos profissionais e culturais, a responder ao formato e ao conteúdo da exposição de acordo com as suas próprias perspectivas.

Nuno Coelho tem a ideia de desenvolver este projecto um ano depois da sua viagem à Palestina, para onde partiu com o intuito de conhecer a realidade para além dos meios de comunicação. Ao ver um documentário na exposição “Sometimes Doing Something Poetic Can Become Political and Sometimes Doing Something Political Can Become Poetic”, do artista Francis Alÿs, em que este surge delineando a Linha Verde[2] com latas de tinta, toma consciência de que poderia partilhar as suas conclusões sobre a experiência na Palestina através de um objecto artístico.

O projecto é então desenvolvido com a participação de Adam Kershaw que o acompanhou na viagem à Palestina e ambos optam pela frase "Uma Terra Sem Gente Para Gente Sem Terra"[3] como título da exposição, por sentirem que, através da sua apropriação, permitiriam a sua utilização retórica.

O modo como os media, ao longo de mais de um século, têm feito a cobertura sobre o conflito na Palestina, quer pela forma como em determinados momentos tem sido produzida e transmitida, noutros aparentemente indiferente e ausente ou pelas lógicas de poder de que tem sido cúmplice, contribui para a construção de significados associados ao conflito que pairam entre região em constante e inevitável cenário de guerra e território em que é seu dever intervir consoante a agenda económica – dos interesses bélicos, energéticos, territoriais, etc.

Além das questões sobre a representação e o seu inerente poder, é interessante visitar os conceitos de linguagem e discurso. Uma vez que os Estudos Culturais consideram que ‘a nossa perspetiva da realidade’ se constrói e transforma de formas discursivas e não-discursivas, regulando os princípios que estabelecemos e tomamos como certos (como o desenho de territórios ou fronteiras), e se traduzem, de novo, em lógicas de poder que vamos perpetuando. Talvez por isso, o tipo de discurso aplicado na manutenção do território da Palestina, insista em recorrer a lógicas estereotipadas, ao procurar caracterizar diversos grupos de indivíduos em conflito, pretendendo constituir uma unidade de significado comum para identificar o todo.

A percepção de Nuno Coelho sobre a situação da região alterou-se completamente após a viagem aos territórios palestinos e a Israel:


“Aos meus olhos, o conflito não é tão grave do ponto de vista armado (ataques, bombas, tiroteios – praticamente as únicas notícias que chegam da região até nós), mas é tremendamente mais chocante em aspetos da vida quotidiana (falta de liberdade de movimento, recolher obrigatório, incursões militares, checkpoints, segregação da sociedade, etc.). Essas informações não chegam até nós por não serem suficientemente "midiáticas". Os pratos da balança estavam bem mais desequilibrados do que tinha percebido até então.”[4]


Apesar de quem produz imagem/mensagem, a partir do momento da sua difusão, não ter a possibilidade de garantir o significado que os diferentes públicos lhe vão atribuir, a forma como a constrói, mostra, encena e difunde, tal como os Estudos Culturais pretendem, pode fazer com que o público olhe e veja de forma crítica como a ‘verdade’ é moldada e a aceitamos sem pensar[5].

Essa sensação de absurdo é enfatizada, neste projecto, ao falar da actual situação social e política recorrendo ao imaginário e linguagem infantil. Apesar de haver um discurso global sobre a Palestina, poucas pessoas conseguem ver além das imagens e títulos chocantes gerados pelos media e compreender os princípios básicos do conflito. O discurso crítico e irónico expõe a situação, de forma descontraída, convidando as pessoas a colorir mapas e desenhos ao longo da exposição, mostrando como os resultados das suas diferentes intervenções e representações reflectem contextos de poder diversos. Encarando o design como acto de tradução (de informação textual para imagens), os autores facilitam a leitura e compreensão do assunto retratado.

A exposição funciona como uma campanha de sensibilização e promove o debate entre os que interagem com ela ao acrescentarem a sua opinião. Nesta interacção social existe uma lógica de poder implícita (como na relação de espaço individual/colectivo, lógicas de pertença, ou noção de propriedade e partilha). A importância do estímulo intelectual e a noção de que as ideias e ideais importam, de que vale a pena lutar por elas e por eles, reforçam a mensagem de que o que temos para dizer pode ter o poder de influenciar o mundo e recuperar o controlo dominado por imagens que estão para além do alcance democrático das pessoas.

 


 

 Livro ‘Uma Terra Sem Gente Para Gente Sem Terra – Um Livro de Colorir Sobre a Palestina’. Paginação, pormenor da caixa de lápis, capa e um dos mapas e questões apresentadas.


As reacções do público, nos países por onde a exposição já passou, têm sido muito diferentes, tanto ao nível das conversas nas inaugurações como nas intervenções deixadas nos cartazes. Em Berlim, onde houve maior contextualização do tema retratado, pelas várias menções ao Muro de Berlim e pela questão judaica, parece ter havido maior interacção do público. Em Hobart, na Austrália, ocorreu um debate sobre colonialismo e reconhecimento dos direitos da população indígena e autóctone. No Brasil houve debates sobre questões semelhantes.


“Para além disso, torna-se importante questionar se poderá um acto artístico conter em si imenso significado político sem assumir um determinado ponto de vista ou sem aspirar a ser transgressor, subversivo ou activista. Tal como a negação da Filosofia é já de si um acto filosófico, talvez a tentativa de mostrar um trabalho apolítico seja também ela detentora de uma forte posição política.”[6]


Os Estudos Culturais têm um compromisso fundamental com a avaliação ética da sociedade moderna e com uma linha radical de acção política. Com foco na relação entre cultura e significância, consideram que a cultura não é nem neutral, nem natural.

O mesmo parece acontecer neste projecto, em que o público não tem apenas uma atitude passiva perante a obra artística. A obra só fica completa depois da intervenção. E a exploração da interactividade, que aqui é feita com materiais "arcaicos", faz com que as pessoas se envolvam directamente com o assunto. O apelativo jogo de colorir de cada visitante vai revelando a posição que assume e os significados associados por si atribuídos. Cada uma dessas representações expõe, por sua vez, novas realidades desses pontos de vista, à medida que são percebidas pela perspectiva de cada um dos restantes visitantes enquanto algo a que atribuem novo significado.

Cada mapa, sendo uma representação baseada em princípios geográficos de uma região, é uma representação de poder, é uma perspectiva e um olhar particular, uma narrativa que, embora simbólica, tem uma capacidade de se manter e perpetuar.

A intervenção é assumida como parte integrante do projecto, apelando a um envolvimento activo do visitante no assunto retratado. Muito da informação de alguns cartazes só se consegue obter depois da intervenção e representa um discurso que, embora simbólico e por vezes involuntário, reflecte sempre uma lógica de poder, de acordo com o local e dimensão das manchas de cor.

 


[1] A exposição e o livro contam com o apoio da Viarco, a única fábrica de lápis em Portugal, que fornece os lápis de colorir necessários para a experiência.

[2] Fronteira internacionalmente reconhecida entre Israel e Palestina, mas que não existe na realidade.

[3] Slogan, atribuído ao movimento sionista, que se refere à Palestina como uma terra supostamente sem população nativa e aos judeus como um grupo étnico deslocado, espalhado por todo o mundo, sem território próprio.

[4] Designer gráfico traz ao Brasil exposição "Uma Terra Sem Gente Para Gente Sem Terra", Entrevista de Nuno Coelho ao Instituto da Cultura Árabe.

[5] Como disse Marshall McLuhan: “Não tenho a certeza de quem descobriu a água, mas certamente não foram os peixes”, por outras palavras: Quando estamos imersos nas imagens dos media, podemos vir a absorvemo-las sem pensar.

[6] Uma Terra Sem Gente Para Gente Sem Terra – Uma exposição interactiva sobre a Palestina de Nuno Coelho e Adam Kershaw.

quinta-feira, 15 de dezembro de 2022

“The Artist’s Reserved Rights Transfer and Sale Agreement”

Apesar dos esforços feitos pela Arte Conceitual, com o passar do tempo pode-se perceber que a proposta de descentralização dos espaços e acesso à arte apresentou-se mais na teoria do que na prática. Sobre este ponto, é preciso diferenciar a descentralização de uma possível democratização da arte, tópicos muito discutidos pelos artistas e críticos da época. Por mais que as experiências desses artistas e curadores buscassem ultrapassar os limites pré-estabelecidos do sistema de arte, ainda assim, pouco foi feito rumo à democratização de fato. 

Mesmo que o objetivo da democratização não tenha sido completamente alcançado, foi na busca por uma prática mais descentralizada que o trabalho de Seth Siegelaub desenvolveu certa notoriedade, principalmente por apresentar alternativas aos espaços institucionalizados pelos quais as obras de arte transitavam até então. Percebendo que as forças que atuam no sistema de arte são desiguais, e, dessa maneira, buscando criar uma situação de possível equilíbrio entre elas, Siegelaub deu início a uma de suas últimas atuações no mundo da arte: a criação do “The Artist’s Reserved Rights Transfer and Sale Agreement”, em parceria com o advogado Robert Projansky. 

Segundo o curador, com a desmaterialização da obra de arte e, consequentemente, com o alargamento das fronteiras do que poderia ser um espaço expositivo, uma quantidade maior de pessoas poderia ter acesso a esses trabalhos. Mesmo que isso não necessariamente significasse uma democratização da arte, Siegelaub afirmava que o tempo de reconhecimento de um artista era cada vez mais curto, em comparação aos artistas do início do século. Siegelaub também defendeu que esse reconhecimento da classe artística, de certa maneira, era responsável por uma deterioração da ideia de que o artista é um estrangeiro da própria sociedade. Isto é, através de uma desmistificação da atividade artística pode-se reconhecê-la e, então, valorizá-la como tal. Entretanto, o curador destacou que ainda se fazia necessário criar uma união entre os artistas, na qual eles pudessem cooperar entre si, e não competir entre si – como era tão comum, segundo suas observações. Como exemplo, ele cita a  ASCAP (American Society of  Composers, Authors, and Publishers): “onde um indivíduo pode compor uma música e ter uma relativa certeza de que, quando ela for tocada, ele receberá royalties por isso” (SIEGELAUB; NORVELL, 2001, tradução nossa).

Além da pesquisa em documentos pré-existentes, Siegelaub também se baseou nas respostas de um questionário que ele enviou para mais de quinhentas pessoas envolvidas no mundo da arte para a construção de seu contrato. A partir desses dados, Siegelaub e Projansky dividiram o documento nos seguintes sub-tópicos: “o que o contrato faz”, “quando usar o contrato”, “como usar o contrato”, “o marchand”, “os fatos da vida: você, o mundo da arte e o contrato”, “execução” e “resumo”. Todos esses tópicos, junto à uma capa e uma introdução escrita por Siegelaub foram diagramadas em um pôster dobrado em oito páginas, cujo verso continha o contrato em si. 

Os primeiros três tópicos traziam informações práticas referentes a utilização do contrato, principalmente o primeiro deles, que trazia os direitos cabidos ao artista e ao receptor da obra. Entre as suas cláusulas, pode-se destacar: pagamento de 15% sobre qualquer aumento posterior do valor de venda da obra, a notificação e participação ativa sobre qualquer situação de exposição da obra, todos os direitos de reprodução sobre a obra e o pagamento de metade de qualquer renda recebida pela exposição da obra, se houver. Em relação ao comprador da obra, o texto do contrato traz argumentações de que estas cláusulas garantem um bom relacionamento entre artista e colecionadores, um reconhecimento justo do trabalho de arte, além de uma certificação de que o proprietário está “usando a obra de acordo com as intenções do artista”. Ao longo dos quatro últimos tópicos, os autores do documento apresentam diversos argumentos que podem ser usados por pessoas relutantes ao contrato, e, principalmente, como se pode convencê-las do contrário. 

Sobre o uso efetivo desse contrato, é importante ressaltar que este permaneceu como um contrato social, visto que a legislação norte-americana já previa uma lei que protegia a obra de arte primeiramente como uma propriedade privada do comprador – o que já evidencia as dificuldades referentes à proteção dos direitos dos artistas nesse processo. Na ocasião de seu lançamento, foram impressas 5000 cópias (custeadas pela School of Visual Arts), que foram distribuídas à extensa lista de contatos de Siegelaub, bem como disponibilizadas gratuitamente em escolas de arte, cafés, bares, museus, galerias e espaços expositivos da cidade de Nova York. O contrato também foi publicado em mídias impressas internacionais, como as revistas Studio International (Londres), Domus (Milão), Museum Journal (Amsterdam), Data (Milão) entre outros meios. Na Documenta 5, realizada em 1972, o curador Harald Szeemann também incluiu o contrato no catálogo da exposição. Apesar da ampla divulgação do “The Artist’s Reserved Rights Transfer and Sale Agreement”, o uso do contrato ainda encontrou certa relutância por parte do sistema de arte, entre artistas e colecionadores. 

Por mais que a sua aplicação tenha sido recebida com relutância, é fundamental afastar as intenções do contrato de possíveis utopias. Mesmo que seu objetivo fosse criar um equilíbrio entre o artista e as forças econômicas envolvidas no sistema de arte, Siegelaub reconhecia que muitas das questões que perpassam esse objetivo eram estruturais ao sistema capitalista e, portanto, estavam fora de seu alcance de atuação. Na entrevista concedida à Hans Ulrich Obrist, ele examina retrospectivamente: 

"De maneira nenhuma foi intencionado a ser um ato radical, foi criado para ser uma solução prática (....) para uma série de problemas relacionados ao controle do artista sobre seu próprio trabalho; não sugeria uma negação ao objeto de arte, apenas propunha um jeito simples para que o artista tivesse mais domínio de seu trabalho uma vez que este deixasse seu estúdio. (...) Mas as questões socioeconômicas mais profundas do papel e função da arte como mecanismos de transformação da sociedade, a possibilidade de jeitos alternativos de se fazer arte ou de se apoiar a existência de um artista, todas essas questões importantes não foram endereçadas aqui. Como uma solução prática, o contrato não questionava os limites do capitalismo e da propriedade privada, ele só direcionava, em alguns aspectos, o poder à favor do artista uma vez que seu trabalho fosse vendido." (SIEGELAUB; OBRIST, 2010)







quarta-feira, 14 de dezembro de 2022

BENEFICIAL SHOCK! // uma revista de filmes e ilustração

 “ ‘Beneficial Shock!’ É uma revista anual para amantes de cinema e entusiastas de ilustração que defende o pensamento progressivo de criadores contemporâneos. A revista explora elementos e temas cruciais do cinema que, muitas vezes, são marginalizados ou esquecidos, fornecendo uma plataforma para a expressão individual e visa oferecer uma narrativa visual atemporal e corajosa para aqueles que desejam algo um pouco diferente.”



Esta revista de cinema foi fundada por Gabriel Solomons e Phil Wrigglesworth, ambos professores na Bristol School of Arts and Design. 

O primeiro lançamento foi em 2017. A forma de apresentação das publicações é bastante criativa tal como o conteúdo. A narrativa é bastante ousada e é completada por ilustrações. Coloridas e arrojadas. Em vez da clássica revista de cinema cheia de reviews e entrevista, esta revista, não convencional, pega em filmes e re-interpreta-os de forma humorística e relevante para falar sobre conteúdo relacionado com o cinema; conteúdo este, controverso, que eles tentam apagar o estigma à sua volta, usando sempre filmes como maneira de abordagem.


Por exemplo: a quinta edição tem o tema 'THE SECRETS AND LIES', foi lançada depois da quarentena de 2020. Nesta edição todas os artigos centram-se em mentiras e fraudes, teorias de conspiração e histórias de heróis; tudo isto através de uma interpretação diferente do habitual de filmes de Hollywood. 

Um dos artigos desta edição foi “Making Faces”, que explora o conceito de usar de máscaras - literais ou não -, como por exemplo para esconder a identidade ou em rituais religiosos em algumas culturas; pegando em filmes diversos onde explicam o porque da personagem usar máscara e o seu significado em relação ao enredo. Por exemplo, fala sobre o filme Clockwork Orange, e explica a máscara escolhida por Alex em torno da história e do seu desenvolvimento como personagem. Tal como este artigo a revista está repleta de teorias e historias sobre mentiras e ilusões. 




Esta revista foi uma maneira que os criadores e artistas encontraram para expor as suas críticas de maneira subtil, e até engraçada, através de filmes que muitos de nós adoramos.

Guerrilla Girls e o design ativista

O design ativista tem vindo a crescer nos últimos anos. Cada vez mais são os jovens que usam a sua arte para se exprimir e lutar pelos suas ideias. Diversas são as causas, tais como as alterações climáticas, a igualdade de género, a comunidade queer, entre outros…

Um dos grupos que maior reconhecimento obteve e mais trouxe o tema da igualdade de género para cima da mesa, foram as Guerrilla Girls. Com origem em Nova York, este é um grupo anónimo que veio revolucionar o mundo da arte. Os seus cartazes, já desde 1985, que chocam a sociedade lutando pelo reconhecimento do papel da mulher nas artes. Este coletivo feminista veio criticar os mais conceituados museus e diretores de arte pela falta de obras da autoria de mulheres nas suas exposições.




O design gráfico foi a área escolhida para a sua luta. Criam cartazes, outdoors e campanhas publicitárias com uma imagem que na atualidade já é reconhecido por todos. Apresentam sempre a mesma fonte tipográfica, a composição é composta por texto/informação que pode ser complementado de uma imagem, as cores utilizadas são maioritariamente o preto e branco, por vezes com a presença do amarelo vivo e do magenta, tudo isto apresentando uma estética enquadrada no design pós-moderno.



As Guerrilla Girls mantêm o seu anonimato através do uso de marcaras de gorilas e pseudónimos de artistas que já não estão entre nós. As mascaras em conjunto com as características gráficas criam a tão reconhecida imagem de marca deste grupo.
Apesar de acreditar que este grupo já é do conhecimento de todos, achei pertinente a partilha aqui no blog. Acho interessante olhar para estas lutas através do design e do seu contributo para as futuras gerações. Acho bom olharmos para os cartazes destas artistas e olhar para eles como algo mais que apenas um objeto ativista. São objetos de arte, são essencialmente objetos de design.



Acho que é essencial as novas gerações pensarem no design como um meio onde se podem expressar, onde podem dar e aprender a se conhecer. O design não é apenas uma reposta a um cliente, não é apenas um cartaz que vemos no metro. O design também pode e deve ser uma resposta ao mundo que nos rodeia.










MANUAL DE SOBREVIVÊNCIA PARA MAU S***



 MANUAL DE SOBREVIVÊNCIA PARA MAU S***





Para esta ultima publicação, decidi falar sobre o meu projeto que apresentei na aula, o "Manual de sobrevivência para Mau S***". Esta ideia nasceu de um trabalho que tive de realizar enquanto aluna de licenciatura na escola da ESAD, em Caldas da Rainha. Contudo e nesta disciplina de mestrado, tive a oportunidade de retirar este pequeno projeto da gaveta e dar-lhe toda a atenção que ele merecia.





A ideia foi desenvolver um manual, 21cm X 21cm, cómico e engraçado que fala sobre as peripécias do Sexo. Decidi criar textos humorísticos acompanhados por ilustrações divertidas que reforçam as ideias dos textos. Deste modo acabei por criar um livro, dividido por três capítulos principais, em que cada um dos capítulos, fala sobre três temas diferentes.



As ilustrações foram todas desenvolvidas no programa do Procreate e passadas, juntamente com os textos para o Afinity Publisher. Depois de impresso, o livro foi cozido com linha branca e foi criada uma pasta em papel vegetal com o texto "+18",


Foi acrescentado ainda um código de barras, una editora fictícia e claro dados humorísticos sobre a escritora, tudo para que este livro ficasse o mais realista possível, pronto para ser comercializado numa banca ou oferecido como prenda de Dia de São Valentim.









A humanidade de um livro e a doçura da sua história // Chivalry de Neil Gaiman e Colleen Doran



Chivalry é um livro de banda desenhada escrito por Neil Gaiman e desenhado por Colleen Doran, que conta a história de Mrs. Whitaker, uma senhora idosa do nosso contemporâneo, que encontra o Santo Graal numa loja de caridade e é visitada por Sir Galaad, cavaleiro da Távola Redonda.


A humanidade nas histórias de Gaiman não é novidade. Trata-se de um autor capaz de descrever os mais poderosos deuses, lendários heróis, criaturas celestes e demoníacas com tamanha compaixão, que por momentos nos esquecemos do poder icónico que essas figuras já tiveram no passado - a figura de Sir Galaad passa por esta humanização.


Aliás, nesta história parece que os papéis de figura fabulosa e de cidadão comum se invertem: pois a sabedoria e poder que Mrs. Whitaker tem sobre Galaad elevam-na do seu estatuto de cidadã sénior britânica para o de uma Circe bondosa que visita a amiga ao hospital e come torradas com queijo ao almoço; deixando ao cavaleiro lendário um papel de herói menor que ultrapassa os pequenos obstáculos quotidianos sem ser sequer a personagem principal.




Contudo, é a arte de Doran que dá a ver a humanidade desta história, e aquilo que me torna o livro tão querido. No entanto, apesar de as páginas serem desenhadas à mão; pintadas de tons claros, a aguarelas Daniel Smith, num caderno Strathmore 500; de incluir caligrafia e iluminuras incorporadas nos desenhos - aquilo que torna esta história tão doce transcende todo o processo manual.





Se assim fosse, podia-se saltar toda a história e dedicar o nosso tempo às notas finais e às imagens dos esboços de Doran, no fim do livro. Mesmo que seja sempre uma descoberta agradável, saber que se pode espreitar por detrás da cortina, não é isso a que me refiro.


Ainda que a casa de Mrs. Whitaker seja baseada numa casa existente, de o desenho da maioria das personagens ser baseado em pessoas reais próximas da artista - dois serviços de chá de Doran também têm uma aparência - o fator humano da história não é o seu realismo.


Para apanharmos um vislumbre desse je ne sais quois, é preciso abrandar o nosso olhar de modo a acompanhar o quotidiano de Mrs. Whitaker, aqueles pormenores da sua vida - aqueles que à primeira vista não são importantes para saber se a senhora sempre vai dar o Santo Graal ao pobre coitado do cavaleiro, ou não. É necessário ler a sua conversa com Mrs. Greenberg, pensar no quão apetitoso parece o seu bolo de groselha, apreciar o seu jardim e o seu humor. É preciso olhar para Galaad com os seus olhos e ver um moço simpático e bondoso que a ajuda a limpar o pó, deixa as crianças montar o seu cavalo, e que volta sempre com uma nova oferenda e o mesmo olhar maravilhado.





Resumidamente, hoje reli o livro para poder escrever este texto e posso afirmar que a doçura desta história põe-me sempre a sorrir quando acabo de ler - mesmo que tenha sido uma leitura rápida para tomar notas para este post.


ps: este post foi originalmente postado a 14 de dezembro de 2022, mas editado pela última vez a 20 de dezembro de 2022 para adicionar imagens do livro.


Aleksandra Mir: The Meaning of Flowers e How not to cookbook


Para a ultima publicação do blog, trago duas obras da mesma artista, Aleksandra Mir.

Aleksandra Mir, nascida em 1977, é uma artista sueca-americana. As suas obras abordam questões sociais e questões de género, bem como questões em torno de nacionalidade, globalização e outras questões de pertencimento. Mir é conhecida pelas suas instalações e seus projetos coletivos, e revela um portfólio vasto com inúmeras exposições onde explora diferentes meios artísticos, como a fotografia, o desenho, entre outros. 



The Meaning of Flowers (2006) por Aleksandra Mir 

The Meaning of Flowers trata-se de um projeto de impressões fotográficas,  produzido em Palermo em 2006.  A obra consiste em 40 motivos em papel A artista partiu da concepção comum que é normalmente impressa às flores e o seu significado semântico. Muitas vezes, associa-se à ideais idealizados e esperançosos, partindo daí Mir editou “the botanical code in a more socially relevant fashion.” Este novo significado atribuído às flores sugere uma leitura mais duvidosa, de traição, insegurança e reconciliação. Estes são elementos que, coincidentemente, flutuam em relacionamentos amorosos. 




Em Meaning of Flowers, a artista combina diferentes técnicas, como a letterpress, até mesmo a impressão de frutas e legumes como se tratasse de uma atividade infantil. No fim, Mir cria uma nova versão de um livro botânico. 

A capa faz alusão aos livros estilo “coffee table”, livros decorativos que mantêm a harmonia do espaço. As impressões de Aleksandra Mir trazem uma visão pessoal, com implicações de sentimentos complicados. 


 The how not to cookbook: Lessons learned the hard way (2009)


Aleksandra Mir também revela este lado humoroso nos seus registros e publicações. Um livro que chamou-me atenção para esta artista foi o intitulado The how not to cookbook: Lessons learned the hard way, publicado pela Collective Gallery em 2009. Esse trata-se de uma simbiose de um livro culinário, ou um non-cookbook como é descrito, e um projeto artistico, onde a artista reúne uma série de erros realizados dentro da cozinha. De carácter humorístico, Mir baseou-se no seu próprio histórico culinário desastroso. Nesta publicação, a artista convidou mais de 1000 voluntários para narrar e descrever atos culinários e o que de fato não se deve fazer na cozinha. Aleksandra Mir se interessa aqui em compreender como nos ensinamos a nós próprios através de erros e acertos, acreditando que essa partilha de falhas possa ser compreendida como uma forma subversiva de arte, fugindo então de resultados repetitivos. 



5/ When making mashed wild strawberry and brown sugar sweet sauce for your vanilla ice cream, do not leave the small pan on the stove and walk away. When boiling, the sugar turns into caramel very quickly and when the sauce bubbles up all over on the stove it is not only a mess to clean up, but an absolute heartbreak.”


14/ When you have totally lost control over a dish, don't keep adding ingredients to cover up your mistake. Take a pause and then start over calm. If there are no more ingredients to use, order in.


Ainda, é interessante notar que este projeto foi produzido de forma extremamente limitada, pois a artista intencionou em criar uma obra de arte, onde o livro funcionou como uma obra exibida. As poucas cópias ainda assim podem ser adquiridas em lojas específicas.

Este livro torna-se assim mais difícil de encontrar disponível, ou até mesmo de encontrar mais informação sobre.


Mais sobre:

https://www.aleksandramir.info/projects/the-meaning-of-flowers/

https://www.aleksandramir.info/projects/the-how-not-to-cookbook/

Poema - 1979 - Lenora de Barros

 



Lenora de Barros (São Paulo,1953) produziu o trabalho "Poema", uma série de seis fotos preto e branco, com diferentes inserções da língua da própria artista numa máquina de escrever.
Realizado no ano de 1979, em plena ditadura militar, a artista busca do mesmo modo como muitos artistas contemporâneos da época, agir contracultura e usar o corpo como linguagem e suporte. 
Sem distinção entre palavra e imagem, a artista explora nesta série, os diferentes significados da palavra "língua" - um estudo da linguagem.
A língua, o corpo apresentados em caráter orgânico e inorgânico e concepção imaterial da linguagem.

Revista tipográfica: FUSE



 Quantas letras cabem numa disquete? Para muitos desta nova geração esta palavra pode soar estranha mas para Brody, Spiekermann e Wozencroft vender uma revista com fontes que podem ser descarregadas numa disquete foi uma decisão lógica para o virar da década de 90 onde a tipografia sofria uma das maiores viragens na sua forma e estilo após os tempos da imprensa de Gutenberg, a transição para o digital que permitiu uma aproximação radical à linguagem tipográfica e o seu entendimento formal e estilístico e foi o maior propulsor do movimento pós-modernista e anti-modernista.

É em 1991 que Neville Brody, Erik Spiekermann e Jon Wozencroft lançam a primeira edição da revista FUSE, composta por tipografias experimentais criadas especificamente para cada edição, posters e ensaios tudo dentro de uma caixa de cartão. Cada uma destas edições tinha um tema e participantes convidados pelos editores. Alguns dos nomes mais famosos e influentes da indústria como Malcom Garret, Jeffrey Keedy, Peter Saville, David Carson e muitos outros constam na lista de contribuidores para a Fuse e marcam uma época de vanguarda e experimentalismo para o design gráfico e tipografia cuja influência ainda é perpetuada nos dias de hoje com muitos dos posters e tipografias resistindo à passagem do tempo e mantendo uma certa contemporaneidade.

A revista, agora fora de impressão, conta com uma existência de 20 anos, 18 edições e uma edição comemorativa publicada pela taschen. Para os amantes de tipografia, a FUSE é uma ode ao experimentalismo da tipografia digital, muitas vezes à beira da ilegibilidade, com um formato interativo que fazia do leitor não só um agente passivo mas um participante ativo no processo de design tipográfico.

Novas formas de ver e criar exigiam também novas linguagens visuais e novas formas de reprodução e FUSE veio criar um espaço de liberdade onde estas fronteiras pudessem ser ultrapassadas e as normas e tradições tipográficas desrespeitadas. Apesar de criticada na sua altura por vários críticos de design, entre os quais Steven Heller, o seu objetivo era promover inovação, como Wozencroft diz na primeira edição “abuso faz parte do processo”.






LINKS

https://www.wired.com/1994/07/fuse/

https://www.typotheque.com/articles/10_issues_of_fuse

https://www.printmag.com/design-books/the-fuse-box-faces-of-a-typographic-revolution/

https://www.nytimes.com/2012/06/01/books/review/clint-eastwood-posters-bob-dylan-paintings-and-more.html?searchResultPosition=61

https://www.designweek.co.uk/issues/december-2011/brodys-fuse-back-catalogue-to-be-republished/

terça-feira, 13 de dezembro de 2022

Os Contos Mais Arrepiantes de Howard Philips Lovecraft

 

Capa dura, da edição da Saída de Emergência 

Howard Phillips Lovecraft é considerado o expoente máximo da literatura de horror do início do século XX, mas nem sempre o foi. Lovecraft passou por dificuldades, muito por conta da sua dedicação à literatura, que pouco mais conseguiu, à época, do que ocasionais espaços em revistas e imprensa pulp fiction. Lovecraft foi um pioneiro no que diz respeito a misturar ficção científica com terror, e o seu trabalho é considerado único e inimitável no que diz respeito à dimensão e ao pormenor. Na edição de Luís Corte Real, o fundador das Edições "Saída de Emergência" que participou ainda no design de capa, arte e editorial, "Os Contos Mais Arrepiantes" de Howard Phillips Lovecraft é uma homenagem mais do que digna àquele que foi um artista incomparável, não obstante, a sua morte precoce, aos 46 anos.

De facto, Lovecraft era um mestre naquilo que escrevia. É como se o terror dos nossos dias precisasse ser gritado para nos assustar, enquanto Lovecraft simplesmente sussurra o medo. E sussurrar, com toda a certeza, tem muito mais efeito.

Não é como o terror que estamos habituados a ver nas telas de Cinema ou a ler nos grandes lançamentos da atualidade. Não é um livro que se lê depressa, tanto pelo tamanho como pela forma como os contos podem mexer connosco.

Entrada do Índice 

Entrada do Conto O Intruso

Os pormenores desta edição, então, são a cereja no topo do bolo. A começar pelo trabalho da capa dura, complexa de detalhes incríveis e bem elaborados, onde, no fundo, roxo assentam inscrições em prateado a que não faltam caveiras e tentáculos de criaturas marinhas -, pode ser vista como uma súmula da obra Lovecraftiana, reunindo 22 dos seus contos mais arrepiantes. A acompanhar uma paginação exemplar, com todo o ar de livro de uma época que não nos passou pelos dedos, cada um dos 22 contos – há pérolas como «O Intruso» ou «Herbert West, o Reanimador» – é ilustrado por um artista nacional, com nomes como Filipe Andrade, Ricardo Cabral, Bárbara Lopes, Joana Simão, Joana Afonso ou Miguel Mendonça a recriarem a negro o imaginário dos contos de Lovecraft, responsável maior pela literatura de horror ter deixado de ser só sobre vampiros, fantasmas e bruxas – e por deixar influências e inspirado autores modernos como Neil Gaiman, Alan Moore ou Guillermo del Toro.

Este livro é uma prova de que, apesar de ter falecido há mais de 80 anos, Lovecraft continua a viver através da sua obra. É um trabalho perfeito para quem se deixa levar pelas palavras e quem quer mergulhar na mestria de um dos maiores escritores de horror de sempre.


Ilustração de Miguel Mendonça, do Conto O Modelo de Pickman

Ilustração de Carlos Fernandes, do Conto O que Sussurra nas Trevas