sábado, 4 de dezembro de 2021
Reconstruindo O Crime do Padre Amaro
quinta-feira, 2 de dezembro de 2021
O vazio na pintura oriental
Quando questionando sobre o vazio, rapidamente se formula uma ideia da sua definição. Sabemos que o vazio é o contrário de cheio, que é um termo desprovido e representa a ausência de conteúdo. Mas, para encontrá-lo, é preciso compreender o imaterial. O vazio é, agora, o desconhecido, o que o olhar não alcança, um tipo de silêncio, o que foi esquecido. É o desapego do material e, por isso, a consciência da verdade. Materializar este espaço negativo é atribuir sentido ao invisível.
No Taoismo, alcançar o vazio denota um estado de placidez e silêncio — considerado “o espelho do universo” e da “mente pura”. Lao Tzu, em Tao Te Ching (obra influente da filosofia espiritual chinesa), relaciona o vazio com o “Tao, Criador e Sustentador de tudo no universo”. Diz ser “o estado mental do discípulo Taoista que segue o Tao”, que esvaziou a mente de “todos os desejos e ideias não enquadradas no movimento de Tao”. Por outras palavras, integra um caminho ontológico, evolutivo e transformador, compreendido por dois termos antagónicos — a presença e a ausência. O primeiro, refere-se ao universo empírico e em constante transformação. O segundo, ao vazio de onde a presença parece emergir.
A pintura chinesa é uma manifestação dos princípios Taoistas, que moldaram a mente dos intelectuais ao longo dos séculos. De facto, a paisagem chinesa destaca-se pela abundância do vazio (ou, na cultura ocidental, o espaço negativo), que descreve a ausência, enquanto que os restantes elementos se tornam visíveis num reino material, ou quase desaparecem, de volta no vazio. Na Cascata, de Wang Wei (701-761), o vazio toma a forma do céu e do rio. Mais tarde, o pensamento extende-se ao nevoeiro, nuvens e lagos, revelando o fundo, em branco, de seda ou papel.
Cascata, Wang Wei (701-761), Dinastia Tang. |
Apesar de um espaço livre, o vazio aquire significado e demonstra ser, afinal, repleto em conteúdo. Lao Tzu, em Tao Te Ching reflete sobre esta ideia no capítulo onze.
Thirty spokes will converge / In the hub of a wheel; / But the use of the cart / Will depend on the part / Of the hub that is void. / With a wall all around / A clay bowl is molded; / But the use of the bowl / Will depend on the part / Of the bowl that is void. / Cut out windows and doors / In the house as you build; / But the use of the house / Will depend on the space / In the walls that is void. / So advantage is had / From whatever is there; / But usefulness rises / From whatever is not.
Tradução para inglês de Raymond Blackney, 1955.
Yohaku no bi — conceito de influência Taoista, por meio da pintura de paisagem chinesa — define a beleza do vazio na arte japonesa, em que a ausência seria central durante o processo criativo. A noção de potencial infinito num espaço vazio relaciona-se, por outro lado, com o Budismo Zen. Kū (o vazio) e mu (a não-existência) refletem-se na obra do século XVI, Pinheiros, de Hasegawa Tōhaku. A pintura promove, tal como o Zen, a cultivação da mente e do espírito. Nela, testemunha-se a atmosfera meditativa e a serenidade presente em algumas pinturas anteriores, destacando-se o artista chinês Muqi (no fim da Dinastia Song).
Hasegawa Tōhaku, Pinheiros, Período Azuchi-Momoyama, séc. XVI tardio, Museu Nacional de Tóquio, Tóquio, Japão. |
Zen Masters (s.d). Muqi Fachang. Retirado em novembro 19, 2021 de https://terebess.hu/zen/mesterek/MuqiFachang.html
E-Flux (2012). Título em itálico. Retirado em novembro 19, 2021 de https://www.e-flux.com/announcements/34066/invisible-art-about-the-unseen/
Drawing (2018). Absence, emptiness and the void. Retirado em novembro 19, 2021 de http://fineartdrawinglca.blogspot.com/2018/09/absence-emptiness-and-void.html
eGreenWay (s.d). Tao Te Ching. Chapter 11. Retirado em novembro 19, 2021 de ttps://www.egreenway.com/taoism/ttclz11.htm
Art in America (2018). The Tao of Painting. Retirado em novembro 19, 2021 de https://www.artnews.com/art-in-america/features/the-tao-of-painting-63566/
quarta-feira, 1 de dezembro de 2021
Silêncio, experiência inexistente
Pensar sobre a velocidade a que vivemos atualmente, o impacto que a mesma tem na consciência do Eu e sobre a nossa identidade, é manifestamente diferente de a viver. Por um lado, há um reconhecer do caos, pensar sobre, racionalizando-o. Por outro, é precisamente o contrário. O caos, mesmo quando reconhecido, é-nos tão próximo que parece que nos envolve ou num abraço asfixiante, ou numa seda apática. Falo, claro, de um ponto vista geral. Só recentemente a minha vida – passo a expressão, entre muitas aspas – “ganhou” esta aceleração vertiginosa sobre a qual tenho vindo a pensar. A experiência sensorial que envolve o fenómeno é, sem qualquer dúvida, mais intensa no que toca ao som/audição. O som, ao contrário da imagem, que, por norma, consiste numa representação de algo, é uma propagação de onda. A característica física do som interage com o ser humano diretamente, revelando, por vezes, ser uma experiência impactante e intensa: o som é recebido por nós através de vibrações que são processadas e compreendidas neurologicamente.
Em A Transformação[1] de Franz Kafka, a
descrição que o autor tão bem faz por palavras, descrevendo os pensamentos,
monólogos e diálogos, permitiu-me também construir a dimensão sonora de toda
aflição, stress e confusão. Conseguimos ouvir o tom com que Samsa se interroga,
a preocupação da irmã e dos pais. Os passos, o ranger das madeiras. Mas também
conseguimos ouvir o ruído do comboio, a pressa, e, acima de tudo, ouvir os sons
da solidão, da impotência, do absurdo, da frustração, da burocracia, da
opressão e da desumanização. De toda a pressa para chegar ao trabalho, uma
pressa absurda que pesava mais que qualquer transformação anómala, destruidora
do seu bem-estar.
Mas o fenómeno que hoje me apetece abordar, é precisamente o
contrário: o que é que podemos ouvir quando há ausência de som?
Tinnitus[2]
É a percepção do som de um apito agudo que podemos ouvir quando
não há nada à nossa volta que produza som. Hoje, 1 em cada 7 pessoas pelo mundo
inteiro experiencia este fenómeno.
Marc Fagelson explica: Quando ouvimos algum som, as ondas
sonoras chegam a várias partes do nosso ouvido, criando vibrações que deslocam
os fluidos da cóclea – localizada no ouvido interno e responsável pela função
auditiva. Se as vibrações forem suficientes, provocam uma resposta química que
as transforma em sinais bio-elétricos. Estes impulsos nervosos são
retransmitidos através da via auditiva até ao cérebro, resultando nos sons que
percepcionamos. No entanto, na maioria dos casos de tinnitus, os sinais
nervosos que produzem estes sons misteriosos não atravessam o nosso ouvido. São
gerados internamente, pelo próprio sistema nervoso central. Normalmente, estes
sinais auto produzidos são uma parte essencial da audição. Todos os mamíferos
demonstram atividade neural constante a partir das suas vias auditivas. Quando não
existe som, esta atividade estabelece na sua base um código neural para o
silêncio. Quando um som surge, esta atividade muda, permitindo ao cérebro que
distinga o silêncio do som. Mas a saúde do sistema auditivo pode afetar este
sinal de segundo plano. Sons altos, doenças, toxinas e até o envelhecimento
podem danificar as células da cóclea. Algumas destas células conseguem
regenerar numa questão de horas. Mas se morrerem células suficientes, ao longo
do tempo ou de uma vez, o sistema auditivo torna-se menos sensível. Com menos
celulas a retransmitir informação, o som que chega gera sinais nervosos mais
fracos. E alguns sons ambiente podem ser perdidos completamente. Para
compensar, o nosso cérebro dedica-se a monitorar a via auditiva, mudando a
atividade neural enquanto procura sintonizar-se para adquirir um sinal mais
claro. Aumentar esta atividade neurológica de segundo plano, pretende
ajudar-nos a aumentar o processamento de “inputs” auditivos mais fracos. Mas
também pode mudar a base da atividade neural para o silêncio de tal forma, que
a ausência de som não soa nunca mais como o silêncio. Não é necessariamente uma
coisa má, pois não possui consequências negativas. Mas em casos especificos,
episódios de tinnitus podem gatilhar memórias traumáticas para algumas
pessoas ou sentimentos negativos, que aumentam a intrusividade dos sons. Este loop
psicológico leva, muitas vezes, a uma “bothersome tinnitus”, que pode
potenciar os sintomas de PTSD, insónias, ansiedade e depressão. Não há nenhuma
cura para isto, o melhor a fazer é compreender o fenómeno e desenvolver
associações neutras a estes sons perturbadores. A tinnitus revela que o cérebro
se encontra numa análise constante ao que nos rodeia, mesmo falhando ao filtrar
o seu próprio som interno.
Perder o som do silêncio parece sufocante numa vida veloz.
Perder o som do silêncio é meio caminho feito para a dissociação da
personalidade de um indíviduo. Mas perder o som do silêncio é também uma porta
para um novo auto-conhecimento.
[1] Também conhecido
como “A Metamorfose”
[2] “What’s ringing in your ears?”
– Marc Fagelson: https://www.youtube.com/watch?v=TnsCsR2wDdk
À deriva
Os primeiros
argumentos sobre a psicogeografia e a deriva surgiram na revista Potlatch. Foi
publicada pela Internacional Letrista, a grande sucessora da Internacional
Situacionista. Longe de terem um terem um caracter cientifico, a deriva e a
psicogeografia eram elaboradas em busca do reconhecimento crítico, com
fundamento teórico da realidade e da maneira de concretização da vida no dia a
dias nas cidades. Foi uma das grandes ações teórico práticas dos letristas e
situacionistas na época. Definida por eles como o estudo dos efeitos do meio
geográfico, conscientemente planeado ou não, que age diretamente sobre a
atitude afetiva das pessoas. Assim, ao pôr à prova o planeamento realizado
pelos funcionalistas, a psicogeografia era um meio pelo qual se identificava a
impossibilidade de terem uma vida apaixonante, revelando a desproporção entre a
função, o desejo e o lúdico. Numa altura em que se procurava no planeamento
resolver os problemas da vida na cidade, os letristas (como também depois os
situacionistas) percorriam a cidade, à procura a de se apropriarem dela,
expondo os problemas de planear e as suas exigências, que os impossibilita de
viver.
Guy Debord, escritor
marxista francês e um dos pensadores da Internacional Situacionista e da
Internacional Letrista. Iniciou a sua associação à Internacional Letrista no
ano de 1950, sendo acompanhado por Isidore Isou. Os letristas estavam a tentar
fundir a poesia com a música e estavam interessados em modificar a paisagem
urbana. Em 1953, foi elaborado o mapa psicogeográfico de Paris, que consiste
num passeio à deriva pela cidade.
Os
letristas e situacionistas, num conjunto de propostas teórico praticas,
entendiam que a relação da cidade e do quotidiano era algo de grande
importância para o projeto de transformação total da vida e do mundo. Neste
sentido, a deriva foi uma grande aposta, pois proporcionava a possibilidade de
realizar o trabalho qualitativo do tempo no meio urbano de um modo divertido e,
simultaneamente, identificar todo o processo de planeamento capitalista no
espaço, principalmente nos meios urbanos.
Raoul Vaneigem um
escritor belga conhecido pelo seu livro “The Revolution of Everyday Life”*, e um dos principais articuladores do movimento político e artístico
conhecido com internacional situacionista durante a década de 1960.
Vaneigem
e Debord foram os dois principais escritores do movimento Situacionista. Debord
foi o pensador mais disciplinado, mas apesar disso, foram os slogans do Raoul
Vaneigem que chegaram frequentemente às grandes paredes de Paris durantes as
revoltas de Maio de 1968.
A
contemplação do movimento tem sido promovida por críticas de que Vaneigem era
um progenitor do punk. É surpreendente descobrir que nunca houve uma publicação
norte-americana apropriada de uns dois textos mais influentes do movimento, o
livro “The Revolution of Everyday Life”. A obra de Vaneigem de 1967 forma uma
contrapartida de a obra de Debord “The Society of the Spectacle” publicada no
mesmo ano. Ambas abordam uma revolução com base na plena execução do potencial
criativo do individuo em que o tédio se torna uma questão politica.
Após a
revolução, a poesia deixou de ser entendida como uma forma literária e passou a
ser vista como uma vida criativa, espontânea e quase infantil, que mais tarde
se iria fundir com a vida quotidiana, sendo assim uma expressão autentica da "experiência
não mediada da subjetividade".
*The Revolution of Everyday Life (1967) |
ASA NISI MASA
Foi com grande interesse que na última aula ouvi o professor João Queiróz abordar o filme 8 1/2 do Fellini, ao aproveitar a famosa expressão, aparentemente enigmática ou non sense, "Asa Nisi Masa", para nos fazer um pedido especial, a propósito dos nossos trabalhos sobre o Livro de Artista. "Peço-vos a vossa a-ni-ma, a vossa alma!", disse-nos, aludindo simultaneamente ao carácter leve e puro da mesma.
Este pedido insólito, mas intenso, persistiu na minha mente para além dos limites temporais da aula, e tem-me levado ao questionamento recorrente sobre como "amplificar e simplificar" este exercício que me tenho vindo a propor realizar - o de transpor um documento sonoro para o formato livro (de artista). Como ser "fulgurante" através de um objeto? Como pôr o máximo de intensidade no mínimo de elementos? Como expressar o todo pela parte? Como elaborar uma síntese e deixar o acessório de fora? E como fazê-lo de forma leve, mas com grande entrega e alma? Por outras palavras, como transcender a minha psyche, como diria o Yung? Ou ainda, como conciliar o mundo material/científico com o mundo imaterial/sagrado a partir deste trabalho?
Alma leva-me ao conceito de aura, que Walter Benjamim desenvolve não só no seu famoso e muito citado texto "A Obra de Arte na Era da sua Reprodutibilidade Técnica", como também no seu ensaio "Pequena História da Fotografia", de 1931. Aura, para este autor, é "uma figura singular, composta de elementos espaciais e temporais: a aparição única de uma coisa distante por mais perto que ela esteja." Originalidade, autenticidade e unicidade são princípios a que deve responder uma obra de arte e que estão englobados pelo conceito de Aura, através do seu estatuto "aqui e agora" (hic et nunc). A aura de uma obra de arte estaria também relacionada com seu carácter sagrado, ao ter um valor de culto. De facto, dois dos aspectos fundamentais de um livro de artista são a sua unicidade por um lado, ou seja, o objeto original é o autêntico e único, não se prevendo à partida a sua reprodução em múltiplos, e a sua alma por outro, ou seja, a sua capacidade de conter algo de transcendental e místico, de intangível. São estes dois aspectos que podem fazer elevar o livro de artista à categoria de obra de arte e de estar mais próximo da possibilidade de ter uma aura.
Augustine Berque, no seu livro "Thinking through Landscape", especula que no Ocidente a separação entre o mundo físico e o mundo mitológico começa a dar-se já na Escola de Mileto, na Grécia clássica, tendo esta cisão sido intensificada pela Revolução Científica e pelo Iluminismo, no séc XVII, altura em que se instituiu o classic modern western paradigm:
"With the Milesian school (Thales, Anaximander, Anaximenes. . .) in the sixth century bc, for the first time in the history of the world, Ionian thought separated natural phenomena from mythology and began to think phusis, in the sense of what gradually gives rise to the “science of nature”: physics. The separation from myth is decisive. Without it, the modern scientific revolution would not have occurred. As Asano Yuichi has shown, it is precisely because the separation remained incomplete in China, where a kind of “nature” thought appeared at the same time as in Ionia, that modern physics could not emerge there. Both the Dao and the Tian retained some divine characteristic, derived from their religious origins, which is the reason why they were never separated from the moral and political realm. Neither Heaven (Tian), nor the “from itself thus” (ziran) belonging to the Way (Dao) became “nature” in the sense of modern physics. This neutral object, established in Europe in the seventeenth century as the classic modern western paradigm (henceforth CMWP), was elaborated by Bacon, Galileo, Descartes, Newton, and several others after the Copernican revolution."
Esta divisão radical entre o "mundo natural" e o "mundo mitológico" em duas partes totalmente irreconciliáveis - o material/científico e o sagrado/espiritual, e que vivemos ainda mais intensamente na contemporaneidade, remete-me para a necessidade de enraizamento como possível movimento de resistência. Suscita-me ideias sobre a noção de permanência, de integração e de envolvimento.
Arnold Berleant, no seu texto "The Aesthetics of Art and Nature", propõe a meu ver uma solução para este problema da separação de mundos, quando põe em causa a estrutura convencional da estética clássica, contrariando até a fundamentação que lhe foi dada por Kant: a estética da visualidade contemporânea deve ser substituída pela estética da envolvência, ou seja, recusa a separação entre sujeito e objeto e defende a tese de que o homem como ser total habita a natureza que o envolve, transforma-a e é transformado por ela. Da continuidade entre o humano e o natural decorre a necessidade de uma estética do comprometimento (engagment), uma continuidade ontológica de imersão, integração e responsabilidade.
Em suma, para este projeto do livro de artista, é meu desejo torná-lo simultaneamente um objeto depurado mas intenso, sistematizado mas intuitivo, racional mas sensível. É este o meu compromisso e desafio. Ambiciono também, tal como o próprio podcast Árvores sem Raízes (de Eduardo Costa Pinto), contribuir para enraizar um pouco mais o homem sem raízes contemporâneo tanto no espaço que habita como na comunidade que o acolhe, integrando todas as suas diferentes dimensões (e da sua paisagem): racionais e emocionais, materiais e espirituais.
Bibliografia:
BENJAMIN, Walter, "A Obra de Arte na Era da sua Reprodutibilidade Técnica - 3ª versão" in "A Modernidade", Assírio & Alvim, 2017
BERQUE, Augustine, "Thinking Through Landscape", (3ª edição), Routledge, 2013
SERRÃO, Adriana Veríssimo (coord.), "Arnold Berleant", in: "Filosofia da Paisagem, Uma Antologia", Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa, 2011
O surrealismo sutil de Jan Buchczik e Marion Fayolle
Em setembro de 2017, tive a oportunidade de conhecer a New York Art Book Fair, um dos maiores eventos do mundo sobre publicações independentes.
Promovido pela Printed Matter, com o apoio do MoMA (esta edição em questão aconteceu no MoMA PS1, instituição dedicada exclusivamente à arte contemporânea localizada no bairro do Queens), a edição da NYABF daquele ano contou com a participação de mais de 370 expositores, entre artistas, editoras independentes, colecionadores, livreiros, zineiros e instituições, vindos de 28 países. O público foi estimado em mais de 40.000 visitantes ao longo dos três dias de evento.
Entre os diversos estandes e mesas, conheci o trabalho do ilustrador e artista alemão Jan Buchczik, através da sua primeira zine Of Coursica, uma publicação de tamanho A5 com 32 páginas, impresso em 4 cores, em risografia, e publicado pela Tan and Loose Press (atual Caboose Press).
Jan conta que a ideia desta publicação é explorar paisagens e situações que aparecem na mente de alguém com jet-lag, quando o mundo parece estranho.
Algumas imagens tencionam os limites da relação entre o que é possível-mas-estranho e o absurdo-e-surreal: uma cegonha arremessando uma bola de basquete pelo cesto; uma grande onda saindo de uma banheira; flamingos dentro de copos de drinks... situações não completamente psicodélicas e surreais, mas que só apareceriam numa mente em seu estado menos pleno, afetada por alguma coisa, como o jet-lag e a estafa.
Os traços de Jan têm qualquer coisa de infantil, seja pela soma da simplicidade dos traços com as cores usadas (as três cores primárias que aprendemos no jardim da infância) ou pela imaginação fértil de uma criança, que também poderia facilmente imaginar ou vislumbrar as cenas acima, ao se deparar com esses objetos e cenários cotidianos.
Além de Of Coursica, o ilustrador já publicou outras duas zines, Floris e The One and The Many, que levam para um caminho ainda mais surreal, bizarro mas também fofo e delicado. Na primeira, flores de variados formatos brotam de todos os lugares da cabeça. Já na segunda, o corpo se distorce, retorce, aumenta e diminui para fazer alusão a situações comuns, mas que se tornam imagens surreais.
Essas características se aproximam do trabalho da ilustradora francesa Marion Fayolle: com um traço aparentemente infantil e simples, fazendo uso do lápis de cor e de cores suaves, mas para abordar de forma cômica e absurda as relações humanas, espaciais e eróticas.
Em seu livro Marotices (Les Coquins, no original em francês), Marion subverte todos os tipos de relações sexuais, transformando os órgãos e partes do corpo em coisas absurdas, tal qual a lesma e o pé de alface que aparece na capa, os seios que se transformam em balões, e o foguete-pênis em direção à bunda-lua, estabelecendo novas metáforas para o ato sexual em si.
O corpo (e não o sexo) é o tema central de seu trabalho. Em ilustrações para outros livros, cabeças flutuam no lugar de balões, um homem se dilui e vira um poço onde uma mulher mergulha, mães viram bóias para seus filhos... O corpo pode virar objeto, lugar e paisagem. O corpo pode transformar-se em suporte de objetos, ferramentas e utilidades diversas, que vão muito além do que o corpo real é capaz de performar.
Na obra dos dois jovens artistas (ambos são nascidos em 1988), as personagens parecem se alterar devido à exposição a essas diversas situações e interações, afetando-se diretamente por conta delas e somatizando as tensões em seu próprio corpo ou na visão. Estas ilustrações evidenciam o quanto podemos ser sensíveis e quantos cenários surreais podemos formar nas nossas cabeças a partir das nossas experiências.
https://www.itsnicethat.com/articles/jan-buchczik-illustration-world-mental-health-day-10
https://deusmelivro.com/critica/marotices-marion-fayolle-29-7-2015/#.YaeOBvHP0Wo
Comportamento vicioso e redes sociais
Penelope Umbrico: Suns from Sunsets from Flickr
541,795 Suns from Sunsets from Flickr (Partial) 1/23/06, 2006 Detail of 2000 machine c-prints, each 4 x 6 in |
3,221,717 Suns from Sunsets from Flickr (Partial) 03/31/08, 2010 2,024 chromogenic machine prints Each 4 x 6 in Installation view at New York Photo Festival, New York, 2008 |
“Embora a intenção de fotografar um pôr do sol possa ser capturar algo efêmero ou afirmar um ponto de vista subjetivo individual - o resultado é exatamente o oposto - por meio da tecnologia de nossas câmeras comuns, experimentamos o poder de milhões de visualizações sinóticas, todas compartilhando a da mesma forma, no mesmo momento. Reivindicar a autoria individual ao fotografar um pôr do sol é se desvincular dessa prática coletiva e, portanto, negar uma grande parte do motivo pelo qual capturar um pôr do sol é tão irresistível em primeiro lugar.” (UMBRICO, 2009)
28,534,323 Suns from Sunsets from Flickr (Partial) 08/03/15, 2015 2,360 chromogenic machine prints Each 4 x 6 in Installation view at Perez Art Museum, Miami, 2015 |
http://penelopeumbrico.net/index.php/project/suns-from-sunsets-from-flickr/
https://www.flickr.com/search/?text=sunset
Liberdade de "Opressão" na Comunidade LGBTQIAP+
Liberdade de expressão é um conceito que prevê a oportunidade de uma ou mais pessoas expressarem as suas ideias sem medo de represálias. O termo refere-se à livre manifestação de diferentes vozes, não importando se concordam, divergem em alguns pontos ou discordam umas das outras, a respeito de qualquer tema ou indivíduo. Obviamente, ter liberdade para mostrar, publicar ou difundir os pensamentos não significa que isso possa ser feito sem respeitar alguns limites. A presença da liberdade de expressão na lei é uma conquista da população mundial, porque apoia os direitos fundamentais da humanidade. Mas até que ponto toda essa liberdade é uma realidade? Para viver bem em sociedade, é essencial estar atento a declarações que possam, por exemplo, ofender as escolhas, origens e o estilo de vida de outros indivíduos.
A liberdade de expressão protege simultaneamente os direitos daqueles que desejam expor as suas opiniões ou sentimentos e os do público em geral. Quando se proíbe uma manifestação qualquer, viola-se tanto a liberdade dos que são impedidos de exprimir as suas ideias, como também os direitos dos integrantes do público, que são privados do contacto com pontos de vista que poderiam ser importantes para que formassem livremente as suas próprias opiniões.
Opressão é o ato de oprimir, sufocar, seja uma pessoa, uma atitude, uma comunidade. Opressão também pode ser o uso da violência para demonstrar autoridade. A opressão faz com que as pessoas se sintam reprimidas, humilhadas, onde não conseguem fazer o que precisam ou têm vontade, porque estão a ser alvos de opressão.
Opressão social é quando uma pessoa é alvo da crueldade e humilhação por parte de uma sociedade ou um determinado grupo. Um exemplo de opressão social é o racismo e qualquer tipo de preconceito de cor da pele, religião, sexo, e etc.
A opressão social faz com que os cidadãos se sintam “esmagados”, sufocados, não conseguem ser eles mesmos, e muitas vezes vêem-se obrigados a agir de uma maneira que não é normal para ele.
O Dia Internacional Contra a Homofobia e a Transfobia é celebrado no dia 17 de maio desde quando, nesta mesma data, há 31 anos a Organização Mundial da Saúde (OMS) retirava a homossexualidade da Classificação Internacional de Doenças. Mesmo três décadas depois desse marco histórico, a discriminação ou preconceito nutridos contra lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais, intersexuais, assexuais e mais orientações sexuais e/ou de identidades de género que existam (LGBTQIAP+) ainda opera da mesma forma de antes. O cenário de permanência de atitudes LGBTfobóbicas e o número de pessoas vítimas do preconceito reafirmam a necessidade do trabalho em conjunto entre os diversos agentes da sociedade e a luta por direitos, pela diversidade sexual, contra a violência e o preconceito. E se fosse contigo? E se fosses privado de gostar de alguém ou de simplesmente não poder ser quem realmente és livremente? Isto pode ser visto como uma afronta perante a liberdade individual. Porém, no mundo todo, muitas pessoas enfrentam dificuldades, desigualdades e discriminação justamente por esses motivos, por causa das suas orientações sexuais e identidades de género. É por isso que hoje os direitos LGBTQIAP+ são reconhecidos como parte dos direitos humanos, visando a proteção e a garantia da dignidade para todas as pessoas da comunidade LGBTQIAP+.
- As letras da sigla LGBTQIAP+ fazem referência à todas as pessoas lésbicas, gays, bissexuais, transgéneros (transexuais e travestis), queers, intersexuais, assexuais e panssexuais. Já o símbolo “+” faz referência a todas as outras variações de géneros e sexualidades, visto que as possibilidades de identificação e expressão de género e orientação sexual não são restringidas às 9 hipóteses levantadas pelas letras da sigla. Esta sigla passou por várias modificações com o tempo, justamente para englobar e incluir cada vez mais pessoas que possuem determinada identidade de género e orientação sexual.
De maneira simples e objetiva, os direitos LGBTQIAP+ são um conjunto de regras e normas que integram os direitos humanos, visando a proteção de toda a população LGBTQIAP+. Desta forma, esses direitos procuram garantir todos os direitos fundamentais dessa população, como igualdade, justiça e liberdade, a partir do reconhecimento de valores e princípios como a dignidade da pessoa humana. Porém, o reconhecimento desses direitos é recente. Por longos anos a comunidade LGBTQIAP+ não só foi negligenciada pelos Estados na garantia dos seus direitos fundamentais, como também foi excluída da sociedade civil, sofrendo todas as formas de discriminação, opressão e preconceitos. Sendo, muitas vezes, alvos de atos violentos e crimes. Como no caso da violenta ação policial contra pessoas LGBTQIAP+ em Nova York, em 1969, que desencadeou uma rebelião. O episódio ficou conhecido como a Revolta de Stonewall e fez com que a exigência e o reconhecimento dos direitos LGBT+ no mundo ganhasse força.
Dessa forma, esses direitos são fruto de uma reivindicação política que destaca não só a necessidade de proteção de grupos vistos como minoria devido às suas identidades de género. Mas também da necessidade da descriminalização de atos sexuais entre pessoas do mesmo sexo. Isso porque, mesmo com o reconhecimento dos direitos LGBTQIAP+ como direitos humanos por parte da Organização das Nações Unidas (ONU), em muitos países a homossexualidade ainda é considerada ilegal.
terça-feira, 30 de novembro de 2021
El Río/The River: A collaboration
KINDERBUCH e BILDERBUCH de Dieter Roth
┃"Does it have to have text?"
- Dieter Roth
Dieter Roth
"Um dos artistas mais influentes do período pós-Segunda Guerra Mundial, Dieter Roth nasceu em Hanover, Alemanha, em 1930, filho de mãe alemã e pai suíço, e morreu em Basel, Suíça, em 1998. Dieter Roth era um artista de imensa diversidade e amplitude, produzindo livros, gráficos, desenhos, pinturas, esculturas, montagens, instalações, obras de áudio e mídia envolvendo slides, gravações sonoras, filme e vídeo. Também trabalhou como compositor, poeta, escritor e músico. Frequentemente colaborou com outros artistas, subvertendo o princípio da autoria. Esses artistas incluíam figuras significativas como Richard Hamilton, Emmett Williams, Arnulf Rainer e Hermann Nitsch. Mas foi a colaboração longa e simbiótica de Roth com seu filho, o artista Björn Roth, que permanece como um testemunho da enorme e duradoura potência do seu processo inquieto e implacável."
Hauser & Wirth
KINDERBUCH
Contribuiu para uma nova conceção do livro, quabrando as suas barreiras e elevando-o a um objeto de arte. É um livro não narrativo, não linear.
Através da intenção de atrair as sensibilidades infantis, Roth criou uma obra que dá liberdade ao leitor de navegar pelo livro de forma despreocupada e desconectada de uma lógica ou fio condutor. Sendo que não tem uma narrativa linear, esta pode ser criada de qualquer forma e apartir de qualquer página. Existe, então, uma vertente interativa com o objeto, na medida em que o leitor vai construindo a sua composição, tendo a oportunidade de ser o autor da sua própria narrativa. Assim, cada página dá valor à que a precede ou sucede, não funcionando individualmente. "É um processo de orientação e perceção ao longo das páginas", por isso, "O livro providencia um espaço onde estas formas e cores se tornam ativas, onde interagem e crescem. A performance é temporal, aparentemente musical". À medida que o leitor avança no livro as composições tornam-se mais complexas, as formas crescem e decrescem criando um ritmo visual percursivo.
BILDERBUCH
Seguindo a mesma lógica minimalista, Bilder Buch é construído por 20 páginas multicolores onde são cortadas formas quadradas que se vão sobrepondo criando cores e composições diferentes. "It stages a poetic optical performance, the ray of superimposed shapes and colors delivers a caleidoscopic display".
Assim, o livro segue uma lógica bidirecional sendo que pode ser lido do "início" para o "fim" ou do "fim" para o "início", não estando a reler nem a repetir a primeira experiência de narrativa. Cada viagem tem uma rota diferente. O autor não tem controlo sobre o leitor. O livro comporta-se como uma performance onde elementos físicos se encontram, criam uma harmonia visual mas depois divergem, tudo criado pelo leitor.
Fontes:
https://westportlibrary.libguides.com/artistbooks
https://www.youtube.com/watch?v=_XVe5hd81IU&t=455s
https://www.hauserwirth.com/artists/2823-dieter-roth