domingo, 12 de outubro de 2025

"I don't give a seat" e as Moquettes Disseminadas pelo Mundo

Diariamente, milhões de pessoas utilizam os transportes públicos, seja a caminho do trabalho, em momentos de lazer ou durante as férias. Este ato, ancorado nas nossas rotinas, esconde um conjunto de pormenores que frequentemente passam despercebidos. Entre eles destaca-se talvez um dos elementos mais emblemáticos, históricos e, consequentemente, mais negligenciados do design: os assentos, ou melhor, os moquettes.

O termo francês moquette, refere-se a um tecido denso e resistente, tradicionalmente fabricado com lã, utilizado no revestimento dos assentos dos meios de transporte, como metros, autocarros, comboios, barcos e aviões. Em Londres, no início do século XX, desenvolveram-se as moquettes com o intuito de resistir ao desgaste do quotidiano, disfarçando as manchas e sujidade. Contudo, o seu valor ultrapassa o carácter  meramente funcional e tornando-se elementos centrais no design têxtil e na ornamentação das carruagens. Os seus diversos e complexos padrões, refletem a cultura e a história de cada época, atuando como camadas de tempo que testemunham décadas de deslocações urbanas.




Foi neste contexto, que em 2014, Julien Potart, criou uma conta de instagram @idontgiveaseat, que hoje já conta com mais de 145 mil seguidores. O projeto nasceu da vontade de devolver o protagonismo a estas superfícies tantas vezes ignoradas e resignificá-las não como meros assentos, mas como expressões de arte e design. O projeto reúne registos fotográficos das variadas moquettes disseminadas pelo mundo, revelando não só o padrão e a cor, mas também fragmentos de uma identidade cultural e memória urbana de cada país. Mais do que um simples arquivo visual, o projeto questiona o nosso olhar perante o design que nos rodeia, transformando o que à partida é banal num objeto de contemplação, reforçando que a arte não existe apenas nos museus e galerias, mas nos detalhes utilitários que moldam o nosso quotidiano.

A ironia presente no nome “I don’t give a seat”, contrasta com a atenção meticulosa que o projeto presta a cada detalhe. Ou melhor, o contraste revela uma crítica subtil à indiferença contemporânea perante o design público. O gesto de documentar torna-se, assim, numa forma de resistência à ignorância do olhar: um exercício de desaceleração num mundo que raramente pára para observar.

Históricamente, os moquettes apresentavam padrões geométricos e cores escuras, como o castanho, azul, verde e azul escuro, concebidos para dissimular a sujidade em tempos em que a higiene era escassa. A partir da década de 1920, os designers foram instruídos a explorar composições mais complexas ou até mesmo figurativas, introduzindo elementos florais, animais e paisagístico, assim como uma maior liberdade cromática. Julien diz: “É fascinante ver as semelhanças e diferenças no design dos assentos de países completamente distintos”. Ele reforça. “Por instantes os padrões dos transportes franceses assemelham-se aos da Austrália, embora sejam completamente diferentes dos Alemães”.

O valor projeto reside precisamente nesse gesto de resgate e arquivo, num momento em que, por razões económicas e higiénicas, gradualmente as moquettes têm vindo a ser substituídas por assentos de plástico moldado. A partir da década de 1980, instaurou-se este novo paradigma onde o conforto têxtil deu lugar à eficiência industrial. O plástico oferece vantagens inegáveis na sua higienização, durabilidade e custo de manutenção, mas consequentemente, também trouxe consigo uma uniformização estética que reduziu e empobreceu a expressividade visual dos interiores, tornando-se num design pensado para resistir ao uso e não necessariamente para ser lembrado.





Webgrafia: 
- https://www.instagram.com/idontgiveaseat/?hl=pt
- https://www.wallpaper.com/art/transport-for-london-seat-designs 
- https://thisisloremipsum.com/post/idontgiveaseat-and-the-art-of-moquette

Carolina Graça 



 

한지 Hanji como reflexo da essência coreana: Uma ponte entre a tradição e a modernidade


Em Outubro, assinalam-se as mais importantes datas para a história da Coreia: O Chuseok (추석) - Festival de colheita de Outono (15º dia do 8º mês do calendário lunar), o Gaecheonjeol (개천절) - Dia Nacional da Fundação da Coreia (3 de Outubro) e o Dia do Hangul (한글), o alfabeto criado no século XV pelo Rei Sejong (세종), O Grande de cognome, por ter democratizado a escrita para o povo coreano. No âmbito destas celebrações, o Museu do Oriente organiza um programa cultural que conta com o apoio da Embaixada da República da Coreia, bem como várias entidades dedicadas à divulgação da cultura coreana em Portugal. Celebrar a Coreia: um programa de 7 dias, no qual é possível descobrir múltiplas expressões da cultura deste país, através de oficinas, cursos, conferências e demonstrações abertas ao público. Nesta altura também é possível visitar a exposição temporária, onde são expostas peças de acervo que habitualmente não estão acessíveis ao público. O nosso interesse pela cultura e a curiosidade por experimentar e trazer novos materiais para a nossa prática artística fez-nos entrar numa das oficinas disponíveis: Marcadores em papel Hanji. Nesta oficina foi possível conhecer e explorar as várias utilidades deste material tão singular.


Criação do Papel


Antes da criação do papel, a Humanidade gravava a sua escrita em suportes dos mais diversos materiais minerais. No entanto, com o passar do tempo e a acumulação de registos, foi necessária a criação de um meio mais conveniente para arquivo e transporte. A partir desta intenção, surge a invenção do papel, originalmente criado na China com a utilização de fibras vegetais como matéria prima, de modo a registar as ordens dadas pelo rei. Este método difundiu-se tanto para a Europa ocidental como para o sudoeste asiático, desenvolvendo-se e evoluindo a sua técnica de fabrico e impressão de formas distintas.


Na sua tradução literal Hanji (한- Coreia / 지- papel) significa “papel coreano", no entanto esta tradução também pode conotar ao facto do papel Hanji de maior qualidade ser produzido no inverno (neste caso, Han significaria frio em Hanja). O Hanji também era comumente conhecido como Baek-ji, (significado de branco em Hanja), remetendo para o aspeto limpo e branco do papel, mas também uma grande analogia ao povo coreano, que durante muitos anos tinha como tradição o uso de vestes brancas (símbolo de pureza e de identidade durante a invasão japonesa do início do século XX). A palavra Baek (백) também era usada para denominar o Hanji por significar 100 em coreano, já que o seu processo de produção exigia 100 vezes o esforço (devido à sua técnica lenta e de dedicação contínua).


O papel Hanji é tradicionalmente feito com a casca da amoreira colhida durante os meses de inverno (Novembro - Fevereiro) e misturado com a água de hibisco. Para garantir a melhor qualidade do papel, a amoreira deve ser cortada especialmente no inverno, devido à estabilização da sua composição, permitindo um melhor corte. Além disso, como a temperatura ambiente é baixa, não diminui a viscosidade do hibisco (muito necessária para a composição da matéria e a aderência das camadas). Portanto, o Hanji feito nesta estação pode durar muito mais tempo devido ao entrelaçar das fibras, que resulta num papel robusto e de alta densidade, bastante resistente à humidade e muito adorado no universo da conservação. 

Ao descobrirmos todos estes processos de composição de um “simples” papel, vemos uma metáfora clara ao povo que o produz, o espírito resiliente do povo coreano que enfrentou ao longo da história bastantes adversidades mas que mantêm a sua identidade e os seus ideais, como a verdadeira essência está no processo, no tempo, na dedicação e na simplicidade, respeitando sempre a natureza como força maior e encontrando o equilíbrio entre o Homem e o ambiente que o rodeia.




Fundação Oriente - Oficina: Marcadores em Hanji


Na primeira parte desta oficina a coordenadora Jin Sun Lee, apaixonada pelo Hanji, falou-nos da extraordinária durabilidade e versatilidade deste material. Detentora de um certificado em artesanato Hanji e, agora ligada à Fundação Oriente, partilhou conosco um pouco desta herança da cultura coreana e da forma como é produzida. Numa breve apresentação podemos ver um pequeno documentário sobre a produção tradicional do Hanji enquanto nos eram apresentados os materiais para esta oficina.

Marcador em cartão para suporte, papel Hanji, cola natural à base de farinha, pincéis e cordel: estes são os materiais que nos permitiram criar diversas variantes de marcadores.






Na segunda parte, passamos para a parte plástica desta oficina, onde pudemos interagir diretamente com os materiais. Neste processo, a cola, feita à base de farinha de trigo e água, é colocada sob a face mais áspera do papel Hanji. Quando este amolece é possível rasgar com bastante facilidade, perfeito para criar padrões diferenciados. Um dos objetivos desta prática é não desperdiçar nenhuma parte do papel, os restos são sobrepostos ao papel já colado, criando uma espécie de patchwork, o material adere e entrelaça-se de modo a criar padrões impressionantes. Os padrões são ilimitados e a variedade de resultados obtidos é muito interessante. Esta é uma prática simples mas que requer concentração, calma e respeito pelo material.




Neste caso fizemos marcadores, no entanto foram nos mostrados diversos objetos feitos com os mesmos materiais, tais como leques, taças, suportes para copos, entre outros.





Madalena Costa e Sofia Alves, outubro 2025





O Espelho Partido da Política: Uma Leitura de “Por Dentro do Chega”, de Miguel Carvalho

 

   

 Alguns livros investigam o poder. Este desmonta o modo como o poder se disfarça.

Um livro que desce às entranhas do poder


    Em "Por Dentro do Chega, A face oculta da extrema-direita em Portugal", Miguel Carvalho desce aos subterrâneos da política contemporânea e regressa com um retrato inquietante do país que somos.


    O autor, um dos jornalistas mais respeitados do jornalismo português, não se limita a observar o fenómeno do partido Chega à distância: mergulha nele com uma paciência quase arqueológica, desmontando, camada após camada, a máquina que alimenta o partido liderado por André Ventura.

O resultado é um livro monumental, de mais de 700 páginas, fruto de cinco anos de investigação rigorosa, dezenas de entrevistas inéditas e milhares de documentos recolhidos.

 Ouve o Chega a falar de si próprio. E o que emerge desse coro de vozes é um retrato cru de um partido que se alimenta tanto de fé como de frustração.


O populismo como dramaturgia


    "Por Dentro do Chega" é, antes de tudo, uma aula sobre a teatralidade da política contemporânea.

O autor mostra como o partido constrói o seu poder através de uma gramática visual e emocional: a pose, a cor, o tom, o cenário e o gesto.

Nada é deixado ao acaso.

As convenções são encenadas como rituais de purificação moral, as redes sociais transformam-se em palcos e as palavras, em armas simbólicas.

O Chega é apresentado como um produto mediático, criado para circular, para ser visto, partilhado e comentado.

Miguel Carvalho não analisa apenas discursos, analisa imagens, gestos e signos.

A política, aqui, é uma coreografia cuidadosamente ensaiada, em que cada símbolo da bandeira ao crucifixo, é utilizado como instrumento de pertença e exclusão.


O laboratório do ressentimento


    Há uma corrente subterrânea que atravessa todo o livro: o ressentimento.

Miguel Carvalho descreve como o Chega se alimenta da raiva social, da sensação de injustiça, do sentimento de perda.

Não inventa o descontentamento, amplifica-o, organiza-o e dá-lhe rosto.

Nas palavras do autor, o partido “capitaliza o cansaço da democracia” e oferece um discurso de redenção.

Mas essa redenção tem um preço: a simplificação.

O mundo divide-se entre “os bons e os maus”, “os portugueses de bem” e “os outros”, “o povo traído” e “as elites corruptas”.

“A simplificação é a linguagem da raiva e a raiva, a retórica do poder.”

O livro mostra como esta narrativa se infiltrou no espaço público e mediático, encontrando eco numa sociedade cada vez mais vulnerável ao discurso fácil e à emoção instantânea.


Bastidores e contradições


    Um dos méritos de Miguel Carvalho é não se deixar cegar pelo discurso.

O livro revela um partido dividido entre ambição e ideologia, entre fé e cálculo, entre o desejo de “limpar a política” e a tentação de reproduzir os mesmos vícios que jurava combater.

Nos bastidores, há egos feridos, alianças efémeras, fidelidades compradas e vinganças pessoais.

Há quem entre por convicção e saia por desilusão.

Há quem veja em André Ventura um salvador e quem o veja como o maior obstáculo à “nova política” que prometeu.

O autor dá corpo a essa contradição com rigor documental, mas também com humanidade: percebe-se o fascínio e o medo que o Chega desperta, muitas vezes dentro dos próprios corredores do partido.


O espelho e o reflexo: o país em miniatura


    Ler "Por Dentro do Chega" é, inevitavelmente, olhar para Portugal ao espelho.

Miguel Carvalho não escreve apenas sobre um partido, escreve sobre o país que o permitiu crescer.

Um país desigual, exausto, fragmentado, onde a política tradicional perdeu credibilidade e o populismo encontrou terreno fértil.

O Chega, no livro, surge como metáfora e sintoma: um espelho deformado que devolve, de forma amplificada, as fraturas da sociedade portuguesa, as desigualdades, os ressentimentos, as falhas de representatividade.

“O Chega não nasce contra a democracia.

Nasce dentro dela e das suas falhas.”

A investigação de Miguel Carvalho lembra-nos que o perigo não está apenas na ascensão do populismo, mas na indiferença que o normaliza.



    "Por Dentro do Chega" não é um panfleto, nem um manifesto.

É uma investigação que obriga à reflexão, sobre a política, sobre o país, e sobre o próprio papel da comunicação.

Miguel Carvalho mostra que compreender não é desculpar: é assumir a lucidez como forma de cidadania.

O Chega é o pretexto. Portugal, o objeto real do diagnóstico.

“Olhar por dentro do Chega é, inevitavelmente, olhar por dentro de nós.”

E essa talvez seja a maior virtude do livro: expor, com serenidade e rigor, o espelho partido onde a democracia portuguesa se vê e se reconhece.


Ficha Técnica


Título: "Por Dentro do Chega. A face oculta da extrema-direita em Portugal"

Autor: Miguel Carvalho

Editora: Objectiva / Penguin Random House

Ano: 2025

Páginas: 752

Género: Jornalismo de Investigação / Ensaio Político



Carolina Malheiro




 


 

 

 

"H BOX": Videoarte Contemporânea

Uma das obras em destaque na exposição “Xerazade, a Coleção Interminável do CAM” é o filme “H BOX”, que integra o ciclo de 14 filmes selecionados pela curadora Leonor Nazaré. Cada filme está relacionado com os núcleos temáticos da exposição, criando diálogos entre diferentes linguagens artísticas. Este é um exemplo claro de como a cultura visual contemporânea transforma a forma como consumimos e experienciamos a arte. Cada filme oferece uma reflexão sobre a narrativa visual e a forma como as imagens podem ser manipuladas para criar novas interpretações e significados distintos: seja entretenimento, exploração estética ou aprendizagem sobre linguagens visuais diversas, o visitante usufrui de utilidade direta na interação com a obra. Esta experiência imersiva permite que o espectador perceba a multiplicidade de abordagens visuais e narrativas, valorizando a contemplação e o engajamento com o conteúdo artístico.

Ao mesmo tempo, a coleção e a experiência que a “H BOX” proporciona podem ser valorizadas culturalmente: atrai visitantes ao museu, gera atenção mediática e posiciona o CAM como referência na promoção da video-arte contemporânea, transformando o olhar do público em capital simbólico e económico.




H BOX, Leonor Nazaré


Esta abordagem remete diretamente, a meu ver, à trajetória de Nam June Paik, pioneiro da videoarte, que revolucionou a relação entre tecnologia e arte. Uma das suas obras que destaco é a obra “Electronic Superhighway: Continental U.S., Alaska, Hawaii” (1995), que exemplifica este princípio: utilizando monitores de televisão para criar um mapa interativo dos Estados Unidos, Paik conectou imagens e clipes culturais regionais numa experiência visual imersiva, refletindo a circulação rápida de informação e a integração social e cultural proporcionada pela tecnologia. 




Nam June Paik (1936 – 2006) 




                                  “Eletronic Superhighaway: Continental U.S., Alaska, Hawaii” (1995) – Nam June Paik



Tal como Nam June Paik, a “H BOX“ do CAM propõe uma experiência visual inovadora e dinâmica. Paik transformava televisões, vídeos e imagens em elementos de uma narrativa artística contínua, permitindo que o público interagisse de forma não linear com o conteúdo. 

Esta comparação evidencia como a “H BOX” continua a tradição da videoarte experimental, mas coloca-a num contexto contemporâneo de cultura visual, transformando filmes em experiências culturais.


Esta obra fez-me refletir em como, no passado, filmes e imagens existiam como objetos físicos ou experiências isoladas. Hoje, são reorganizados e projetados dentro de um espaço móvel, criativo e curado, que transforma a experiência visual em cultura, mediando valor estético, educativo e simbólico. O objeto original (filme, registo visual) deixa de ser apenas material ou técnico para se tornar um elemento cultural cujo significado e valor dependem da interação do público e do contexto de exibição.




Webgrafia:


https://gulbenkian.pt/cam/agenda/h-box/


https://artemidiastec.wordpress.com/2022/12/05/nam-june-paik-4-obras-fundamentais-para-o-entendimento-da-pratica-que-pregou-a-convergencia-do-universo-artistico-com-as-novas-tecnologias-midiaticas/




teamLab Planets TOKYO, onde o corpo se torna parte da obra de arte


Na minha viagem ao Japão este verão, tive a oportunidade de visitar o teamLab Planets TOKYO, um museu de arte imersiva situado em Toyosu, Tóquio, que oferece uma experiência única, onde os visitantes não apenas observam a arte, mas são convidados a mergulhar na mesma.

O teamLab é um coletivo fundado no Japão em 2001, que reúne artistas, programadores, engenheiros, designers, matemáticos e especialistas em várias áreas da ciência e da tecnologia. É descrito como um grupo interdisciplinar cuja prática colaborativa procura explorar uma nova relação entre os seres humanos e o mundo através da arte digital, navegando pela união da arte, ciência, tecnologia, design e o mundo natural. Este coletivo tornou-se mundialmente conhecido pelas suas instalações interativas e imersivas que convidam o espectador a ser uma parte ativa das obras de arte através da luz, som, projeções e movimento.


Em 2018, o coletivo capturou a atenção do mundo da arte ao inaugurar o teamLab Planets. Apesar do espaço ter sido pensado como uma experiência temporária, o seu sucesso levou à extensão da sua permanência até, pelo menos, 2027. Planets é uma experiência tátil, dividida em quatro áreas de exposição interiores e duas exteriores que acolhem diferentes obras de arte em grande escala que se baseiam no conceito “Body Immersive”. A razão por trás do conceito é que, como explica o teamLab, uma vez que a «fronteira entre o corpo e a obra de arte se dissolve, as fronteiras entre o eu, os outros e o mundo tornam-se algo contínuo». Os visitantes são incentivados a interagir com as obras de forma semelhante à maneira como se relacionam com o mundo natural - com o corpo, os sentidos e a atenção total.

Uma das áreas do museu a destacar é a Water Area, um espaço onde os visitantes andam descalços por água rasa, interagindo com peixes digitais e luzes que reagem ao movimento. Esta, inclui obras como Drawing on the Water Surface Created by the Dance of Koi and People – Infinity e The Infinite Crystal Universe

Por outro lado, a Garden Area é dedicada a jardins vivos, onde os espectadores ficam rodeados por orquídeas suspensas, onde as obras unem natureza e arte digital. Destacam-se o Floating Flower Garden: Flowers and I are of the Same Root, the Garden and I are One e o Moss Garden of Resonating Microcosms.


De forma a que os visitantes se envolvam verdadeiramente com a arte, o museu recomenda o uso de roupa confortável e prática. Como parte do percurso é feita com os pés descalços e algumas obras envolvem água até aos joelhos, aconselham o uso de calças curtas ou fáceis de arregaçar. Além disso, o teamLab recomenda ir vestido de branco, de modo a interagir melhor com as luzes das obras e ajudar a integrar visualmente cada pessoa no ambiente artístico. Todos estes detalhes são pensados para criar uma imersão total.

O teamLab Planets é mais do que uma galeria de arte, é uma experiência sensorial completa, onde o tato, a visão, o som e até o equilíbrio corporal são postos à prova. A interação com os elementos naturais, como a água, as flores reais suspensas ou os aromas no ar, reforça a ligação entre o corpo humano e o espaço envolvente, convidando à contemplação e à presença total no momento.


Vasilis Marmatakis e a Arte Subestimada do Title Design

No cinema contemporâneo, o title design deixou de ser uma necessidade meramente funcional para se afirmar como linguagem expressiva e narrativa própria. Longe de atuar como simples introdução tipográfica, tornou‑se um espaço de autoria, definindo tom, atmosfera e identidade antes de a primeira linha de diálogo ser dita.

“Graphic designers actually have a big impact on how people perceive a film. We have this responsibility to best communicate what people are meant to experience when they’re in the theater so that those expectations are aligned, which will make the whole experience more positive for them.” - Jessica Hische

O século XXI reacendeu o interesse por esta disciplina, com cineastas e designers a descobrirem nos títulos uma linguagem visual capaz de transmitir significado com a mesma força da imagem ou do som.

Poucos realizadores ilustram essa transformação de forma tão vívida como Yorgos Lanthimos. As suas colaborações com o designer Vasilis Marmatakis produziram algumas das sequências de títulos mais distintas e conceptualmente densas do cinema recente. Em filmes como The Favourite e Poor Things os designs de Marmatakis ampliam o mundo estético do filme em vez de o apenas rotular. Tipografia, ritmo e a própria colocação dos títulos tornam‑se em atos de narrativa.





Em Poor Things, as letras dos créditos têm proporções variadas, algumas altas e finas, outras largas e achatadas, que dispostas como uma moldura decorativa. Isso contribui para a sensação maximalista do filme. Os títulos não só anunciam o filme, como também dramatizam os seus temas centrais. 


De modo semelhante, em The Favourite, o espaçamento largo e layout minimalista , traduzem os temas principais deste filme de época, dominando o enquadramento. 



Através destas colaborações, Lanthimos e Marmatakis demonstram que o title design funciona como linguagem cinematográfica por direito próprio, fundindo design gráfico, movimento e psicologia.

Apesar desta profundidade criativa, o title design continua a ser uma das artes mais subvalorizadas do cinema. Raramente recebe o reconhecimento concedido ao guarda‑roupa, à fotografia ou ao som, embora seja, com frequência, o primeiro contacto emocional e estético do público com um filme.

Num mundo em que a comunicação visual é mais imediata e poderosa do que nunca, o title design opera nas sombras, moldando a perceção do filme sem exigir protagonismo.

Quantas histórias começam a falar através dos seus títulos antes de uma única palavra ser ouvida? E quantos designers permanecem invisíveis, mesmo quando o seu trabalho determina o que sentimos?


O que faz o cartunista no Museu?



Este ano trouxe-nos a coincidência de vermos, separados por poucos meses, a publicação da primeira biografia de fundo do cartunista Robert Crumb (autoria de Dan Nadel), e a realização de uma exposição dedicada ao surrealismo e pop-surrealismo americanos dos anos 60 no Whitney Museum of American Art, em Nova Iorque, onde a obra do Robert Crumb surge surpreendentemente destacada e ao lado da fotógrafa Diane Arbus, do pintor Franklin Williams, da escultora Nancy Grossman e outros nomes firmemente plantados no mundo das belas-artes contemporâneas .


Não será alheio a esta coincidência o próprio Dan Nadel (o autor da tal biografia) ser o curador na área do desenho e da gravura deste mesmo museu. No entanto, está aberta a oportunidade de meditarmos sobre a obra daquele que é provavelmente o mais importante cartunista americano do pós-guerra e do que significa a repetida presença de um cartunista nos museus dedicados às artes ditas “sérias” (título que só excepcionalmente o cartune mereceu ao longo do século xx).


Não há dúvida que o lugar que o Robert Crumb tenha eventualmente vindo a ocupar no panorama das artes e no debate entre a alta e a baixa culturas, dependeu mais dos acasos da avaliação dos críticos e historiadores, do que do seu próprio posicionamento dentro das comunidades da arte na América. O Robert Crumb produziu exclusivamente cartune e banda desenhada, e foi sempre marginal aos movimentos artísticos americanos e aos mercados onde viviam os grandes nomes da arte americana. Apesar da quantidade de vezes que a sua obra figurou no mundo dos museus e das galerias (a Whitechapel Gallery de Londres, o Musée d’Art Moderne de Paris, são apenas dois exemplos recentes), o próprio Crumb mostrou-se frequentemente suspeito (para não dizer mesmo desdenhoso) do mundo da alta cultura do seu tempo, preferindo manter-se metido no meio das publicações underground e da banda desenhada alternativa.


Robert Crumb fez o grosso do seu trabalho no contexto da cultura Hippie dos anos 60 e 70 que florescia em São Francisco e, em particular, no famoso Haight Ashbury (o distrito onde congregavam os membros que associamos à contracultura da época), envolto nas publicações subterrâneas anti-guerra, a música psicadélica, a literatura experimental, o culto das drogas psicotrópicas, e outras expressões espirituais de difícil classificação.


Foi, aliás, o seu encontro com a produção gráfica e visual dos pósteres da comunidade musical de São Franciscos que primeiro o acordou para a existência de um crescente movimento de artistas que lhe pareciam ter sensibilidades afins à sua. Largando um deprimente trabalho como ilustrador de cartões de felicitações em Cleveland, deslocou-se para São Francisco e rapidamente se imiscuiu no meio das publicações independentes e dos desenhadores e grafistas alternativos.


Em 1968, Robert Crumb, publica o primeiro número da Zap Comix e, inesperadamente cria o centro em torno do qual orbitariam os desenhistas e cartunistas que lançariam a banda desenhada como uma séria forma de expressão artística e ajudariam a criar o vocabulário da contra-cultura.

Em pouco mais de um ano, o nome Crumb ressoava em todo o panorama da cultura Hippie, surgindo nos concertos dos Grateful Dead, nas capas dos discos da Janis Joplin e em publicações como a Rolling Stone magazine. E paradoxalmente, a sua arte também já podia ser vista na Corcoran Gallery of Art, em Washington, e no Institute of Contemporary Art, em Filadélfia.


Ao lado de outros cartunistas e grafistas como Kim Deitch, Vaughn Bodé, Robert Williams ou Victor Moscoso, o nome do Robert Crumb tornou-se inseparável da criação visual que associamos inconfundivelmente àquela época na América. À semelhança dos restantes discursos artísticos e culturais desta época, o cartune e a BD também se manifestaram de modo iconoclasta e irreverente, exorcizando os complexos sexuais, raciais, políticos e sociais daquela geração (ao ponto mesmo do chocante e do intragável).


A marginalidade que estes artistas mantiveram em relação à produção artística da alta cultura foi cultuada por eles próprios. Muitos destes criadores ou não tinham passado pela formação académica típica das escolas de arte ou tinham tido más experiências dentro dessas escolas. Só agora se davam os primeiros passos para desfazer a má relação que a América havia desenvolvido com a banda desenhada e o cartune. Se é verdade que na Europa, particularmente na França, na Bélgica e na Itália, artistas como Hergé, Hugo Pratt e Uderzo gozavam de uma reputação cultural intocável e participavam da mesma mesa onde se reuniam os intelectuais do seu tempo, na América o cartunista tinha ainda qualquer coisa de pária que produzia lixo cultural para adultos infantilizados e embrutecidos (o epíteto” lowbrow” tem aqui o seu devido lugar).


Claro que a linguagem do cartune e da banda desenhada foi repetidamente trazida ao diálogo com as belas artes, especialmente no contexto da Pop Arte e do Expressionismo Abstracto tardio  (veja-se o caso de Roy Lichtenstein para o caso da Pop Art e Philip Guston para o caso do Expressionismo Abstracto). 

Mas os cartunistas nunca olharam com bons olhos estas apropriações do seu vocabulário - e muitas vez do seu trabalho - (que sentiam ser de um uso irónico e desafectado) que rendia milhares de dólares nas melhores galerias de Nova Iorque, enquanto eles se mantinham num reles estrato de reputação social e cultural.


Robert Crumb surge hoje, talvez equivocadamente, como tendo-se  mantido indiferente a estes sintomas da guerra cultural, permaneceu a trabalhar incessante e imperturbavelmente, e a sua obra parece ter feito uma viagem semelhante à da música Jazz, vindo dos estratos incultos e “lowbrow” da sociedade para ganhar o estatuto de uma arte original e genuinamente americana.


Termino com as palavras do crítico de arte Robert Hughes, no documentário Crumb (1994) realizado por Terry Zwigoff:


I think Crumb is, basically, the Breugel of the last half of the twentieth century. I mean, there wasn’t a Breugel of the first half but there is one of the last half, and that is Robert Crumb. Because he gives you that tremendous kind of impaction of lusting, suffering, crazed humanity in sorts of bizarre, gargoyle-like allegorical forms. He’s just got this very powerful imagination which goes right over the top a lot of the time. But it very seldom lies.





Sérgio A. N. Out.2025