quarta-feira, 31 de maio de 2023

“Emoção, Paixão e Sensibilidade no Teatro Camões em Lisboa através da Companhia Portuguesa de Bailado Contemporâneo


Fonte: Fotos da autora tiradas no dia da apresentação.




Georgina Furtado Franca



Oeiras, 04/04/2023




A Companhia Portuguesa de Bailado Contemporâneo apresentou-se em 1 e 2 de Abril no Teatro Camões, em Lisboa, em celebração aos 25 anos da mesma, com quatro números coreográficos de qualidade técnica incontestável. Fundada em 1997 por Vasco Wellenkamp e Graça Barroso, a companhia mantém o seu estilo diversificado, que atualmente sob a direção de Cláudia Sampaio, traz como herança e missão uma linha estética que se atravessa entre o universo onírico e aquele dos desenhos coreográficos dos corpos em movimento. Universo este, que evoca pensamentos e sensações que nos fazem refletir sobre o nosso lugar no mundo e sobre as múltiplas relações que podemos estabelecer uns com os outros.  Como um reinventar constante desse encontro inusitado, mas não menos empolgante, do real com o imaginário, das ações quotidianas e do entrelaçar com as mais profundas substancias do nosso ser, da nossa mente e da nossa alma.

Fonte: Fotos da autora tiradas do programa da apresentação.


O corpo passa a ser um instrumento sensível e de comunicação dos atores-bailarinos, que convida a nós da plateia a construirmos subjetividades dando vida a personagens que em sua grande maioria só existem em nossa imaginação, mas que ao mesmo tempo se comunica com personagens reais que podem estar nas ruas, no bairro, pessoas como nós, com suas dúvidas e anseios, seus desejos e sonhos, seus conflitos e superações, como numa teia da própria vida. Enquanto assistimos ao espetáculo vamos procurando também não nos perder, como quase uma busca pela construção de sentidos. Nada nos parece ou chega a nós como pronto, mas tudo está por vir. Alguns personagens históricos podem surgir como de súbito, de associações feitas até mesmo com partes do cenário, de adereços dos bailarinos-atores, nas vozes que ressoam de microfones ocultos, como se atravessassem de algum sítio, até mesmo das paredes. 

Tudo se relaciona e ao mesmo tempo tudo se dissolve nesta teia de relações e bem como, os sentidos que nós, que assistimos, também construímos. 

Fonte: Fotos da autora tiradas do programa da apresentação


Uma arte democrática que lança como desafio à plateia a sensibilidade e interpretação livre, a leitura das imagens em movimento. A dramaturgia é uma constante busca por afirmação e vai nesse interim também se colocando em causa como se abrissem espaços vazios no texto, para uma comunicação aberta. Somos nós que nesse instante, o público, que do nosso olhar construímos a coreografia e isso não seria possível se não existisse uma fluidez coreográfica de deixar espaços vazios na escrita dos corpos em movimento. Vamos da plateia criando relações com o que vemos e sentimos, preenchendo os espaços coreográficos com sensações nossas e pensamentos que nos conduzem mais a perguntas do que respostas, como se fizéssemos parte juntamente com os artistas de um mesmo processo criativo.

Fonte: Fotos da autora tiradas do programa da apresentação


O primeiro número coreográfico, intitulado “Públic Domain”, coreografia de Ricardo Campos Freire, nos trás a incomunicabilidade do mundo. O cenário formado por cadeiras dispostas ao palco e televisões que nada informam. Estas apenas arranham com sons indecifráveis essa incomunicabilidade. Com uma técnica esplendorosa, os bailarinos nos falam através dos seus corpos sobre algo que de pronto não identificamos, o que nos causa estranhamento e estupor, juntamente com o som irritante da televisão e vozes que ecoam em inglês formando uma confusão de sons que aparenta comandar as ações dos bailarinos. Torna-se difícil perceber o que se passa e o que nós da plateia sentimos. Tudo se mistura e ficamos a nos perguntar: Por que tanto sofrimento? A coreografia parece ter sido feita para provocar, tirar da zona de conforto e nos fazer pensar, fazer-nos viver uma experiência sobre o que sentimos daquilo que em si nem mesmo existe.

O segundo número coreográfico, intitulado “almada E TUDO!”, coreografia de Maria Mira, dá vida no palco de maneira jocosa ao Manifesto Anti-Dantas, de José de Almada Negreiros. O Manifesto Anti-Dantas em 1913 foi uma contestação ao renomado crítico literário Júlio Dantas que se opunha a “Revista Orpheu” lançada em época por Almada Negreiros e seus contemporâneos, artistas vanguardistas, que por sua vez davam a sua resposta às acirradas críticas que receberam por suas ideias e textos irreverentes em prol do modernismo artístico e literários em Portugal. No palco dois dos bailarinos personificam as adversidades de posições entre o academismo literário e o Futurismo e os demais do elenco ilustram a repressão exercida à divulgação dos novos valores.

O terceiro número coreográfico, intitulado “Prelúdio à Sesta de um Fauno ou O Labirinto do Desejo”, de Vasco Wellenkamp, nos sensibiliza ao encontro de dois corpos no palco que revelam a paixão e desejo dos personagens, o Fauno, meio homem e meio animal e a Ninfa personagem dos seus sonhos. A fluidez dos corpos e sintonia dos bailarinos em cena evoca a poesia do amor e nos faz imergir no envolvimento que nasce a cada gesto e expressão dos bailarinos. 

O quarto número coreográfico, intitulado “S-Concerto”, é uma exuberante apresentação, que conjuga de forma harmoniosa a música e a dança em favorecimento a técnica dos bailarinos.

Ao fim do espetáculo de celebração dos 25 anos da Companhia sentimos que como expectadores, fizemos uma imersão no desconhecido, por sermos convidados a vivenciarmos através do nosso olhar uma experiência única através das variadas maneiras que nos foram oferecidas de interpretação. Uma forma diferenciada de contato com a obra artística, que nos permitiu através das nossas vivências e subjetividades, a construir do nosso olhar, das nossas sensações e emoções, a dança.


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