Por
entre árvores e relvados, fontes e lagos, no coração da capital espanhola,
Madrid, está guardado o Parque del Buen Retiro, abrangendo cerca de 125
hectares, contendo num espaço aberto e verde, diversos monumentos e pontos de
interesse. Originalmente edificado na primeira metade do séc. XVII, como um
jardim real que cercava o Palácio del Buen Retiro, destinado ao rei Felipe IV
(1605-1665), foi aberto ao público para fins recreativos em 1767, graças ao rei
Carlos III (1716-1788) e mais tarde, em 1868, foi definido como parque público,
passando a posse do grande jardim, para a Câmara Municipal de Madrid. Em certos
momentos, as vistas do parque, relembram cenas das pinturas de Seurat, relvados
inclinados á beira lago, onde as pessoas descansam e convivem, como em “Un
dimanche après-midi à la Grande Jatte”. O aspeto atual do parque, é o resultado
de um conjunto de alterações e renovações ao longos dos anos, onde se destacam
as intervenções em resposta à destruição, após a Guerra da Independência
(1808-1814). O parque, é casa a diversos monumentos, como o brilhante Palácio de
Cristal, o Monumento a Afonso XII, junto da Lagoa Grande onde os turistas andam
de barco, o Palácio de Velázquez, o Observatório Astronómico Real, bem como a Fonte
do Anjo Caído e tantas outras esculturas, onde se destaca o Paseo de la
Argentina, que glorifica um conjunto monárquico de 13 reis espanhóis. De entre
tanta beleza histórica, de um ecleticismo imenso, aqui se realça o Palácio
de Velázquez, por ser um centro designado às artes visuais, situado no
centro do parque, dedicado a exposições contemporâneas temporárias,
administradas pelo Museo Nacional Centro de Arte Reina Sofía.
Originalmente
Palácio de la Minería, foi construído entre 1881-83, para a Exposición Nacional
de Minería, pelo arquiteto Ricardo Velázquez Bosco - o qual deu posteriormente
nome ao Palácio, não Diego Velázquez - juntamente com o engenheiro Alberto
Palacio e o ceramista Daniel Zuloaga, para comemorar os avanços e conquistas
nas áreas da mineração, metalurgia, cerâmica, fabricação de vidro e indústrias
de água mineral. Com dimensões de 73,80 m por 28,75 m, sua arquitetura é emblemática da era, num estilo neoclássico,
de rigidez monumental, coberto por tijolo vermelho e amarelo, bem como azulejos,
da Real Fábrica de La Moncloa, com motivos geométricos, vegetalistas e
animalistas, de tons laranja, azul e branco. A cobertura do palácio, é feita
com abóbadas de ferro e vidro, de modo a iluminar naturalmente o espaço
interior. A fachada principal é marcada por uma arcada, com pilares com capiteis
de inspiração coríntia, arcos de volta perfeita e duas estátuas imponentes de
leões alados, erguidas no topo das escadas, que dão entrada ao palácio. A ordem
e o virtuosismo convocados através da monumentalidade, contrastam com os
motivos figurativos e cor dos azulejos, destacando o edifício, entre todos os
outros museus de Madrid, não atingindo a brutalidade nem frieza do Museu do
Prado, preferindo manter a gramática formal, casada com um espírito mais
alegre, graças à azulejaria floreada e o tijolo bicolor, com traços de Arte
Nova, unidos às cores e motivos da azulejaria hispano-muçulmana.
No interior permanece
um espaço museológico, em estilo White Cube, onde a luz do sol ilumina uma
ampla ala central, através de uma claraboia em ferro fundido e vidro fusco,
coberta nas laterais por aço em chapa, deixando apenas uma fileira horizontal
em vidro, que acompanha a sala principal. Tendo em conta as inovações de François
Joseph Belanger (1744-1818), é uma abóbada modesta, especialmente quando está
erguida tão perto do Palácio de Cristal, que demonstra uma mestria da
arquitetura do ferro e do vidro. A essência original do Palácio permanece
sensivelmente a mesma, apesar da reconstrução após destruição parcial, causada
por um furacão em 1886-88. A alma do
palácio está adaptada à sociedade industrializada da era: os pavilhões
relembram a arquitetura das gares, com pilares delgados de aço, de capiteis
jónicos, com arcadas de aço e vidro, em arcos abaulados, com motivos
vegetalistas discretos e medalhões. A planta retangular do palácio, salienta a
geometria e simetria neoclássica, dividida conforme a exposição em vigor –
geralmente um grande espaço aberto, com uma sala principal e duas adjacentes,
juntamente com duas naves laterias menos iluminadas. É um museu relativamente
pequeno, face ao espólio madrileno, contudo é uma visita bem-vinda, de entrada
gratuita, inserida no grande espaço do parque, facilmente visitável, após um
passeio tranquilo numa tarde soalheira. A qualidade da exposição é obviamente
variável, pelo que a experiência deste espaço, está diretamente influenciada
pela dimensão e excelência daquilo que é exposto – neste contexto, considere-se
que o espaço estava corretamente aproveitado, face à exposição em vigor.
Decorreu de 21
de outubro de 2022 a 16 de maio de 2023, a exposição Distancia Sin Medida,
que relembra a carreira do pintor sevilhano, Manolo Quejido (1946). Trata-se de
uma retrospetiva da obra multifacetada do artista espanhol, pertencente à Nueva
Figuración Madrileña, que captura aspetos do expressionismo, surrealismo,
pop-art, experimentando com mensagens políticas (Faixa de Gaza), figuração
vibrantemente colorida e abstrações geométricas. De entre tantas pinturas,
destaca-se as seguintes: La Pintura (2002) um quadro que brinca com a
ideia de pintura, enquanto algo que reproduz mas também representa, representar
emoção e reproduzir emoção, ao mostrar o pintor no ato de pintar, como se a
tela pintada fosse a tela real, perto da modelo em pose, que é simultaneamente
a modelo na tela pintada e figurante na pintura real; Sin Consumar (1997-99),
uma obra de acrílico sobre várias placas de alumínio, que reflete sobre a sociedade do consumismo, numa
euforia de cores chamativas e elementos atraentes, que remetem para alimentos,
marcas, produtos e letras; Sin Nombre nº84: Psiquiátrico (1998), uma
tela de um amarelo berrante que mostra uma sala de espera de um consultório,
onde uma figura solitária permanece, com a companhia única de si própria,
rodeada de tantas cadeiras vazias, suscitando questões de “Quem é aquela
pessoa? Porque está ali?”, onde o espaço relembra a fixação amarelada de Van
Gogh, evocando o tema das doenças mentais, corroborado pelo título da obra. A
exposição, reflete tantos aspetos da pintura moderna, que atrai apreciadores
distintos, nunca desapontando, pela qualidade do artista e pela sua obra
variada, mas focada em momentos muito únicos divididos corretamente pelos
espaços do pavilhão, como momentos quotidianos, com várias figuras simplificadas
num espaço natural, relembrando os temas de Paul Gauguin, ou momentos em que
retrata máquinas de escrever num tom solto e expressivo, deixando ainda espaço
para um conjunto de impressões que remetem para M.C. Escher e/ou os testes de Rorschach.
Um jardim
adorado pelos locais, com música ao vivo e cafés para conviver e comer, dezenas
de monumentos para observar e visitar, locais recatados para descansar à
sombra, longe da cacofonia metropolitana. Para o turista mais atento, que
encontra o Palácio de Velázquez, é gratificante a visita gratuita, a um espólio
de uma enorme energia pitoresca, num espaço histórico, eclético, amplo e livre.
O interior deste palácio feito galeria, é espaçoso o suficiente para apreciar
calmamente as obras, sem pressa, longe dos grandes museus e o seu caos habitual.
Diga-se, que neste grande jardim, por entre esculturas e monumentos, pombos e
patos, no meio de lagos e fontes, no Palácio de Velázquez, a obra de Manolo
Quejido, encontrou um bom retiro.
------------------------------------------------------------------
AGENCIA EFE (2022), La exposición "Distancia sin medida" retrata el sentir del pintor Manolo Quejido
https://www.youtube.com/watch?v=wS2gSaooBIQ
Palácio de Velázquez
https://www.esmadrid.com/pt/informacao-turistica/palacio-de-velazquez
Wikipédia (2023), Palácio de Velázquez
https://en.wikipedia.org/wiki/Palacio_de_Vel%C3%A1zquez
Sem comentários:
Enviar um comentário