Foi uma conferência bastante
diversificada e enriquecedora que abordou uma variedade de diferentes
perspetivas em volta do tema da inteligência artificial. No entanto o que me
chamou mais à atenção foi o quadro “Projetos de Intervenção Artística com
Recurso a Inteligência Artificial”, exibido pela professora, investigadora (no
Departamento de Arte Digital da Universidade Metropolitana de Manchester) e
bailarina, Maria Rita Nogueira. A bailarina apresentou uma demonstração
prática, através de uma pequena performance, em como a inteligência artificial
pode ser incorporada de forma inovadora na arte e na dança.
Há dois anos, em época de pandemia,
que confinou grande parte da população mundial às suas casas, incluído
bailarinos e artistas performativos que não podiam exercer o seu trabalho,
Maria criou o projeto “FORMS”. O FORMS representa uma mistura de arte digital,
dança e machine learning, que resultam em imagens visuais inovadoras para
enriquecer a dança em tempo real. Na conferência, que tive o prazer e o
privilégio de assistir, a bailarina realizou uma demonstração do seu trabalho. Enquanto esta dançava no palco, uma câmara
captava os seus movimentos, traduzindo-os e transmitindo-os em formas abstrata
numa tela atrás dela. Estas formas inicialmente apresentavam-se através de um
grande polígono com pequenos polígonos no seu interior e ao longo da sua
performance foram adquirindo variadas formas, ou mais orgânicas ou mais retas e
simples.
De todas as figuras que se seguiram, esta foi a mais interessante, complexa e intrigante na minha opinião. É uma estrutura relativamente básica de linhas retas que representam os contornos do corpo de Maria e os seus movimentos. No entanto, essa estrutura está preenchida com linhas retas que dão um certo volume e profundidade à forma principal. O resultado da figura com os movimentos que Maria fazia ao dançar davam resultado a uma representação hipnotizante, que desafiava a sua perceção, criando composições intrigantes e complexas de desvendar. Apesar de ser predominantemente bidimensional, em momentos específicos, a forma parecia adotar uma tridimensionalidade devido às interseções e composições das linhas.
De seguida a figura que dançava na
tela passou por uma metamorfose visual. A figura complexa que dançava
inicialmente assumiu uma forma mais simplificada e básica, composta de
polígonos e triângulos preenchidos com um tom de azul, que se harmonizava com
as roupas de Maria, adicionando coerência visual à performance. Conforme a
dança prosseguia, a figura passou por mais duas metamorfoses, sendo a primeira
uma forma semelhante à primeira, mas com adições sutis de linhas curvas que
conferiam um aspeto mais orgânico e ainda mais complexo que a primeira forma.
Por último a figura abandonou a maior parte das linhas retas, abraçando uma estética mais suave e arredondada. Enquanto na primeira e na terceira figura percebia-se que era um corpo de maneira muito abstrata, nesta e na segunda figura era ligeiramente menos percetível, mas tanto Maria como a forma dançavam e mexiam-se graciosamente e com emoção.
A performance de Maria foi algo
inovador que não tinha visto até então. No entanto, como é um projeto
relativamente novo, ainda há espaço para algumas melhorias técnicas. Durante
movimentos rápidos ou quando a bailarina se encontrava no chão, a câmara muitas
vezes não captava de maneira correta o seu corpo, resultando em breves
intervalos onde a tela ficava branca, sem qualquer figura. Embora seja uma
limitação técnica, é também um motivo para uma aprimoramento e expansão de
aprendizagem, onde, com o tempo, este tipo de performance irá atingir novos
patamares.
Vale realçar que esta apresentação
foi acompanhada de um pequeno texto narrado introdutório em inglês, dando
depois espaço para uma música agradável e harmoniosa. O testo era o seguinte:
“Escuridão. A ausência de luz. Vasta.
Pesada. Porque tu experienciaste escuridão, tu entendes luz, tu sabes que
existe. O que tu vez ou não vez depende do que tu estás à procura, porque nós
não vemos as coisas como elas são, mas sim como as queremos ver. Tu podes
escolher em focar-te na escuridão ou podes escolher em focar-te na luz. Se tu
queres que as coisas mudem, muda a tua perspetiva.”
Na minha opinião este texto é de interpretação aberta e livre,
cada pessoa interpreta de maneira diferente de acordo com as suas vivências. No
meu caso, levei a sua interpretação para a minha preocupação face à utilização
da inteligência artificial na arte. Ou seja, a escuridão é descrita como algo
pesado e negativo, uma ausência de luz que pode levar a momentos de preocupação
e desespero; liguei a escuridão ao facto da IA estar a “ameaçar” o artista e os
seus trabalhos, juntamente com os seus usos incorretos neste mesmo âmbito. No
entanto, a escuridão permite-nos apreciar e a compreender melhor a luz (os bons
usos da IA na arte). Na frase “nós não vemos as coisas como elas são, mas sim
como as queremos ver”, vejo a minha visão negativa relativamente ao uso da IA
na arte, como artista digital, só via pessoas a usá-la de maneira incorreta e
não abria chances para os seus usos mais diversificados (como a Maria usou na
sua arte, por exemplo). Portanto, a escolha de continuar a repudiar a IA na
arte (a escuridão) ou de a abraçar e procurar maneiras conscientes e corretas
de a usar (a luz) é uma decisão minha.
“Se quiseres
que as coisas mudem, muda a tua perspetiva” esta frase foi uma abertura de
portas para mim, ao ver esta performance e em como a inteligência artificial
foi usada, a minha perspetiva mudou e comecei a aceitar mais a utilização desta
tecnologia em certos casos. Enquanto muitas vezes me deparo com exemplos
errados da incorporação da IA na arte, esta performance revela uma utilização
da mesma de maneira consciente e pensada, é o exemplo perfeito em como a
inteligência artificial pode ser usada a favor da arte, demonstrando como a
fusão entre a criatividade humana e as novas tecnologias podem gerar resultados
surpreendentes.
A Maria e o seu eu tecnológico
dançavam harmoniosamente, exalando fluidez em cada movimento ao som de uma
música suave.
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