Twenty Two Less Two, de Michelangelo Pistoletto
Na cerimónia de abertura da Bienal de Veneza de 2009, Michelangelo Pistoletto apresentou uma performance na sua instalação Twenty-Two Less Two. Ao longo das paredes de uma grande sala situada no início do percurso pelo Arsenale, foram colocados 22 grandes espelhos de 3 por 2 metros perante uma multidão de visitantes e fotógrafos que registavam a ação e que, por sua vez, se viam reflectidos nos espelhos. Pistoletto começou então a bater e a estilhaçar os espelhos com um grande martelo, criando grandes buracos negros de diferentes formas nas suas superfícies. A perspectiva de quem o observa mudou a partir do momento em que os espelhos eram partidos com o golpe do martelo. O som e a visualidade entraram em jogo. Uma vez que com o martelo, o artista retira da obra o reflexo do espectador ao criar estas “fendas” que não são nada mais nada menos que buracos vazios, negros, com formas.
A relação da performance com o ato de pintar são explícitas. Numa tela o pintor acrescenta a mancha de tinta, aqui, Michelangelo está também a pintar, perfurando a tela. As formas que constrói não são com um pincel mas com um martelo. Para o espectador, o seu reflexo começa a ser coberto por uma mancha negra. No contexto italiano da Arte Povera dos anos 60 e sobretudo desde o surgimento da obra urinol de Duchamp, "é fácil jogar com a identidade entre realidade-objecto e arte-objecto. Uma 'coisa' não é arte, a ideia dessa mesma 'coisa' pode ser arte.”1 (...) Um conceito válido, também, no caso de uma pintura que representa o seu reverso. “2
Michelangelo Pistoletto acredita que a primeira experiência figurativa real do homem é o reconhecimento da sua própria imagem no espelho: a ficção que mais se aproxima da realidade. Mas que não demora muito para que o reflexo comece a desenvolver as mesmas incógnitas, as mesmas perguntas e os mesmos problemas que a própria realidade."Na pintura de espelho temos uma imagem fotográfica fixa, que não muda, mas que coexiste com o presente em contínua mudança. [...] Em Veneza o espelho estava só, sem figura fixa, isto é, sem memória, um presente que se expandia ad infinitum. Este presente precisava de memória. Ao "esmagar" o espelho, introduzi nele um elemento, o preto que estava atrás. Este assumiu instantaneamente uma forma fixa que tinha o mesmo valor que a fotografia. A obra documenta um ato que foi o presente e que permanece como memória: uma fotografia gestual."
No final da ação, os espelhos e os pedaços partidos que caíram no chão foram deixados em exposição como uma instalação. A relação que se criou em cada espelho partido entre a superfície reflectora remanescente e a superfície negra produzida pela quebra propôs desafiar a dinâmica entre uma imagem (refletida) e imagem real.
1 PISTOLETTO, Michelangelo. I plexiglass. Turin: Galleria Sperone, 1964
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