Em A Ronda da Noite de Peter Greenaway, o objeto primordial é o quadro do mesmo
nome pintado por Rembrandt. Apesar de ter sido pintado numa era especifica, o tema
que ali é representado é muito mais elevado que qualquer período histórico. O filme é
teatro apresentado como cinema, quebrando essa barreira espectador/ecrã, dando a
ilusão que estamos ao vivo com os personagens, não é ficção absorvente o suficiente
para nos perdermos no meio da história, continuamos com um pé em tempo real e outro
dentro do filme. Essa inexistência de uma separação mostra-se nos cenários: a cama
que é arrastada para diferentes divisões, o telhado onde Rembrant conversa com
Marieke e até o quarto que vemos transformar-se em espaços distintos que mantêm as
mesmas paredes, mudando apenas os objetos. O efeito é propositado para que
mantenhamos sempre uma autoconsciência, obrigando-nos a formular juízos de valor
sobre o que estamos a ver. Nunca perdemos a noção da nossa própria realidade, de
quem somos nem dos valores da nossa época e contexto. É como se o realizador
quisesse que olhássemos os eventos do filme à luz do meio envolvente e daquilo que são
as características do mundo atual. [context, context, context] E essa mistura cria em si
própria uma outra dimensão. Tal como o pintor molda os aspectos formais da tela para
transmitir certas mensagens ou apreciações sobre os indivíduos que retrata, também nós
o fazemos com a ficção. [maybe the painter wanted you to say that.] Esta está sujeita a
outras interpretações e entendimentos condicionados pelo contexto ou falta dele. Para
conhecer verdadeiramente o quadro seria necessário conhecer a milícia de Amesterdão;
também para conhecer a ficção é preciso conhecer a realidade, o contexto histórico. [the
context as always is rappidly going to disappear even if they understood it in the first place] Daí
que a nossa percepção de um mesmo acontecimento difira consoante a informação que
temos e procuramos ter sobre ele. Numa das cenas iniciais, alguns personagens
passeiam pelo corredor ladeado de pinturas e à medida que as vão comentando
Rembrandt destaca veemente a subjetividade do artista. A principal ferramenta de um
"pintor" não é o objeto com que desenha mas os "olhos" com que vê o que desenha e a
forma como transforma o que vê. [he’s to blame, he’s the producer] O pintor é cego quando
esquece as repercussões que a ficção pode gerar na realidade circundante. Por outro
lado, a perda da percepção implica ser incapaz de pintar ou tecer estes cenários fictícios.
A cegueira impede que o pintor seja pintor pois não consegue apreender. Quando, no
final, Rembrandt se torna invisual percebemos que esta cegueira é metafórica [miles and
miles of painted darkness] e, como tal, invoca uma questão: o que são a realidade ou a
ficção sem a percepção? A primeira é intrinsecamente um entrelaçar de percepções, nada é imparcial, nenhuma história exclui dela o alguém que conta. [you have tried to
pretend that these are real people] Tudo parte de uma perspectiva, achar que a pintura é fiel
à realidade porque se retratam formas que reconhecemos é uma falsidade. [so dishonest
that it is not a painting at all, (...) it denies being a painting, it is a world of the theatre] Pensar
que podemos reconstruir a realidade do passado através da arte, algo inerentemente
pessoal, é portanto uma noção incorreta. A pintura é percepção, é um palco. [you have
made a frozen moment of theatre and at the theatre all things are possible] O pintor põe na tela o
seu espírito crítico e as suas convicções, o pintor cria ficções a partir da seu
entendimento da realidade. [Are you a gentleman? / If I’m not, I can paint any man to look like a
gentleman]
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