“The future is just a kind of past that hasn‘t happened yet.”
Bruce Sterling
Como parte da
secção Da Terra á Lua na última edição do Docslisboa’16, foi estreado o
documentário Cinema Futures de Michael Palm, que refere-se à mudança das fitas
de celuloide ao cinema digital. Este filme ensaio, questiona sobre as maneiras
em que os filmes tem uma nova vida no ecrã através do cinema digital, mas
focalizando-se sobre os paradigmas, perdas e desafios a enfrentar nessa
transição e que deixa a época do celuloide na história. A pergunta fundamental
é sobre os arquivos do cinema, aliás do futuro do material que se constrói
digitalmente no presente, porque Palm assinala que o arquivamento influencia
significativamente nossa percepção do passado, mas também induz uma noção do
futuro.
O documentário
estrutura-se em 7 episódios que desenvolvem temas como a morte da película, sua
materialidade, a preservação, o dilema digital, analisado a partir de
entrevistas a diretores, restauradores, historiadores, entre outros, mesmo
através de fragmentos de arquivos cinematográficos e poéticas sequências
associadas pela narração do diretor em voz-off.
Uma
das cenas mostra um operador de um antigo projetor, manipulando a fita em
celuloide de 70mm do clássico Lawrence de Arabia (1962). Os longos metros da
película percorrem uma complexa rota na sala de projeção em uma delicada
sincronia necessário para o filme avançar corretamente. A preparação da fita
termina com o início do filme enquanto o público expectante percebe os
primeiros créditos misturados com a extraordinária trilha sonora.
A
cena remete-se a uma outra época: o cinema que nasce a partir duma máquina que
permitia ver imagens em sequencia, onde a experiência da projeção correspondia
a uma outra materialidade e a outro tipo de industria cinematográfica, que
mudou não só seus dispositivos mas sua circulação e percepção. É de fato, pela
fortíssima relação da industria com o desenvolvimento tecnológico da produção
de imagens que o cinema virou também á virtualidade.
Este tipo de questões sobre a imagem são próprios da obra
de Michael Palm onde problematiza as técnicas da observador numa época de
vigilância e controle, trazidos em documentários como Low Definition Control
(2011) y Laws of Physics (2009) que como se fossem filmes de ciência ficção, já
apresentavam pequenos presságios sobre a virtualidade. Como um verdadeiro
conhecedor da teoria e história do cinema, no filme Cinema Futures retoma a
revolução digital para plantear a questão sobre qual vai ser o papel dos
arquivos em termos de conservação do material digital e o quê vai acontecer com
o património cinematográfico.
O último documentário de Warner Herzog: Lo and Behold,
Reveries of the Connected World (também estreado no Dosclisboa’16), tem grandes
conexões com as ideias do presente e do futuro na era digital e nas maneiras em
que nós reagimos a partir da evolução da internet. Assim como os paradigmas que
surgiram no século XIX na chegada da fotografia, estos dois filmes sugerem
reflexões sobre o presente e futuro da humanidade, com a grande diferença de
que a atualidade é a emergência de um século de múltiplos transições industriais,
tecnológicas e sociais, onde os dispositivos continuam a se transformar tão
súbita e pressurosamente que qualquer reflexão parece precisar uma atualização
em quanto é postulada.
Cinema Futures consegue encadear estas ideias com a
memória audiovisual ao propor ligações com a preservação de arquivos de peças
que tem o risco de não ser consultadas se no se salvam do estrago, se não
recebem a conservação própria dos patrimônios culturais. São fascinantes os
processos de restauro que o documentário regista no George Eastman Museum,
embora deixa-nós com a pavorosa melancolia sobre os arquivos que não poderão
ser restaurados, que podem-se perder pela natureza perecível do material
digital, e pelos milhares de arquivos que fogem da nossa memória.
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