quarta-feira, 30 de novembro de 2016

O PAPEL DOS ARQUIVOS NA REVOLUÇÃO DIGITAL


“The future is just a kind of past that hasn‘t happened yet.”
Bruce Sterling
 

Como parte da secção Da Terra á Lua na última edição do Docslisboa’16, foi estreado o documentário Cinema Futures de Michael Palm, que refere-se à mudança das fitas de celuloide ao cinema digital. Este filme ensaio, questiona sobre as maneiras em que os filmes tem uma nova vida no ecrã através do cinema digital, mas focalizando-se sobre os paradigmas, perdas e desafios a enfrentar nessa transição e que deixa a época do celuloide na história. A pergunta fundamental é sobre os arquivos do cinema, aliás do futuro do material que se constrói digitalmente no presente, porque Palm assinala que o arquivamento influencia significativamente nossa percepção do passado, mas também induz uma noção do futuro.

O documentário estrutura-se em 7 episódios que desenvolvem temas como a morte da película, sua materialidade, a preservação, o dilema digital, analisado a partir de entrevistas a diretores, restauradores, historiadores, entre outros, mesmo através de fragmentos de arquivos cinematográficos e poéticas sequências associadas pela narração do diretor em voz-off.

Uma das cenas mostra um operador de um antigo projetor, manipulando a fita em celuloide de 70mm do clássico Lawrence de Arabia (1962). Os longos metros da película percorrem uma complexa rota na sala de projeção em uma delicada sincronia necessário para o filme avançar corretamente. A preparação da fita termina com o início do filme enquanto o público expectante percebe os primeiros créditos misturados com a extraordinária trilha sonora.



A cena remete-se a uma outra época: o cinema que nasce a partir duma máquina que permitia ver imagens em sequencia, onde a experiência da projeção correspondia a uma outra materialidade e a outro tipo de industria cinematográfica, que mudou não só seus dispositivos mas sua circulação e percepção. É de fato, pela fortíssima relação da industria com o desenvolvimento tecnológico da produção de imagens que o cinema virou também á virtualidade.
Este tipo de questões sobre a imagem são próprios da obra de Michael Palm onde problematiza as técnicas da observador numa época de vigilância e controle, trazidos em documentários como Low Definition Control (2011) y Laws of Physics (2009) que como se fossem filmes de ciência ficção, já apresentavam pequenos presságios sobre a virtualidade. Como um verdadeiro conhecedor da teoria e história do cinema, no filme Cinema Futures retoma a revolução digital para plantear a questão sobre qual vai ser o papel dos arquivos em termos de conservação do material digital e o quê vai acontecer com o património cinematográfico.

O último documentário de Warner Herzog: Lo and Behold, Reveries of the Connected World (também estreado no Dosclisboa’16), tem grandes conexões com as ideias do presente e do futuro na era digital e nas maneiras em que nós reagimos a partir da evolução da internet. Assim como os paradigmas que surgiram no século XIX na chegada da fotografia, estos dois filmes sugerem reflexões sobre o presente e futuro da humanidade, com a grande diferença de que a atualidade é a emergência de um século de múltiplos transições industriais, tecnológicas e sociais, onde os dispositivos continuam a se transformar tão súbita e pressurosamente que qualquer reflexão parece precisar uma atualização em quanto é postulada.



Cinema Futures consegue encadear estas ideias com a memória audiovisual ao propor ligações com a preservação de arquivos de peças que tem o risco de não ser consultadas se no se salvam do estrago, se não recebem a conservação própria dos patrimônios culturais. São fascinantes os processos de restauro que o documentário regista no George Eastman Museum, embora deixa-nós com a pavorosa melancolia sobre os arquivos que não poderão ser restaurados, que podem-se perder pela natureza perecível do material digital, e pelos milhares de arquivos que fogem da nossa memória.

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