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A tipografia é um campo que,
por sua própria natureza, atiça a curiosidade intelectual daqueles de que dela
se ocupam. Seu funcionamento enquanto tecnologia é notável, mas sua relação com
a linguagem é ainda mais fascinante.
Quando iniciamos nossa
formação como designers, aprendemos que a tipografia é a manifestação visual da
linguagem. Esta definição é uma síntese surgida de uma longa tradição da
tipografia para texto imersivo, do tipo encontrada em livros, mas não é
suficiente.
Como muitas vezes é difícil definir precisamente os campos de atuação dos
designers e artistas, não demora-se muito a buscar definições e parte-se logo
para a projetação. Mas, é útil investigar um pouco mais qual é a natureza
daquilo que fazemos, tanto para contribuirmos na produção de conhecimento,
quanto para enriquecermos nosso campo de trabalho.
Se partimos da definição de
tipografia como o método de reprodução sistematizado e mecanizado da escrita, e
sendo a escrita o registro visual da linguagem, por fim, sendo a linguagem um
sistema de signos. Notamos que temos a sobreposição de sistemas de representação
que lidam em última instância com o signo.
Tomemos Saussure como um
primeiro exemplo de como refletir sobre a tipografia pode nos levar a outras
questões. Em Saussure o conceito de signo é tudo aquilo que pode representar ou
apontar para outra coisa. Alguns signos são naturais, por exemplo, fumaça e
fogo. Se vejo fumaça sei que há, em algum lugar, fogo, não preciso entrar em
contato com o fogo em si para sabe-lo.
Mas, nós nos utilizamos muito
mais de signos que não são naturais, utilizamo-nos de signos linguísticos, que
são arbitrários. Se conto uma história e pronuncio a palavra “casa”, não há lei
natural que me obrigue a fazê-lo, existem os sinônimos para isto, e o conceito
de “casa” é dito de diversas maneiras em diversas línguas.
Notamos que a língua é um
fenômeno natural, mas a escrita não o é, e a tipografia muito menos. Não se tem
notícia de sociedade humana sem linguagem. Já a escrita, ao que se sabe, surgiu
em três momentos independentes da História humana: na antiga Mesopotâmia, na
antiga China e na antiga América Central, daí se espalhando para outras
sociedades. Até hoje há incontáveis línguas ágrafas. A tipografia, por sua vez,
é uma invenção muito mais recente, surgiu na China do século XI d.C. e posteriormente
na Alemanha do século XV d.C.
Contudo, os signos mais
antigos dos sistemas de escrita eram em realidade pictogramas, representações
gráficas simplificadas de objetos do mundo material. Somente muito
posteriormente passaram a significar fonemas, sílabas e/ou conceitos e terem
formas mais abstratas.
A primeira relação que se
revela é uma carta complementaridade inicial, em que a língua é natural e seus
signos são convencionais, mas a escrita é convencional e seus signos naturais. Talvez
por isto a escrita não havia ganhado nestas sociedades antigas o valor
praticamente hegemônico que ela viria a ter.
Podemos nos questionar se
este não é um processo evolutivo análogo ao que ocorreu com a própria
linguagem, em que inicialmente os grupos humanos comunicavam-se com gestos,
grunhidos e proto-fonemas, indicando desejos como comida, proteção, aviso,
socorro etc. de modo mais direto.
Esta última divagação é
apenas um apontamento da direção que a reflexão sobre a natureza da tipografia
pode nos levar, pois apesar de ser uma invenção notável, a tipografia e a
escrita existem em função de outras realidades, em última instância, a
tipografia raramente é um fim em si mesmo, ela existe em função da comunicação.
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Referências
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Referências
SAUSSURE, F. Curso de
Lingüística Geral. 26 ed. São Paulo: Cultrix, 2004.
BRINGHURST, R. Voices,
language, and scripts around the globe in
Language culture type: international type design in the age of Unicode. ed. Berry, John D. New York, N.Y.: ATypI, 2002. |
COULMAS, F. Writing Systems: An Introduction to Their Linguistic Analysis (Cambridge Textbooks in Linguistics). Cambridge: Cambridge University Press, 2002.
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