À porta, no Porto, rua dos
caldeireiros, de frente para “Uma certa falta de coerência”. Conhecido como
Pirata assina El Pirata e a exposição foi “Kontrabando 1 produção Pirata”, de
04 a 25 de Novembro.
Pedro Pirata vive em condições
precárias, é um recolector. Anda pela cidade. Vive do que angaria na rua, dos
objectos que recolhe e transforma como acto de sobrevivência. O que faz inclui
o vício. Vende o que reúne, para comprar
e suportar a vida nesse espaço, onde o fazer implica destruição. Habita
num espaço possível. Convive com fragmentos de acasos que une para encontrar
sentidos.
Os artistas André Sousa e Mauro
Cerqueira responsáveis pelo espaço “Uma certa falta de coerência” desta vez, em
simbiose com os feitos do Pirata, procuram encontrar sentido com esta proposta de
exposição. Questionam a ideia de artista ou de comunidade artística e a forma como
uma interroga a outra, propondo num movimento naif, uma orientação intelectualizada de retorno à génese do próprio
espaço, à interrogação, ao auto-questionamento. Propõem o Pedro enquanto
habitante do espaço, como lugar que o altera e pressupõe.
“Uma certa falta de coerência” é
um espaço independente fundado neste modelo de teste às próprias condições do
lugar e de quem o organiza. Embora num tempo sirva de abrigo ao Pirata, o
questionamento entre quem faz e organiza e quem organiza e faz, prevalece a
qualquer tipo de acção social. A exposição afirma-se como sendo pensada em prol
desse questionamento e não de uma serventia. Sobre os que servem, André Sousa e
Mauro Cerqueira, este espaço desloca-se para eles mesmos, são receptivos a apoios exteriores mas sobrevivem essencialmente num regime de
auto-gestão, distantes das instituições que os albergam enquanto fazedores de
arte.
“Kontrabando 1 produção Pirata” parece sugerir uma crítica à
frenética condição de recurso a financiamentos exteriores justificada pelos que
adequam o desígnio da atividade artística ao apelo de serviço à comunidade. O
carácter aparentemente inclusivista desta exposição é efémero: surge como
ressonância do pulsar dos tempos. O artificio de inclusão do El Pirata no
elenco da programação de exposições é uma nota de eventual dissonância que poderá evidenciar o artificio de candidaturas a subsídios
justificados por indicadores europeus. É um evento esporádico que parece “picar-nos”
com a crueza da realidade social e da condição de artista .
Lembro-me do cheiro proeminente
da exposição. Senti a estranheza de mim pelo cheiro que se colava ao percorrer o
que me era dado a observar. Tudo parecia possuir um cheiro que contribuía para
um outro cheiro global. Quando estava de saída da exposição, o Pirata ofereceu
desenhos. Aceitei um e senti que tinha acabado de contribuir para esta
efemeridade de um cheiro, que não
é contínuo, que acontece, também ele, de forma esporádica.
O artista precisa tanto daquela
casa como da exposição para habitar. Definitivamente não se dão casas às pessoas e as pessoas
tem que ter sítio para morar. O trabalho de Pirata parece residir na arte e
engenho de abrigar o próprio corpo. Esta exposição
evidencia questionamento em relação à interacção da arte com a comunidade, com
o quotidiano das cidades e das pessoas que a habitam mas parece não servir parte da comunidade questionada. Nesta
exposição o espaço escolhido mostra-se fisicamente pela identidade com o
trabalho do artista que o habita, de forma especifica, revelando a
intencionalidade dos programadores / artistas.
Copos de vidro e garrafas
penduradas, seringas, desenhos, frases, colagens, recortes, formas de alumínio
pelo chão ou compostas pela parede, papeis, sprays e o cheiro. Percorri a
exposição e na segunda sala à entrada estava um livro no chão entre a ombreira
da porta e uma planta, “Princípios gerais de direito – uma perspectiva politológica” senti-lhe logo o cheiro. Esta sala precedia uma outra vazia,
com o chão coberto de folhas. Estava escuro, Outono, as folhas caíram, foram
coleccionadas e colocadas de forma a fazerem outro chão. O tempo passou como
nós sobre o manto castanho amarelado do chão para outra das salas. Ali o rodapé
era definido por garrafas de alumínio e tantas outras coisas pelo chão, no
tecto, a pairar.
Persiste a interacção artista/
obra / público, fecha-se para reabilitar a obra como vida embora tanto a obra
como a vida pareçam suspensas à espera do acaso, como previsibilidade.
Dia dois de Dezembro o artista
Bruno Cidra procura abrigo com “uma certa falta de coerência” e dá continuidade à programação do
espaço número 7 da rua dos Caldeireiros.
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