domingo, 9 de novembro de 2025

O DESENCANTO EM CONCRETO: VISUALIDADES DO BRUTALISMO

 O movimento brutalista surgiu na Europa na segunda metade do século XX. Embora herdeiro do modernismo, sua expressão se distingue pela brutalidade, pelo uso do concreto aparente e pela composição de formas geométricas maciças. A expressão “brutalismo”, do francês “béton brut”, ou “concreto cru”, já indica uma mudança de espírito: se o modernismo apostava na transparência, na racionalidade e na ideia de progresso, o brutalismo revela o peso, a opacidade e a dureza de um mundo profundamente marcado pela violência e pela desilusão.




Esse movimento emerge de um contexto histórico devastado. Duas Guerras Mundiais, a bomba atômica, a Guerra Fria e o terror constante de uma possível destruição nuclear formaram o pano de fundo de uma geração que já não acreditava nas promessas otimistas da virada do século XIX para o XX. Durante o período que antecedeu a Primeira Guerra Mundial, conhecido como a “Belle Époque”, predominava uma crença no avanço contínuo da técnica e da ciência como motores de um futuro promissor. Após os horrores da Guerra, a destruição de cidades e a crise habitacional, surge a primeira onda modernista que, ainda assim, via na racionalização crescente da arquitetura a possibilidade de reconstruir o mundo sobre bases mais funcionais. O brutalismo, ao contrário, se relaciona com o desencanto.

O filme “O Brutalista” (2024), do diretor Brady Corbet, sintetiza esse espírito. A trama acompanha a trajetória de László Tóth, um arquiteto imigrante do Leste Europeu interpretado por Adrien Brody que, após sobreviver aos horrores do Holocausto, tenta reconstruir sua vida nos Estados Unidos. Inspirado em figuras reais, o protagonista enfrenta a hipocrisia e a indiferença da elite capitalista estadunidense, que transforma a arte e a arquitetura em instrumentos de status e especulação. A experiência com a barbárie e com o vazio moral do pós-guerra o leva a abandonar o modernismo de “paredes brancas” e a adotar o concreto armado aparente e projetar formas imponentes e grandiosas e espaços que ora são muito comprimidos, ora amplos e generosos demais, com um controle meticuloso da luz natural: artifícios que expressam desconfiança, medo, horror e desconforto, traduzindo o estado das coisas e da mentalidade desse tempo.




Nesse sentido, “O Brutalista" é uma reflexão sobre o que resta depois da destruição e como é possível criar numa conjuntura desolada. No filme, a arquitetura brutalista torna-se também uma linguagem de resistência, uma forma de traduzir em matéria a tensão entre o desejo do capital, encarnado no personagem ganancioso de Guy Pearce, e a repressão sofrida por László Tóth, colocado em posição subalterna por sua condição de imigrante. As superfícies ásperas e os volumes opressivos falam sobre medo, força e sobre o esforço de construir sentido em meio a desilusão. Assim, o filme revela o arquiteto como figura política, alguém que, ao projetar, também interpreta o seu tempo e toma posição diante dele.



Por isso, o brutalismo pode ser compreendido como um gesto que alinha ética e estética, refletindo uma visão questionadora sobre os processos da modernidade e instigando o público, assim como o mercado imobiliário, a repensar o mundo por uma nova perspectiva. A arquitetura brutalista recusa o status quo, a mentalidade consumista e materialista do pós-Guerra e a “boa arquitetura” do capital: sempre confortável, bela e submissa aos desejos e necessidades do homem capitalista.

Sob essa perspectiva, o brutalismo nos ensina a ver a arquitetura de outro modo. O concreto não é apenas matéria, mas uma imagem que carrega narrativas, conflitos e críticas. Assim, o brutalismo ultrapassa o campo da arquitetura e se afirma como uma forma de pensar a potencialidade do visível na construção do real, a partir de uma estética que não busca harmonia, beleza ou funcionalidade, mas questionamento.