Nascida e criada na Síria, Kinda Ghannoum recorda a sua infância como criativa impulsionada pela sua família artística. Os seus primeiros anos foram marcados pela arte árabe, arquitetura e caligrafia, o que a levou a estudar arquitetura na Universidade de Damasco. Com um especial amor pela arte e design em paralelo com o seu curso foi só quando participou no Startup Weekend (um programa de workshops) que surgiu o interesse pelo design gráfico. Tomando as rédeas da sua carreira, a jovem redirecionou o seu foco para o design gráfico e branding, incorporando elementos de tipografia árabe, padrões e ornamentos geométricos na sua prática criativa.
No ano de 2020, Kinda Ghannoum, uma licenciada em arquitetura que queria mudar a sua carreira para o design gráfico assumiu um desafio pessoal para explorar a fundo o mundo do design sírio. Como designer gráfica de ascendência sírio-polaca com experiência em design gráfico árabe, procurou obter uma compreensão mais aprofundada dos elementos de design exclusivos originários da Síria e dos designers que desempenharam papéis fundamentais na formação da sua visão cultural. No entanto, a escassez e as limitações de informações disponíveis sobre o assunto levaram Kinda a embarcar numa missão para tornar a história do design sírio mais acessível ao público. Reconhecendo os esforços que a tarefa exigia, Kinda montou uma equipa compacta, mas ágil, composta por Sally Alassafen e Hala Al Afsaa, para documentar e contar a história do design sírio, dando origem à criação do Syrian Design Archive.
Syrian Design Archive: Syrian Arab Airlines (1969) Encontrado por Gklavas |
Kinda menciona: "Temos nomes de grandes artistas nas belas artes, mas qualquer estudante que queira explorar informações sobre designers sírios não encontrará nada." Para contornar isso, o arquivo regista diversos tipos de produções gráficas projetadas por designers sírios - conhecimento que pode ter sido perdido na guerra, juntamente com muitos outros dados e material culturalmente rico. Bilhetes, cartazes, capas de revistas e livros que foram guardados e por sua vez, montam uma imagem da trajetória gráfica do país. A designer acrescenta: "Em geral, as iniciativas de documentação geralmente vêm de uma fonte externa ou do esforço pessoal do próprio artista. Existem iniciativas de preservação de arquivo para a Síria, mas são incompletas e não estão disponíveis para todos. A nossa missão é criar um lugar onde as pessoas possam encontrar todas as informações e história sobre a formação do design gráfico sírio."
Syrian Design Archive: Tajroubati Alshariye, Abdel Wahab Al-Bayyat (1968). Design de Abdulkader Arnaout |
Syrian Design Archive: Lelia waheda, Colette Khoury (1961) Design de Abdulkader Arnaout |
Syrian Design Archive: Poster for the Kazakhstan Classical Dance Group, 33rd International Fair of Damascus (1986). Design de Abdulkader Arnaut. |
Juntas, Kinda e duas amigas co-fundadoras do projeto muniram-se das respectivas áreas de interesse para contribuir para o Syrian Design Archive. "O nosso principal objetivo é partilhar a riqueza encontrada nestas diversas formas de arte", diz Sally, co-fundadora. "Para nós, a melhor arte leva a ver o mundo através dos olhos de outra pessoa." Para qualquer pessoa com educação em design ocidental, o Syrian Design Archive faz exatamente isso. Embora não sendo capaz de ler o elegante texto árabe, qualquer pessoa pode apreciar a variação desenhada à mão do script elegantemente escrito e as ligações alongadas com um toque estilístico. Em alguns casos, o script é alterado para indicar um símbolo emotivo, enquanto noutros designs, ascendentes e terminações são exagerados para realçar o ritmo visual de uma palavra. A poesia visual é intensificada pelas suas características caligráficas.
A escrita árabe é o segundo sistema de escrita mais amplamente utilizado no mundo e o terceiro mais utilizado se falarmos em número(s) de usuários da World Wide Web, por exemplo, depois dos scripts latino e chinês. É lido da direita para a esquerda, o que afeta imediatamente a compreensão do espectador de uma imagem. Para quem está habituado a ler o alfabeto latino, entendemos o texto, e até a imagem, virando da esquerda para a direita. No entanto, quando se trata de entender as obras de arte neste arquivo, precisamos de fazer o que não estamos habituados e olhar na direção oposta. A construção inteira das imagens no arquivo é feita para ser compreendida da direita para a esquerda, o que torna então este processo de descoberta numa jornada lúdica, como crianças a brincar a tentar decifrar algo ou uma amalgação abstrata de formas. A História é ao contrário do que poderíamos esperar, consequentemente, dizendo algo totalmente oposto ao que podíamos ter imaginado.
Syrian Design Archive: Palestinian Literature Series, New Culture House (1989-1991). Design de Mouneer Alshaarani |
Numa outra parte do arquivo, somos conduzidos por trabalhos de Mouneer Al Shaarani para a Exposição de Arte Árabe de 2001 em Apoio à Intifada (A Resistência Palestiniana). A tipografia apresentada deriva de um estilo criado pelo próprio, chamado caligrafia Kairouani ou caligrafia Kufi Kairouani, inspirado num dos variados estilos de caligrafia islâmica. Hala observa: "Nestes posters, percebemos que os elementos caligráficos predominam na formação do espaço negativo." Utilizando as cores da bandeira da Palestina, a caligrafia apresenta a expressão árabe "Ma'akoum", que significa "estamos aqui contigo". A afirmação está centralizada estrategicamente, transmitindo uma mensagem poderosa de solidariedade, unindo outras nações árabes à resistência palestiniana através de uma composição gráfica. Sally acrescenta: "Na nossa perspectiva, este poster transmitiu de maneira eficaz uma mensagem clara e impactante de maneira equilibrada."
Arquivos como este têm o incrível propósito de serem exemplos de determinação de cidadãos comuns que, preocupados em preservar a sua cultura para a posteridade, dedicam as suas vidas à investigação e contribuição para a história de arte. Demonstram ainda ser de extrema importância para uma visão menos eurocêntrica da arte e do design, e reforçam a importância da comunicação visual na era da informação.
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