Saindo um pouco da linha de pensamento que tenho vindo a
seguir, ora mostrar um livro de artista ora uma fonte tipográfica, nesta
publicação decidi arriscar por um caminho menos convencional. Pesquisei por
álbuns de música, de diversos artistas, de forma a encontrar um dos grupos da
classificação estilística de Maximilien Vox, refiro-me então ao grupo das Scriptes
(ou cursivas).
De letras elaboradas à mão levantada, as scriptes costumam
mostrar escritas manuais informais, sem um padrão específico. Aludem ao cursivo
da escrita de cada um, e com cursivo entenda-se caligrafia.
São exemplos deste tipo: Brush, Kauffman, Balloon, Mistral, Chalk Line e Freestyle Script.
Vamos então observar exemplos deste grupo 9, estipulado por Maximilien Vox de Scriptes em diversas capas de álbuns musicais.
1º exemplo
Off The Wall, de
Michael Jackson
Sendo o quinto álbum de estúdio do artista, mas o primeiro a
solo após o seu sucesso com os The
Jacksons, lançado a 10 de agosto de 1979, Michael Jackson optou por
estética cursiva, aquando de escrever o título do seu novo álbum. Incorpora-se
bem ter sido escrito numa parede, até pelo título do álbum, com uma espécie de
giz, que nos relembra a escrita nos quadros da escola (dimensão intimista, que
nos aproxima). Este pequeno pormenor, juntamente às vestes usadas pelo artista,
refletem tanto a juventude como a maturidade de Michael Jackson, que na altura
tinha os seus 21 anos.
O título do álbum foi concebido por Rod Temperton (músico e
compositor britânico) que escreveu a faixa-título.
2º exemplo
good kid, m.A.A.d city, de Kendrick Lamar
Trago-vos este exemplo muito claro de uma letra desenhada à
mão levantada, um pouco confusa e quase infantil. Este é o segundo álbum de
estúdio de Kendrick Lamar, lançado a 22 de outubro de 2012. A caligrafia da
capa foi concebida por um colega da TDE (Top Dawg Entertainment – gravadora
independente americana), Schoolboy Q.
O que me fascina em particular nas letras Scriptes, é mesmo
esta intimidade ou proximidade a alguém, pois a escrita é uma característica
identificativa de uma pessoa. O pormenor de o álbum usar uma polaroid como capa,
tirada em 1991, torna-o ainda mais intimista e original, parece uma fotografia
tirada e enviada a um amigo, onde o remetente nos presenteia com um pequeno
apontamento (que neste caso se trata do título do álbum e o nome do autor).
3º exemplo
Salad Days, de Mac DeMarco
Salad Days, álbum de estúdio lançado no dia 1 de
abril de 2015, escolhi-o apresentar pois pelo pormenor do “s”, na palavra Days.
Dá-nos a ideia que foi rasurado ou o artista quis esboçar um pequeno desenho na
finalização do nome. Não seria tão fácil de entranhar estes acasos se usássemos
por exemplo uma Futura (pertencente ao grupo das Linéales) ou uma Bodoni (grupo das Didones).
Através da letra
cursiva é possível obter resultados mais inesperados, criando composições se
assim quisermos entender. Passo a explicar, refiro-me ao alinhamento do texto.
Enquanto, normalmente o alinhamento está padronizado, seja justificado à
esquerda ou distribuído de forma uniforme, através de um tipo de letra Scripte,
este alinhamento pode tornar-se mais criativo (tal como acontece na capa deste
álbum), criando soluções inusitadas.
A tipografia é da
autoria de Stefan Marx, artista radicado em Berlim.
4º exemplo
Scary Monsters (and Super Creeps), de David Bowie
Álbum lançado em
1980, coloco em destaque a letra D, do nome próprio do artista. Reparemos no
escorrido, dá praticamente para sentir a tinta a escorrer do aparo ou pincel
usado para escrever, dando-lhe um sentido um tanto pictórico. Não pude deixar
de pensar em artistas onde escorridos de tinta são um elemento marcante nas
suas obras, como Jackson Pollock ou Hermann Nitsch, mas que agora não veem ao
acaso. A própria capa é uma pintura, e a letra cursiva foi muito bem inserida e
inovadora, a escrita que se contorce e o nome que é escrito de lado e depois de
pernas para o ar.
Edward Bell
(British Contemporary) foi o responsável pelo design da capa do álbum.
5º exemplo
The Wall, dos Pink Floyd
Finalizo esta
publicação, com o décimo primeiro álbum de estúdio da banda inglesa de rock
progressivo Pink Floyd, lançado em 30 de novembro de 1979.
A esta solução
gráfica, também não posso deixar de ligar à pintura, imaginemos pinceladas
fugazes e decisivas, é assim que imagino a pessoa responsável pelo título na
realização destas letras. Os pormenores das bolinhas como finalização de
algumas letras e até a falha no traço das letras W ou P, originam uma estética
muito própria e rebelde. Estas particularidades vão de encontro ao semblante da
banda, que se inserem num meio progressivo e psicadélico, as letras assumem um
pouco essa postura.
A capa e
contra-capa do álbum resultou da colaboração entre Roger Waters (integrante da
banda) e o designer e ilustrador britânico Gerald Scarfe. O design é
extremamente simples: uma parede branca feita de tijolos, sem qualquer texto à
exceção da informação relativa à editora discográfica e aos direitos de autor
do álbum, presentes com um tamanho reduzido na contracapa. No exterior, o álbum
é identificado apenas por um autocolante transparente na capa, que continha o
nome do álbum, juntamente com o nome da banda, escritos à mão pelo designer (em
edições posteriores do álbum, o lettering passou a ser impresso diretamente na
capa, abandonando o autocolante).
Normalmente os artistas seguem a via das letras fortes e de
espessura larga, de forma a destacar do seu nome artístico e o nome do álbum. Sou
da opinião que, ao optarmos antes por um tipo de letra scripte e tendo atenção
como conjugada à imagem que lhe serve de rosto para a capa do álbum, há um
leque maior de oportunidade para a criação e inovação de um resultado único.
Pois cada pessoa tem o seu traçar próprio de caligrafia - mais tremida, mais
firme, letras encavalitadas ou a seguir uma linha direita, entre outros. Não me
canso de reforçar o ponto da “intimidade”, uma letra “do dia a dia” ali
inscrita na capa, um apontamento que torna o produto ainda mais especial.
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