segunda-feira, 25 de novembro de 2019

Sunset Boulevard — Nostalgia e Confronto com a Realidade



Billy Wilder — Sunset Boulevard (1950)

Sunset Boulevard (“O crepúsculo dos Deuses” em português) serve de homenagem, ensaio crítico e dissecação do sistema cinematográfico. Billy Wilder colocou a história dentro de um cenário, o mais autêntico possível, recorrendo à atmosfera de Hollywood. Narrado por um homem morto, conta-nos a história de uma ex-estrela de cinema-mudo que recusa aceitar a sua realidade. 

Sunset Boulevard é um filme Roman à Clef, que obscurece as fronteiras entre ilusão e realidade. Através da sátira, não só visual mas também emocional, ele desfaz a nossa ilusão e revela a realidade corrupta e cruel. A ficção produz uma realidade e a realidade está mascarada de ficção.
“I could sense her eyes on me from those dark glasses...defying me not to like what I read.”
O filme é um reflexo da sociedade, presente e passado. Transforma-nos numa pessoa omnipresente durante o percurso de uma personagem e somos confrontados com uma sensação de empatia pela mesma. Estes sentimentos provocados pela ficção vão além dos frames de um filme. Como é que Billy Wilder consegue, durante o período todo do filme, fazer com que acreditemos na ilusão pura? À partida, muitos poucos de nós se iriam relacionar ou até mesmo identificar-se na figura da personagem principal Norma Desmond, sendo ela uma atriz de cinema-mudo (uma realidade da época e bastante distante) que está rodeada por espaços pouco iluminados, e recusa-se a acreditar que o seu reinado acabou, pronunciado pela quantidade de fotografias que tem espalhados pela casa e a ausência de fechaduras.

Um método para esta conexão são os mecanismos de metáforas que são capazes de nos proporcionar uma experiência realista. Quando vemos um cigarro, por exemplo, o sentido olfativo do nosso cérebro desperta. Apesar de não conseguirmos sentir o cheiro real, como estamos familiarizados com o mesmo, podemos evocar a nossa perceção de cheiro. Especialmente se a linguagem visual nos ajuda a recriar uma experiência. Somos facilmente capazes de nos identificarmos com personagens, devido à nossa perceção da realidade. Desde os cenários até às reflexões dos próprios atores, conseguimos tornar a nossa experiência de ficção em realidade.
“Hog-Eye… Turn that light where it belongs.”
Os espectadores são expostos a um sentimento nostálgico e uma saudade do passado que, apesar das mudanças do mundo cinematográfico e a inevitável passagem do tempo, continua a ser evidente na personagem de Norma Desmond. Assim, o filme torna-se intemporal, pois muitos dos seus temas e aspetos ainda estão presentes em grande parte da comunidade contemporânea.

Nostalgia tem como significado uma tristeza profunda causada por saudades e um estado melancólico causado pela falta de algo ou de alguém. Para nós, a memória é um instrumento essencial que funciona como um repositório de informação, não só do presente como também do passado. Na sociedade atual, é extremamente comum gerações (tanto novas como antigas) manterem uma sensação memória nostálgica. A memória possui autoridade sobre o ser humano, o que nos leva algumas vezes a relembrar o passado, idealizando-o. Gerações mais velhas optam por idealizar um período antigas das suas vidas, sejam bons ou maus, enquanto gerações mais novas têm uma memória nostálgica por um tempo que não viveram. 

O filme interpreta esta memória nostálgica como uma crítica voraz a uma Hollywood cruel e corrupta e fez com que esta assumisse um olhar responsável e honesto sobre a sua indústria, e o que se exige - especialmente quando assistimos ao colapso psicológico de uma mulher que está gravemente afetada pela decadência da sua carreira o que lhe provoca uma imensa angústia.

Tal como nós mantemos uma uma premissa nostálgica em relação à sociedade de hoje, Norma nunca aceita a realidade totalmente, preferindo viver na “ficção”. Rodeada do seu passado e juventude, ela tenta reviver o seu tempo de fama até à sua última cena, quando interpreta diante das tão desejadas câmaras a personagem que sonhava ser novamente. O filme é como um espelho, enfatizando o estado da indústria na época, das personalidades e dos espectadores. Ele retrata certos aspetos em que nos reconhecemos e existe alguma coisa que rapta temporariamente a nossa realidade para nos projectar naquela ficção.

Joe Gillis (William Holden) e Norma Desmond (Gloria Swanson) — Sunset Boulevard (1950)

É desta maneira que o realizador, Billy Wilder, usa o filme como um confronto com a realidade. Com um cruzamento entre as personagens reais (atores esquecidos no mundo cinematográfico de Hollywood) e a história (pouco) ficcional de Norma Desmond, facilmente nos questionamos sobre a verdade e isso significa questionar a nossa própria realidade. Ele significa nostalgia, confronto psicológico; significa aceitar as consequências. Sunset Boulevard significa, sobretudo, a vontade do confronto com a realidade.

“And I promise you I’ll never desert you again because after ‘Salome’ we’ll make another picture and another picture. You see, this is my life! It always will be! Nothing else! Just us, the cameras, and those wonderful people out there in the dark!... All right, Mr. DeMille, I’m ready for my close-up...”

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