sexta-feira, 8 de novembro de 2019

A escrita gráfica de Mira Schendel



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Mira Schendel é uma artista suíça nascida em 1919 e naturalizada brasileira em 1949. Viveu no Brasil até a sua morte, em 1988. Sua produção artística foi marcada pela experimentação constante em diversas técnicas e suportes (pintura, desenho, monotipia e escultura), por sua linguagem muito particular e por um profundo interesse pelo campo das investigações espirituais e filosóficas. As obras de Mira exploram, em sua maioria, a visualidade dos signos, sua materialidade no espaço, seus vestígios, bem como o caráter autoreflexivo e poético das escrituras visuais e dos signos linguísticos.  

No início dos anos de 1970 Mira Schendel produziu uma série de trabalhos – denominada “Datiloscritos” – a partir do uso de uma máquina para datilografar palavras, letras e sinais, combinados com inscrições manuais e outras interferências como a aplicação de letraset. Nessas composições, Mira usou do artifício da repetição de um mesmo signo ou letra em intervalos regulares, de modo a criar malhas com modulações de densidades diversas, verticais e horizontais, em diálogo com os espaços vazios do papel. Quando, através desse trabalho, a artista transforma as próprias letras em componentes de superfícies de natureza visual, o status de invisibilidade do suporte é desestabilizado, as áreas preenchidas com letras interagem entre si e simultaneamente com as partes brancas do papel, que mesmo vazias, têm potencial significativo e de grande importância na composição. Essa existência ativa do branco, em diálogo com as tramas de letras, enfraquece a dicotomia presente na relação entre o signo e o vazio. Vários “Datiloscritos” apresentam inscrições feitas pela própria artista sobre temas caros a ela, como por exemplo, a poluição ambiental e explosão demográfica.






Outro importante trabalho, no qual Mira Schendel dá continuidade às suas investigações acerca do potencial das letras para além de sua funcionalidade linguística é a série “Objetos gráficos”. Aqui vê-se a convergência entre os vários processos experimentados pela artista ao longo da sua trajetória: monotipias, letraset e caligrafia. Nessa série Mira trabalha a tessitura visual das letras e suas implicações sobre o transparente, usando como suportes o acrílico e o papel de arroz. Ao enxergar na transparência uma questão de simultaneidade compositiva, a artista aponta para novas relações entre o olhar e a temporalidade. Graças ao ajuntamento do antes, do agora e do depois num mesmo campo de visão, a perspectiva de apreensão linear dilui–se, o olhar do observador passa a abarcar todo o conteúdo da obra de uma só vez, atravessando desde a capa até a sua última folha.





Como uma extensão de suas pesquisas sobre transparência na série “Objetos gráficos”, Mira Schendel produziu uma uma outra série – denominada “Cadernos” – de livros compostos por folhas de acetato, papel branco ou transparente e encadernados com capas de papelão ou acrílico. Esses livros, em sua maioria, têm suas lâminas agrupadas por um único pino ou parafuso, fazendo com que o conjunto se estruture em torno de um eixo circular que permite às páginas serem folheadas pelo ato de girar. Mira subverte não apenas a lógica ocidental de leitura das letras e das palavras, da esquerda para direita e de cima para baixo, como também mostra que lógica pode determinar o que os signos representam na página. De uma maneira delicada e lúdica a artista reflete sobre como o ponto de vista é simplesmente isso: um ponto, dentre tantos outros existentes do lado do objeto ou do lado do observador.




Com seus cadernos fica claro que, mesmo a partir de estruturas tão lógicas como o círculo ou o alfabeto, o "sentido" é apenas mais um, entre uma infinidade de tantos outros sentidos possíveis. Constantemente no limiar entre visualidade e linguagem, Mira Schendel concedeu ao elemento verbal (fosse ele uma palavra ou a simples letra) completa liberdade, para que este assumisse simultaneamente sua identidade visual e semântica, nunca se fechando em uma coisa ou outra, mas sendo não-sendo sempre uma coisa e outra.


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