domingo, 10 de novembro de 2019

Nightwatching / A Ronda da Noite


Em A Ronda da Noite de Peter Greenaway, o objeto primordial é o quadro do mesmo nome pintado por Rembrandt. Apesar de ter sido pintado numa era especifica, o tema que ali é representado é muito mais elevado que qualquer período histórico. O filme é teatro apresentado como cinema, quebrando essa barreira espectador/ecrã, dando a ilusão que estamos ao vivo com os personagens, não é ficção absorvente o suficiente para nos perdermos no meio da história, continuamos com um pé em tempo real e outro dentro do filme. Essa inexistência de uma separação mostra-se nos cenários: a cama que é arrastada para diferentes divisões, o telhado onde Rembrant conversa com Marieke e até o quarto que vemos transformar-se em espaços distintos que mantêm as mesmas paredes, mudando apenas os objetos. O efeito é propositado para que mantenhamos sempre uma autoconsciência, obrigando-nos a formular juízos de valor sobre o que estamos a ver. Nunca perdemos a noção da nossa própria realidade, de quem somos nem dos valores da nossa época e contexto. É como se o realizador quisesse que olhássemos os eventos do filme à luz do meio envolvente e daquilo que são as características do mundo atual. [context, context, context] E essa mistura cria em si própria uma outra dimensão. Tal como o pintor molda os aspectos formais da tela para transmitir certas mensagens ou apreciações sobre os indivíduos que retrata, também nós o fazemos com a ficção. [maybe the painter wanted you to say that.] Esta está sujeita a outras interpretações e entendimentos condicionados pelo contexto ou falta dele. Para conhecer verdadeiramente o quadro seria necessário conhecer a milícia de Amesterdão; também para conhecer a ficção é preciso conhecer a realidade, o contexto histórico. [the context as always is rappidly going to disappear even if they understood it in the first place] Daí que a nossa percepção de um mesmo acontecimento difira consoante a informação que temos e procuramos ter sobre ele. Numa das cenas iniciais, alguns personagens passeiam pelo corredor ladeado de pinturas e à medida que as vão comentando Rembrandt destaca veemente a subjetividade do artista. A principal ferramenta de um "pintor" não é o objeto com que desenha mas os "olhos" com que vê o que desenha e a forma como transforma o que vê. [he’s to blame, he’s the producer] O pintor é cego quando esquece as repercussões que a ficção pode gerar na realidade circundante. Por outro lado, a perda da percepção implica ser incapaz de pintar ou tecer estes cenários fictícios. A cegueira impede que o pintor seja pintor pois não consegue apreender. Quando, no final, Rembrandt se torna invisual percebemos que esta cegueira é metafórica [miles and miles of painted darkness] e, como tal, invoca uma questão: o que são a realidade ou a ficção sem a percepção? A primeira é intrinsecamente um entrelaçar de percepções, nada é imparcial, nenhuma história exclui dela o alguém que conta. [you have tried to pretend that these are real people] Tudo parte de uma perspectiva, achar que a pintura é fiel à realidade porque se retratam formas que reconhecemos é uma falsidade. [so dishonest that it is not a painting at all, (...) it denies being a painting, it is a world of the theatre] Pensar que podemos reconstruir a realidade do passado através da arte, algo inerentemente pessoal, é portanto uma noção incorreta. A pintura é percepção, é um palco. [you have made a frozen moment of theatre and at the theatre all things are possible] O pintor põe na tela o seu espírito crítico e as suas convicções, o pintor cria ficções a partir da seu entendimento da realidade. [Are you a gentleman? / If I’m not, I can paint any man to look like a gentleman]

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