terça-feira, 12 de novembro de 2019

Os artesãos do livro na iluminura do séc. XII

O termo iluminura está ligado ao verbo latino illuminar, sendo divulgado a partir do século IX e utilizado pelos autores medievais para designar qualquer tipo de ornamentação ou ilustração dos manuscritos. Neste sentido, illuminar significa destacar (tornar luminoso) através da imagem determinados aspetos do texto. Os manuscritos, produzidos pelos monges copistas nas Bibliotecas das Igrejas e Mosteiros, continham ilustrações coloridas e letras ricamente ornamentadas com vários motivos, que iam da inspiração floral à inspiração mítico-religiosa; das flores e estrelas aos pássaros, monstros e outras criaturas. 
Na iluminura da Idade Média, a explicitação das várias operações técnicas do processo do livro aparece relativamente tarde. As mais representativas dessa explicitação são as iluminuras de dois códices originários do Norte da Europa: as iluminuras do grupo de códices da Copenhaga, Kongelige Bibliothek, s. 4, 2.º, onde se encontram representadas as figuras do pergaminheiro, do preparador de material, do empaginador e do iluminador e a iluminura do Ms Bamberg, Staatsbibliothek, Cod. Misc. Patr. 5, fl. Iv (manuscrito do século XII). Neste último, a notável representação dos sucessivos momentos do processo do livro (figura abaixo)

Ms Bamberg, Staatsbibliothek, Cod. Misc. Patr. 5, fl. Iv

Em torno da figura do Arcanjo S. Miguel estão representadas o conjunto das fases fundamentais de execução do livro. 
O iluminador não seguiu uma ordem convencional e não parece por isso que tenha havido intenção de propor uma leitura que recupere as várias operações de preparação do livro. Não é menos evidente que a representação de conjunto convoca para uma celebração tanto do Arcanjo S. Miguel como dos artesãos do livro, com exclusão das duas operações mais habitualmente figuradas, a cópia e a ornamentação. É bem visível que o iluminador chama a atenção para operações menores, como por exemplo a cravagem das brochas da encadernação.

Fazendo a leitura das imagens de cima para baixo e da esquerda para a direita, a coluna da esquerda apresenta:
  1.  recorte do aparo:  a mão esquerda segura o cálamo e a direita empunha uma faca de ponta recurva;
  2.  tomada de notas nas tabuinhas enceradas (de bordos superiores redondos e superfície de escrita escavada – o primeiro rascunho de texto)
  3.  preparação do pergaminho no estirador: o pergaminheiro segura na mão direita uma faca de raspar em forma de lua;
  4.  preparação dos planos/tábuas de encadernação: a machadinha não deixa dúvidas quanto à fase em questão.
Na coluna da direita são representadas:
  1. a separação  dos  fólios  do caderno (é visível que monge segura a faca com a mão direita enquanto com a esquerda abre os fólios; por isso parece menos certa a interpretação  que supõe  tratar-se de correção - operação da fase de escrita - ou uma outra que considera poder representar a reunião  dos  cadernos - não se explicaria a presença ativa da faca);
  2. a costura dos cadernos, vendo-se estes sobre a mesa e estando em segundo plano o cavalete do cosedor (trata-se da primeira representação conhecida do cosedor ou  tear de costura);
  3. recorte dos materiais para ajustar os bifólios do caderno (talvez se tratar do processo de empaginação e regramento);
  4. a aplicação dos brochas e rebordos metálicos de encadernação.
Representados estão também vários momentos da leitura:
  1. ao centro e ao alto, o pregador de livro na mão (leitura como apoio e complemento de pregação);
  2. a meio, um grupo de monges cuja expressão contemplativa indica a finalidade do livro (apoiar a meditação e o louvor divino)
  3. ao centro, mas em baixo, o mestre com um discípulo (leitura como instrumento de ensino);

Concluindo, para obter uma sequência linear dos vários momentos do livro seria necessário reordenar as várias fases, no entanto, tendo em consideração todas em conjunto, o iluminador pretendeu representar as tarefas menos habitualmente tomadas em consideração e indicar que elas se realização no mesmo espaço em simultâneo, pois enquanto uns se dedicam a uma operação outros se entregam a outra obtendo desta forma universo diversificado e unido em torno do livro. 


Fontes
Nascimento, Aires; et al. - A iluminura em Portugal: identidade e influências: catálogo de exposição. Lisboa: BN, 1999.
Opera varia mit sogenanntem Bamberger Schreiberbild - Staatsbibliothek Bamberg Msc.Patr.5. Disponível em: http://digital.bib-bvb.de/view/bvbmets/viewer.0.6.4.jsp?folder_id=0&dvs=1573461159925~948&pid=7877598&locale=pt&usePid1=true&usePid2=true.










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