quarta-feira, 8 de novembro de 2023

Internacional Typographic Style

 


Palavras-chave: simplicidade, clareza, legibilidade e objetividade

    

    O “Internacional Typographic Style" é uma interpretação sistemática do design gráfico presente entre as décadas de 1930 a 1950, que acabou por ser desenvolvido internacionalmente, sendo considerado como a base do estilo suíço. Esta realizou-se a partir dos movimentos artísticos como o De Stijl e a Bauhaus. 


    Neste estilo podemos observar diferentes características tais como os layouts assimétricos, utilizando grelhas e fontes sem serifa, como também os textos alinhados a esquerda sendo eles irregulares à direita. Neste estilo trocavam-se as ilustrações ou desenhos por fotografias. 


    A fotografia é outro elemento de design destinado a apresentar informações com clareza e sem nenhuma das influências persuasivas da propaganda ou publicidade comercial. Este foco tão forte na ordem e na clareza vem dos primeiros pioneiros do movimento, que acreditavam que o design é uma "atividade socialmente útil e importante... os designers definem seus papéis não como artistas, mas como canais objetivos para espalhar informações importantes entre os componentes da sociedade.” (Meggs' History of Graphic Design (4th ed.)).


    Muitos dos primeiros trabalhos deste “Estilo Tipográfico Internacional” apresentavam a tipografia como elemento principal de design, para além de seu uso em texto. As influências deste movimento continuam a ser vistas como ensinamento e metodologia da teoria do design até aos dias de hoje.


    Podemos considerar as palavras chave para este estilo: simplicidade, clareza, legibilidade e objetividade.  


    Alguns nomes como Ernst Keller, Josef Müller-Brockmann, Armin Hofmann, Max Bill eram conhecidos como mestres designers desta estilo. Algumas obras destes artistas seguem em baixo: 




Quem diz que aprecia o estilo suíço significa que deve apreciar as fontes que deram início a este estilo. Os sistemas de grade não seriam nada sem a fonte clássica sem serifa que assenta perfeitamente no estilo suíço. Profissionais que ensinaram o Swiss Style focavam-se em ensinar que o design deveria focar no conteúdo e não nos extras decorativos.






2# Livro Ilegível

 2# - Livro Ilegível  

  

“Simplificar 
é um trabalho difícil e exige 
muita criatividade. 
Complicar 
é muito mais fácil: 
basta acrescentar tudo o que nos 
vem à mente” 


Bruno Munari 
“Das coisas nascem coisas”

 

“Sabe-se que as pessoas de idade têm uma enorme dificuldade em modificar o seu pensamento, justamente porque aquilo que se aprende nos primeiros anos de vida permanece como regra fixa pra sempre, ter de mudar, para muitos, é como perder a segurança para aventurar-se numa situação que não se conhece. A solução deste problema, de aumentar o conhecimento e de formar pessoas com mentalidade mais elástica e menos repetitiva está em nos ocuparmos com os indivíduos enquanto se formam. Nos primeiros anos de vida, enquanto, como ensina Piaget, se forma a inteligência. Sabemos também que nos primeiros anos de vida as crianças conhecem o ambiente que as rodeia por meio de todos os seus receptores sensoriais e não apenas da vista e do ouvido, percebendo sensações táteis, térmicas, matéricas, sonoras, olfativas...Pode-se projetar um conjunto de objetos parecidos com livros, mas todos diferentes para informação visual, tátil, matérica, sonora, térmica (...).” (Munari, 1981) 




Livro ilegível 
branco e vermelho
Bruno Munari, 1953

 

 

O livro elegível é uma provocação, é uma negação daquela regra que o livro é um simples suporte da leitura. O que define o livro é o papel, a encadernação, a cor, a textura, os cortantes, os grafismos também pela forma como esses cortes se sucedem, deixando para trás o pensamento que o papel é um mero suporte de texto. 

A exploração acontece recorrendo às diferentes texturas, espessuras e formatos das páginas como uma melodia, cujo ritmo passa através do formato, dos cortes e da forma com se sucedem. 

Para Munari os materiais que compõem o livro é o comunicador, é o texto invisível. A experimentação irá compor uma história que cada leitor irá criar, sem restrições, sem início e fim. O discurso visual irá obrigar o leitor a usar todos os órgãos sensoriais. 

O livros ilegível foram produzidos todos manualmente, inicialmente expostos na livraria Salto de Milão 1950. Alguns anos depois, 1953 e um editor holandês, Steendrukkerij, publicaram uma tiragem não oficial de 2000 exemplares. 

Munari criou vários destes livros ao longo da sua vida, sendo sempre recorrente a experimentação dos materiais e os jogos visuais. 



Livro ilegível MN1

Bruno Munari, 1984


BIOGRAFIA

Munari, Bruno (1982) “Das Coisas Nascem Coisas”, Lx, Edições 70

Brandão, Lucas - “Bruno Munari, um dos principais nomes na teoria e prática do design”. Comunidade Cultura e Arte. [Em linha]. 2017. [Consult. a 10.12.2017]. Disponível em: https://www.comunidadeculturaearte.com/bruno-munari-um-dos- -principais-nomes-na-teoria-e-pratica-do-design/

1# Pré-livros

 1# - Pré-livros 

 

a criança que é exposta 
à livros que geram 
aborrecimentos, se tornará 
muito provavelmente 
num adulto que 
não gosta de ler.” 

Bruno Munari 
“Das coisas nascem coisas” 

 

Os “Pré-livros” foram criados entre 1949 e 1952, e consistem numa série de 12 pequenos livros quadrados, de 10×10 cm, cada um com um tipo de encadernação, material e acabamento diferente. 

São livros sem palavras, que comunicam pelas imagens, pela linha de algodão que atravessa as páginas, pelos recortes e pelos materiais tais como a madeira, fel- tro, plástico, papel fino, papel grosso, livro transparente ou livro opaco. Todos esses materiais foram usados para aumentar o estímulo sensorial, o tacto, o olfacto, a audição; para além daquilo que habitualmente é explorado apenas com o estímulo visual. 

 



Pré-livros   |. Bruno Munari, 1850  

https://www.flickr.com/photos/officinacreativa/sets/72157603321794219/

 

 

Ao realizar essa colecção de livros, Munari pretendia que as crianças, ao interagir com esse material, aprendessem a “ler” as mensagens através das formas e texturas. 



 


 




https://www.ebay.ph/itm/314424196649?hash=item4935247e29:g:3pcAAOSw1qhj70rq

 



Os “Pré-livros” cabem na mão dos leitores mais pequenos, proporcionando estí- mulos variados (macio, duro, liso, rugoso, etc...), de forma a estimular a imaginação, cada página é um descoberta. O próprio Munari dizia que os livros deveriam estar cheios de surpresas, visto que a surpresa é igual ao conhecimento pela descoberta. 

Nesses pequenos livros feitos com diferentes tipos de materiais temos: um livro com ilusões de óptica, um com aventuras tácteis, um geométrico, um sobre ginás- tica, um de história natural, um de filosofia, uma história de amor, um com as cores do arco-íris, um livro transparente, um livro macio e um de ficção científica. 

 

A partir de formas simples e a mistura de materiais num único objeto, Munari cria projetos ilustrados de forma poetica. Ele não procura com estes poemas visuais dar respostas, mas sim acionar no receptor possibilidades, ou seja, a realidade é uma fonte de possibilidades infinitas. 



BIOGRAFIA

Munari, Bruno (1982) “Das Coisas Nascem Coisas”, Lx, Edições 70

Brandão, Lucas - “Bruno Munari, um dos principais nomes na teoria e prática do design”. Comunidade Cultura e Arte. [Em linha]. 2017. [Consult. a 10.12.2017]. Disponível em: https://www.comunidadeculturaearte.com/bruno-munari-um-dos- -principais-nomes-na-teoria-e-pratica-do-design/

quinta-feira, 26 de outubro de 2023

"Choose Your Future" de Joshua Citarella

Joshua Citarella, 

Choose Your Future, 2021, 

Interactive Website & Audio

“Perhaps it would also be useful for me to be more precise about how I use the term design fiction. I see design essentially as a storytelling process, in the sense that I understand all human artefacts to be implicated in telling the story of the universe. (...) For me, the fiction in design fiction is not primarily about the impossible, or the futuristic, but about the multiplicity of possibilities in any ordinary decision making process. If one accepts artefacts as narrators of the universe, then it would seem that a most urgent task for any designer is to become familiar with manipulating object narratives in this basic and essential way.” (James Langdon, em entrevista com Francisco Laranjo para Modes of Criticism. 3 Março, 2015)

O excerto da entrevista de Francisco Laranjo a James Langdon para Modes of Criticism e o conceito de design-ficção serve como ponte de expansão para o projeto apresentado: Choose your future, de Joshua Citarella. Este projeto de 2021, consiste num website e áudio encomendados por ele a um grupo de artistas e memers para que escrevessem entradas ao estilo da wikipédia de cenários futuros imaginados, inspirados pela história política e movimentos do passado para antecipar possíveis futuros e facções ideológicas. Estas entradas textuais são depois vertidas para um áudio dobrado por criadores de conteúdos, “desta maneira o projeto, emula a amplificação do sinal que ocorre através dos meios de comunicação social, na medida em que ideias radicais passam das margens anónimas para a corrente dominante verificada.”

“Is this the multi-faceted analysis of the Rand Corporation? Or is it a teenage meme poster who thinks it would be cool if these political keywords combined? I’m interested in the point where those spheres overlap.”

O interesse de Citarella reside nos escombros da pós-internet, com foco nas subculturas contemporâneas que surgem online, os espaços de radicalização política e os conteúdos miméticos produzidos pelas novas gerações, documentando os seus dispositivos estéticos e políticos.

Em Choose your future há um ímpeto, não de prever futuros possíveis através do design, mas antes numa exploração da multiplicidade de possibilidades, sendo também ele um espaço de experimentação online o que lhe confere uma certa qualidade metacrítica. Tal como exposto por Langdon, neste projeto há um ênfase na ideia de design como um processo de storytelling, a exploração/manipulação de diferentes narrativas. É em projetos como este, onde estas franjas do pensamento são permitidas de proliferar, que se verifica as capacidades do Design-ficção como ferramenta para propor novos modos de relacionar com o mundo, criar sistemas e objectos, capazes de moldar a janela de overton e introduzir novas propostas, discursos, conceitos que a população geral seja capaz de aceitar. Uma espécie de hack à vida real, material.

quarta-feira, 25 de outubro de 2023

Adrian Frutiger, um génio tipográfico.

   



    Adrian Frutiger (1928-2015) foi um designer gráfico suíço do século XX. Seu forte era o design de fontes e ele foi considerado responsável pelo avanço da tipografia manual para a tipografia digital. A sua valiosa contribuição para a tipografia inclui os tipos de letra Univers e Frutiger.


    Desde muito jovem, começou a experimentar caligrafia estilizada, desafiando a caligrafia formal e cursiva ensinada nas escolas suíças. Acabou por entrar no mundo da impressão, mantendo vivo o seu amor pela escultura, incorporando os desenhos da escultura nas suas fontes.


    A Univers foi uma das primeiras famílias tipográficas a concretizar a ideia de que uma fonte deveria formar uma família de tipos consistentes e relacionados entre si. Ao criar uma gama correspondente de estilos e pesos, a Univers permitiu que os documentos fossem criados num tipo de letra consistente para todo o texto, sendo mais fácil definir artisticamente os documentos correspondendo ao desejo dos praticantes do "estilo suíço" de tipografia  e de fontes neutras sem serifa, evitando excessos artísticos.


    Após a recepção bem-sucedida desta fonte moderna, foi contratado para trabalhar no novo Aeroporto Internacional Charles de Gaulle. Ele criou um alfabeto de sinalização que orientasse e que fosse legível de longe e de qualquer ângulo. 

    

    Assim, decidiu primeiro adaptar a fonte Univers, acabando por abandonar essa ideia, considerando-a um pouco desatualizada para a altura. Decidiu então seguir uma abordagem diferente e acabou por alterar a sua fonte Univers fundindo-a com influências orgânicas da fonte Gill Sans de Eric Gill. Esta fonte foi originalmente intitulada como Roissy, embora tenha sido renomeada para Frutiger, em 1976.


    Em baixo, apresentam-se as duas fontes que falei, a Univers na imagem de cima e a Frutiger a seguir:




  
            





sexta-feira, 7 de julho de 2023

Ora toma! Bordalo a interpretar-nos até aos dias de hoje

 O Museu Bordalo Pinheiro está centrado na vida e obra do artista Rafael Bordalo Pinheiro (1846-1905). A nível histórico e cultural é um artista de imensa importância. Viveu com grande presença social e política no final do século XIX, altura próxima do fim da monarquia em Portugal. Distinguiu-se a nível nacional nas áreas da cerâmica, da banda desenhada, da caricatura e do humor.

O edifício do museu, moradia situada no Campo Grande em Lisboa, é composto por dois blocos relativamente pequenos, ambos de dois pisos. Num dos blocos, após atravessar a loja e a bilheteira, encontramos várias peças do artista em diferentes fases, contextos e assuntos. Pode-se dizer que essa sala serve de introdução ao museu. No piso superior encontramos um espaço dedicado a um dos personagens mais icónicos da cultura portuguesa, o Zé Povinho. Essa personagem caricaturada representa o povo português face às injustiças sociais e à relação que tem com o poder político. O Zé Povinho é um homem de barbas, por vezes sujo e de um contexto humilde. É representado de duas formas opostas: ora é passivo, humilde e subserviente, ora é revoltado e insolente. Na sua versão revoltada faz o gesto icónico do manguito.


Zé Povinho a fazer o gesto manguito, MRBP.CER.0375 © Museu Bordalo Pinheiro, Lisboa


Ainda no espaço dedicado ao Zé Povinho, encontramos a exposição temporária “Estado Crítico”. Foi um projeto desenvolvido em parceria entre a equipa do Serviço Educativo do museu, uma turma do 11º ano da Escola Secundária Marquês de Pombal e o artista e fotógrafo Vitorino Coragem. Nesse trabalho os jovens debateram entre si três temas: adolescência e liberdade, amor e guerra, arte e escola. Posteriormente montaram um quadro com fotografias e ideias escritas pelos alunos resultantes dos debates. Esse projeto enquadra-se muito bem no contexto do museu. A vida e obra do artista Rafael Bordalo Pinheiro foram marcadas pelo seu espírito crítico e sentido de humor perante a sociedade e a típica mentalidade portuguesa. Trabalhar com uma turma do secundário é um bom contributo para o envolvimento do museu com a comunidade escolar, aproveitando o espírito crítico dos adolescentes que começam a formar a sua posição política face ao mundo que os envolve. Acabam por ter flexibilidade para ver os acontecimentos de uma perspetiva mais imparcial, de quem vê do lado de fora, ainda sem a bagagem de conhecimentos que os poderia condicionar com ideias pré-concebidas.




No piso térreo do outro edifício encontra-se a biblioteca do museu. Mais adiante, passando pelas escadas, estão duas salas que mostram o artista como ceramista na sua vertente mais comercial. São peças peculiares e criativas, mas que mantêm uma convencionalidade que alicia qualquer pessoa a utilizar as peças. No piso superior, encontramos uma exposição temporária com as obras dos primeiros cartoonistas portugueses. Naturalmente, Bordalo Pinheiro está incluído nesta exposição.


Painel de azulejos padrão "Nabo"


Numa análise global, o museu está muito bem organizado e catalogado. As peças têm legendas simples, diretas e legíveis. A iluminação é adequada às obras expostas, permitindo a sua clara observação. No entanto, as salas não são excessivamente iluminadas, o que reduz a fadiga do visitante. A lógica da organização museológica é perfeitamente compreensível. Todas as obras têm a sua relevância no espaço onde se encontram. Importa destacar a dinâmica da programação do museu, percetível através do site, com a existência regular de exposições temporárias devidamente integradas na temática da exposição permanente, para além das atividades pontuais e de continuidade do Serviço Educativo.

A visita ao museu é recomendável para todos os públicos e faixas etárias devido à enorme importância do artista do ponto de vista histórico e artístico. Contudo, a recomendação deve ser dirigida especialmente a pessoas que queiram aprofundar o seu entendimento da cultura e do pensamento português, através do sentido de humor fino e peculiar de Rafael Bordalo Pinheiro.


Webgrafia: Museu Bordalo Pinheiro

segunda-feira, 3 de julho de 2023

 

Maria Helena Vieira da Silva e Arpad Szenes uma história por contar

Museu e Casa-Atelier no Jardim das Amoreiras, Lisboa

 

 




 

Foi por iniciativa de Maria Helena Vieira da Silva que numa esquina do Jardim das Amoreiras em Lisboa se ergueu a Fundação Arpad Szenes – Vieira da Silva, que gere um centro de investigação dedicado ao estudo das coleções, mas sobretudo um Museu que preserva a memória da sua vida e a obra dos artistas. Bem como a Casa – Atelier que mantém no rés de chão o antigo atelier onde os artistas pintavam nas suas passagens por Lisboa, aquela que era também a sua própria casa na capital. O primeiro andar de habitação foi remodelado para se tornar residências de artistas. Conforme fora expressa a vontade de Vieira da Silva.  Pintora consagrada nacional e internacionalmente, mas cuja história merece referência, não apenas pela obra feita, mas diria também pelo gesto de deixar a Portugal todo o seu espólio, na casa que inclusive fora a sua casa na mais íntima esfera familiar, é como se nos deixasse um pouco da sua vida para além do seu belíssimo trabalho. A Casa – Atelier mais do que o Museu propriamente dito sugere esta esfera de intimidade e de profundíssima relação com Portugal e sobretudo com Lisboa. Um Portugal, esse à época na pessoa de Salazar lhe nega por duas vezes a nacionalidade que já fora sua à nascença, mas que perdera por se casar  com Arpad Szenes. Posicionamentos políticos que Maria Helena Vieira da Silva soube relativizar e apesar de morrer com nacionalidade francesa depois de vários anos apátrida, foi em Portugal que quis verdadeiramente deixar a sua obra e vida, no Museu e na Casa – Atelier.   

Um pouco de historia, Maria Helena Vieira da Silva nasceu no coração de Lisboa no Bairro Alto na noite de 13 de Junho de 1908 (no mesmo dia que nascera Fernando Pessoa a uns quarteirões de distância, exatamente 20 anos antes, diz-se ainda também a título de curiosidade que o próprio Fernando Pessoa terá visitado a casa da Viera da Silva no Jardim das Amoreiras, e ainda em forma de curiosidade para melhor darmos corpo a este ano 1908 ocorrera poucos meses antes no Terreiro do Paço o Regicídio a 1 de fevereiro, evento que antecipa a alvorada da República em Portugal em 1910. Datas à parte, é de recordar que Vieira da Silva era neta do fundador e diretor do Jornal o Século e viveu no palacete da família até à sua mãe comprar a Casa no Jardim das Amoreiras, filha única, o pai era diplomata mas morreu quando Vieira da Silva tinha 3 anos, é educada pela mãe que a acompanha até Paris quando decide ir estudar para aquela cidade para onde confluíam todos os artistas à época, é lá que conhece Arpad Szenes e com quem casa, e de quem nunca mais se separa até à morte do marido, cerca de 55 anos depois de casarem e esta belíssima história de amor que se tem tornando também inspiração para além da qualidade artística das suas obras.

Até a forma como supostamente Arpad Szenes tratava a Viera da Silva merece destaque, seria de “bicho” o que não parecendo à primeira vista a mais carinhosa das palavras, vinda da boca do seu amado seria certamente. Não tiveram filhos, mas tiveram-se sempre um ao outro e gatos também segundo consta. Viveram em França, e posteriormente no Brasil cerca de 10 anos durante o exilio forçado pela 2ª Guerra Mundial, uma vez que Arpad era judeu, após o exilio descrito como o período mais conturbado da vida de Viera da Silva regressam a Portugal e depois a França.

Da obra da Maria Helena Vieira da Silva, podem-se enumerar várias visões das coisas e dos lugares, são nítidas as transformações, evidenciam-se os quadriculados e os traços abstratos, no início da sua pintura a artista começou por fazer desenhos anatómicos na faculdade de medicina. Também retratou o jardim das Amoreiras em Lisboa. O traço abstrato foi muito desenvolvido na sua obra, como se todas as dimensões estivessem condensadas no interior da tela, transfigurando-se na totalidade, diluindo a perspectiva.

O convite será encontrar nas quadriculas, nos traços, um olhar melancólico, quer nas cores mais fortes, quer nas mais esbatidas como tempo que passou e vai desvanecendo as memórias e as sensações, há um olhar profundo sobre a representação das coisas quase que constituindo uma nova realidade a partir do vestígio de vida presente nas obras que nos apelam à reconstituição dos locais, e mais do que isso das sensações da cor e dos traçados quadriculados. Da passagem do tempo, Vieira da Silva começa por utilizar cores mais fortes mas diz-se que após a morte do marido as cores ficam mais esbatidas, com o tempo as cores da sua  pintura vai se aproximando paulatinamente das cores que o marido usava.  E é por vontade de Vieira da Silva que o nome do marido precede o seu na Fundação e Museu. 

 



Jardim das Amoreiras  Fundação Arpad Szenes - Vieira da Silva

segunda-feira, 19 de junho de 2023

 

“Noite Stravinsky” – pela Companhia Nacional de Bailado, em três tempos

      I.         Os flashes da Noite

    II.         As sensações

  III.         O análogo da memória

I

As imagens da dança como construções da nossa própria memória ou imaginação.

A estrutura da dança ou o efeito que provoca nos expectadores surge como uma espécie de paralelismo com a nossa própria memória. O modo como nos recordamos dos acontecimentos ou emoções que temos está intimamente relacionado com o modo como nos relacionamos com a dança. Esse momento aparentemente ininteligível em que os corpos esvoaçantes compõem uma melodia para os nossos sentidos.

Como se as cores, os movimentos dos corpos e os sons convergissem num único momento, como se o espetáculo de dança nos desse a oportunidade de descobrir um novo sentido em nós, talvez mais puro e mais desperto. Se me detenho na reconstituição da memória do espetáculo, do programa que foi apresentado escapa-me logo toda a sensação.

Para mim de fácil recordação ficaram três palavras e já é tanto, se nos detivermos na emoção daquilo que significaram naquela Noite de Stravinsky. São elas cadeira, brilho e cor.

É difícil escrever sobre aquilo que nos está tão perto. A dança está dentro de nós no movimento que fazemos para nascer já dançamos, no balanço do corpo que se levanta para um dia de trabalho, no mais quotidiano de um autocarro a chegar à paragem e os transeuntes a aproximarem-se e movimentarem se para o seu interior, no recolher da noite quando nos encolhemos na cama, a vida é uma dança tão próxima que se torna difícil falar sobre ela.

Mas regressando à apresentação da Noite de Stravinsky no teatro Camões, constituída por três bailados: o primeiro “AS BODAS” para mim a palavra é cadeira, pode ser simples e primordial, mas é o balanço que me surge quando penso nessa peça. A imagem mais marcante será uma espécie de conjunto de corpos juntos que não são homens nem mulheres, mas balançam e balançam e nesse balançar têm a cadeira metalizada como o suporte do seu corpo, num equilíbrio brilhante que reluz e que é enigmático ao mesmo tempo. É um eterno balançar.

No segundo “INTERMEZZO”, a palavra é brilho já nos diz quase tudo não nos faltasse a sombra para perceber a luz e novamente esta dicotomia entre luz e sombra e há uma espécie de brilho que une ambas faces da moeda, o dia e a noite, claro e escuro. Nessa simbiose perfeita encontramos a música que está sempre presente nesta noite com uma orquestra ao vivo a guiar os nossos ouvidos para caminhos longínquos muito para além da sala de espetáculos.

Por fim, no último bailado composto por dois atos, mas não menos pungente e inquietante a “SAGRAÇÂO DA PRIMAVERA” para mim é cor, uma invasão de cor. Várias cores tão marcadas é como se tornassem em sons vivos que caminham do interior da terra tão visceral e enigmático. Que chega a faltar-nos o ar.

II

As sensações das palavras e dos sons. Os movimentos dos corpos em torno de uma luz misteriosa na Noite de Stravinsky.

Citando Eugénio de Andrade, para melhor explicitar o pretendido.

"(…)

um corpo é o lugar da furtiva

luz despida, de carregados

limoeiros de pássaros

e o verão nos cabelos;

 

é na escura folhagem do sono

que brilha

a pele molhada,

a difícil floração da língua.

 

O real é a palavra."

 


III

A memória surge à consciência tal como uma espécie de dança dos sentidos, quando nos abstraímos da tentativa de explicar as causas ou consequências que observamos ficamos mais próximos de realidade interior de cada movimento. Como se a nossa memória funcionasse como uma espécie de dança em que os sentimentos se vão misturando e reativando à medida que são atualizados por novas cores e sensações. A memória como uma síntese que nos aparece à consciência quando na verdade é uma construção contínua e ininterrupta que vai sendo atualizada. E que surge como uma tentativa de legitimar a realidade, de lhe conferir um sentido.

Ora o espetáculo de dança mais do que nos apresentar uma peça é uma narrativa de corpos que contam uma história sem voz e que por isso é tão livre e pode tão maravilhosamente ser apropriada por cada mente, por cada ser pensante que a adequa e integra na sua própria história de vida constituindo para si uma memória única e quase indecifrável. Uma dança em que continuamente vivemos não apenas exterior, mas sobretudo interior em que os nossos pensamentos e emoções voam como sonhos. E constituem uma espécie de memória enigmática, só inteligível para cada um de nós neste domínio de interioridade irredutível, individual, irrepetível e por isso fascinante.

 


Foto retirada do site oficial da CNB

domingo, 18 de junho de 2023

O Paradoxo da Utopia

 A exposição Recursos Naturais, visitável no Hangar – Centro de Investigação Artística, em Lisboa, é da autoria do artista plástico Miguel Palma. Este artista de 59 anos, com mais de 30 anos de carreira, desenvolveu o seu trabalho de um modo multi-disciplinar (escultura, desenho, vídeo, instalação e performance) demonstrando o seu interesse por tecnologias (na sua generalidade) e pela relação que a humanidade tem com a natureza, isto é, o modo como a civilização domina o natural. As peças tendem a ser, ou aparentam ser, complexas. Os elementos que as compõem são muito elaborados na sua construção, mas também podem partir de uma ideia intuitiva, como é o caso da peça AQUÁRIO de 1996, em que a ideia é direta e sem outros sentidos, para além do seu lado paradoxal (um peixe fora de água, dentro de água).


AQUÁRIO, 1996

O espaço expositivo do Hangar situa-se próximo do miradouro dos Barros, com vistas para a cidade, o Castelo e o rio Tejo. Observamos com clareza a cidade bem adaptada ao declive das suas colinas. Intencional ou não, o local da exposição vai de encontro ao tema: o domínio da humanidade sobre a natureza.




A galeria, composta por duas salas, é um espaço relativamente pequeno. Do lado direito da entrada existe um escritório e em frente encontramos o espaço expositivo: uma sala branca em forma de J e um pilar ao centro. As peças estão expostas junto às paredes, algumas penduradas e outras no chão, com exceção de duas, colocadas junto ao pilar.

Grande parte das peças é desenho composto por escrita, linhas, manchas e colagens. A expressão é elementar e inocente. A mancha tende a ser uniforme, maioritariamente em tons de azul, sendo utilizada para desenhar formas variadas. Os elementos que estão recortados e colados variam entre fotografias, desenhos, padrões, artigos de jornais ou revistas, ou possivelmente, manuais de instruções. O globo terrestre é um elemento recorrente, tanto nos desenhos, como no resto das peças. Os elementos ligam-se de modos diversos: linhas, sobreposições, figurações, manchas... embora o tema das peças seja recorrente (a forma como a civilização manipula os recursos naturais), por vezes, o lugar – ou talvez o significado – de alguns elementos das peças pode não ser óbvio, e em certos casos, é até rebuscado.

De modo geral, é evidente que Miguel Palma tende a complexificar as suas peças. Pode-se dizer que brinca com a complexidade e amplitude da tecnologia que a humanidade usa para os seus projetos de desenvolvimento, como se pode observar no desenho abaixo:




Este desenho, apesar de não ser particularmente saturado em detalhes, carrega claramente a ideia de complexidade. Remete-nos para quadros de investigação criminal (1). É como se fosse aqui apresentado um projeto megalómano à escala global, mas ironicamente, está apresentado de modo muito simplista e até infantil. Existem muitas referências à exploração espacial, muitas delas são foguetões colocados na periferia do desenho do globo terrestre, como se fossem descolar para fora do desenho. Os diferentes elementos tecnológicos do desenho estão ligados por fios ou tubos. Algumas partes do desenho estão assinaladas com uma circunferência. Há repetições de formas – padrões – em cada continente (a Antártida e a Oceânia não estão representadas). Globalmente, a obra é uma sátira ao desejo incansável de progresso. A infantilidade do mundo utópico onde a humanidade tem o poder total sobre a natureza.

 

(1)




PROJECTO 2080, 1996



A peça PROJECTO 2080 de 1996 é uma instalação eléctrica que tem como materiais o ferro, o acrílico e a madeira. Em termos temáticos, as duas peças relacionam-se. Ambas focam-se na relação entre a natureza e a humanidade. Contudo, não é um exagero dizer que em termos estéticos estas peças são quase opostas. Enquanto uma estabelece relações complexas e difíceis entre todas as suas partes, a outra é mais simples. Os elementos de PROJECTO 2080 podem ser organizados em três grupos: a estrutura da peça, a parte vegetal e as figuras (bonecos). O lugar de cada detalhe da obra é claro e directo. Em termos técnicos, a peça envolve mais recursos. As árvores estão fixadas de modo invertido na parte superior da estrutura, e esta está a suspender a parte inferior. Trata-se de uma superfície luminosa, como se fosse o pavimento de uma exposição de arte contemporânea (cubo branco). As figuras encontram-se nessa superfície. A peça é equilibrada na sua proporção, elegante e talvez até requintada devido à sugestão dos bonsais. Partindo da ideia de que a obra representa uma maqueta, podemos extrapolar que a intenção do projecto seria criar um espaço utópico, onde as pessoas pudessem usufruir de todos os benefícios ao estarem conectadas com a natureza, mas sem estarem em contacto direto com ela. Temos mais uma vez aqui, uma ideia paradoxal. Nesse espaço, a natureza cresce como o humano deseja, sem interferir com o quotidiano, em total separação mas com grande proximidade. Ao contrário da obra anterior, aqui o elemento satírico é mais subtil.

Ao observar a exposição, conseguimos perceber que Miguel Palma tem um enorme fascínio por tecnologias e arriscaria até dizer, por ficção científica. Contudo, ao contrário de muitas pessoas que são obcecadas por novas tecnologias e progresso tecnológico, Miguel Palma demonstra estar perfeitamente consciente das consequências do desenvolvimento tecnológico excessivo. Embora possa parecer paradoxal, quando o artista expõe os grandes problemas da insustentabilidade, consegue fazê-lo de modo leve e com humor, expondo o seu fascínio pelo comportamento da humanidade. Por outras palavras, não se encontra um discurso ativista no seu trabalho, não há qualquer ecoansiedade.


fontes: