terça-feira, 28 de novembro de 2017

“Lu Nan. Trilogia, Fotografias (1989-2004)” no Museu Colecção Berardo

Lu Nan nasceu em 1962 em Pequim (China) e é actualmente correspondente da agência Magnum. Como principais trabalhos mais importantes, podemos destacar os seguintes:

“Forgotten People”:
Entre 1989 e 1990, o fotógrafo teve contacto com cerca de 14000 pessoas com diferentes tipos de condições do foro mental e psicológico, percorrendo desta forma 38 hospitais, situados em 10 províncias e cidades da China, de modo a mostrar as condições de vida de um grupo de pessoas, normalmente esquecidos pela sociedade. Para terminar a série, terá visitado igualmente as famílias destes indivíduos.

© Lu Nan


“On the Road”:
Série elaborada entre 1992 e 1996 e que retrata grupos de pessoas crentes e comunidades católicas que buscam a compreensão e o equilíbrio entre a felicidade e o infortúnio, característicos do processo do dia-a-dia. Para tal, Lu Nan visitou mais de 100 igrejas de modo a retratar esta prática de fé.


© Lu Nan


“Four Seasons in Tibet”:
Lu Nan fotografou um dos seus mais importantes trabalhos entre 1996 e 2004. Durante estes 8 anos, viveu mais de metade deste período no Tibete e acompanhou as comunidades locais nos seus afazeres diários, nomeadamente o trabalho no campo, mostrando de uma forma humanista o amor e o respeito mútuo e pela Natureza.


© Lu Nan

A junção destas três séries resulta na exposição “Lu Nan. Trilogia, Fotografias (1989-2004), com curadoria de João Miguel Barros e que se encontra no Museu Colecção Berardo até 15 de Janeiro de 2018.

Segundo o curador, esta obra é a projecção moderna de uma trilogia clássica simbolicamente representada na Divina Comédia de Dante, sendo que cada uma das suas partes são, igualmente, consideradas como exemplares do que pode ser, na Terra: o Inferno, o Purgatório e o Paraíso.

No início da exposição e como sendo o início da “Trilogia”, o Inferno, podemos observar imagens da série “Forgotten People”, onde se percebe a integração do artista nestas realidades, e como o mesmo se adaptou de uma forma progressiva. Quem o demonstra são as próprias fotografias, que tão facilmente poderiam ter caído numa invasão de privacidade, que na verdade, isso nunca acontece. Vemos estas pessoas como elas são, carregadas de verdade, sem encenações ou qualquer tipo de artificialismos.

Passando à segunda parte da “Trilogia”, onde se encontra incluída a série “On the Road”, são relatadas as minorias católicas chinesas associadas (pela incerteza) ao Purgatório. A marginalização, o sacríficio, a insistência e a resiliência constituem a história dos católicos na China, como consequência da Revolução Cultural que, em 1966, proibiu todos os cultos religiosos. Dos exemplos de testemunhos de práticas religiosas a sacrifícios de fé, esta segunda parte revela-nos impressionantes imagens de crentes que parecem sustentar a sua força interior naquilo que é acreditar, destacando-se, sobretudo, o modo como a fé e o amor se aplicam no quotidiano destas pessoas, sem que, para isso, seja necessária a estrutura física de uma igreja.

Finalmente, chegando à terceira e última parte da “Trilogia”, o Paraíso, encontramos um núcleo de fotografias da série “Four Seasons in Tibet”, imersas numa dimensão que nos transcende e pacifica. Por um lado, vemos momentos familiares através de lidas domésticas, de proximidade e entreajuda, de trabalho e experiência interior. Por outro, o trabalho exterior e o modo como este se adapta às diferentes estações do ano. Momentos de acção e de contacto com a Natureza. Percebemos, aqui, o ciclo das estações do ano, da primavera ao inverno, que se concretizam, respetivamente: na sementeira, na espera pela colheita, na ceifa e na sobrevivência. Todas as etapas são levadas a cabo pelos tibetanos, de um modo equilibrado e harmonioso.

No conjunto destas 144 imagens, o artista revela uma enorme capacidade técnica num período anterior à fotografia digital, onde se pode constatar um brilhante jogo de luzes e contrastes nestas fotografias a preto-e-branco, excelentemente bem compostas e enquadradas.


© Rita Carmo

© Rita Carmo

O espaço da exposição é amplo, as fotos apresentadas encontram-se bem alinhadas ao longo do percurso a ser visitado pelo observador, resultando bastante bem com a moldura preta e “passe-partout” branco. No entanto, perde-se um bocado o sentido em que a exposição deve ser lida, bem como a utilização do mesmo tamanho em todas as imagens faz com que todas elas adquiram a mesma importância, não se podendo destacar nenhuma delas dentro do conjunto.

A exibição do vídeo do género “slideshow”, contendo a “Trilogia” completa (225 imagens), pouco ou nada acrescenta à percepção do trabalho físico.

Estão também disponíveis três livros editados e relativos a cada um dos capítulos da exposição, que, a meu ver, serão o suporte que faz todo o sentido para um trabalho com esta dimensão.    


segunda-feira, 27 de novembro de 2017

"Os Sons da Sombra de Bill Fontana, no MAAT."


Este Outono, na celebração do seu primeiro ano, dando continuidade a uma lista de aclamados artistas internacionais, o MAAT apresenta, “Shadow Soundings” (ou “Sons da Sombra”), do pioneiro da experimentação sonora artística, Bill Fontana, que consiste numa instalação imersiva audio-visual, recorrendo a sons e imagens, da icônica ponte 25 de Abril, em Lisboa, captadas e transmitidas em directo, através de cabos de fibra óptica, ao espaço principal do museu.
Esta instalação, foi apresentada ao público, pelo curador e director do museu Pedro Gadanho e o artista, no dia 3 de Outubro e estará patente, até 12 de Fevereiro, de 2018. Está aberto ao público todos os dias, das 11 às 19 horas, encerrando semanalmente, às terças-feiras.

A diferença entre uma composição musical e o ruído do quotidiano, pode parecer evidente, bem como que, uma sinfonia requer uma orquestra profissional, para a sua execução. Mas para o artista Bill Fontana, os sons que consideramos banais, têm um interesse estético e são o meio que utiliza, para criar as suas “esculturas sonoras”, tendo iniciado as suas experimentações com o som nos anos 60, depois de ter estudado com o compositor John Cage. 
Continuando a lógica de Duchamp, dos “objectos encontrados”, Fontana encontra sons, normalmente discretos, em espaços físicos que explora, para encontrar sonoridades características do mesmo, com a intenção de os transferir para o local em que são apresentados, por vezes, combinados com a transmissão em directo de vídeo, de pontos de vista inusitados, normalmente escondidos do público. O observador, sente-se desta forma transportado para os locais em questão.
Segundo o legendário escultor sonoro de São Francisco, já nos seus 70 anos, “todos os sons correspondem a uma imagem e vice-versa”. 

A Ponte 25 de Abril, foi aberta em 1966, estendendo-se por 2.3 Km, sendo um deles, suspenso por cabos, pelas suas duas torres, de 190 metros de altura. A ponte é constituída por dois tabuleiros sobrepostos, sendo o inferior destinado à via férrea do comboio, e o superior, com a sua característica faixa da grelha de metal, aos carros que por lá, diariamente entram e saem, da cidade de Lisboa. O artista trabalhou na criação desta instalação, especificamente para o MAAT, durante o período de um ano e meio, em que visitou várias vezes Lisboa, de forma a melhor “captar” a ponte.
O som da Ponte 25 de Abril, é já de fama internacional e uma característica familiar da identidade lisboeta, tendo sido amplificado e trabalhado em estúdio pelo artista, para realçar a sua musicalidade.

Fig.1

Ao entrarmos na sala oval do MAAT, reconhecemos um som que nos acompanha desde o exterior, de água a correr continuamente. Ao descer, para a zona central, somos confrontados com sete painéis de dimensões diferentes, suspensos “anti-gravíticamente”, ouvindo-se sons que se combinam, consoante o local em que nos encontramos.
Nos sete painéis, é possível observar projeções de video de ambos os lados, sendo duas delas, das águas do Rio Tejo e as restantes, de várias perspectivas sobre a Ponte 25 de Abril, que normalmente não são vistas pelo público. (A não ser, que sejamos praticantes de alguma modalidade desportiva, desafiante das leis de Newton e da sociedade.)
As imagens do rio, em conjunto com o seu som audível desde o exterior, evidenciam a intenção do artista, de transferir os locais que capta, para a nossa consciência e vice-versa.

Um dos painéis, em posição vertical, com as dimensões aproximadas, de 2,5 metros de largura e 5 de altura, apresenta um plano invertido do tabuleiro inferior, de ângulo picado sobre a linha ferroviária, observando-se o comboio que passa ocasionalmente e a sombra dos carros, que passam na famosa via, cuja base é uma grelha metálica. O som característico, produzido pela passagem constante dos veículos, preenche o espaço a partir de 34 monitores de som, que reproduzem os sons de 10 pontos da estrutura, misturados digitalmente, criando assim uma espacialidade sonora.
Outro painel de dimensões ligeiramente menores e orientação similar, suspenso no ar, mostra-nos um plano contra-picado do tabuleiro superior e da referida via metálica, com os vultos dos veículos que passam. Os restantes dois, de dimensões reduzidas em comparação, mostra-nos o corredor técnico entre os dois tabuleiros e uma repetição do plano picado sobre a via ferroviária, com uma orientação lateral. Em todos os painéis, são evidentes as sombras, que dão o título a esta obra, que produzem os elementos da composição sonora.

Resta-nos, a que na minha opinião, é a peça central desta instalação. Trata-se de um painel, talvez o maior dos sete, colocado em ângulo agudo relativo ao chão, onde assenta a sua base. O Painel apresenta um plano picado, dos 190 metros de altura, de uma das torres da estrutura da ponte, sobre a via de circulação do trânsito.
Por baixo do painel, estão uns (demasiado, se estivermos cansados), confortáveis “puffs” brancos, onde nos podemos e devemos deitar, a apreciar a perspectiva muito fora do comum, que o artista nos proporciona, numa qualidade impressionante, dada as dimensões da imagem, que tal como o que apresentam, são enormes. 

Fig.2

Em conjunto com a escultura sonora, que consiste em dois anéis concêntricos de monitores sonoros. Um deles, circula o núcleo da galeria oval e produz uma composição sonora, recorrendo aos sons transmitidos em directo, da oscilação do trânsito sobre a grelha metálica e a acelerómetros que captam a energia sonora, acumulada na tensão dos cabos de suspensão e que, por vezes, nos confunde os sentidos e nos transfere para a ponte. Ou vice-versa. 
O outro anel de monitores sonoros, percorre o espaço da rampa envolvente da sala oval, numa espacialidade sonora da água do rio Tejo em constante movimento, recorrendo a hidrofones, para transmitirem em directo o som submerso, do rio. Este som é também projectado para o exterior do edifício, através de monitores de som, instalados na sua fachada. 

Na conferência da abertura, desta exposição ao público, Fontana disse: 

“No mundo visual, ainda tenho uma curva de aprendizagem, que me entusiasma. Enquanto que o som, é “transparentemente” objectivo, visto que deixo muito para a imaginação do público, levando-os dessa forma, ao limiar da visão.
Por outro lado, se usar imagens em movimento captadas por mim, torna-se muito pessoal e subjectivo. Estou a introduzir a visão na audiência, fazendo-os ver o que escolhi ver. É intensamente auto-biográfico e mais pessoal que nunca.” (Bill Fontana, na inauguração da exposição do MAAT.)



O artista, conhecido por “captar o som das coisas”, convida-nos desta forma, a visitar esta instalação, que liga, literalmente, o espaço do MAAT, a um dos ícones mais reconhecíveis de Lisboa, permitindo-nos vê-lo e ouvi-lo de uma forma completamente nova e fora do habitual.

Fotografias (Fig.1-2) e texto por: André Rocha ©️ 2017, em MAAT: Bill Fontana (2017), Shadow Soundings 


sexta-feira, 24 de novembro de 2017

“Grada Kilomba - a artista que Portugal precisa ouvir”

Por Clara Cosentino

Em Novembro desse ano, a manchete de um grande veículo jornalístico português dizia em letras maiúsculas: “Grada Kilomba - a artista que Portugal precisa ouvir”. A frase, impactante a primeira vista, confirmava o que críticos de arte, curadores, filósofos e pensadores sobre temas contemporâneos já haviam percebido: havia finalmente chegado a hora de Portugal conhecer Grada e adentrar no tema da colonização e pós-colonização, a partir do ponto de vista dos que foram violentados, sem tabus, sem medos e a base da única ferramenta que possibilita a transformação: a comunicação e o conhecimento.

A artista portuguesa, nascida em Lisboa em 1968, e com passagem na Bienal de São Paulo, na Documenta e na Gulbenkian, saiu da sua cidade de origem após concluir o curso de Psicologia no Instituto Superior de Psicologia Aplicada. Lá, era a única afro-descendente a frequentar o seu curso. Com uma bolsa de estudos - fornecida pelo German Heinrich Böll Foundation, devido à excelência do seu trabalho com sobreviventes pós guerra de Angola e Moçambique - seguiu para Berlim, a fim de fazer seu Doutorado em Filosofia na Freie Universität Berlin.

Kilomba se interessou cada vez mais pela academia e seguiu lecionando na Humboldt Universitat. Lançou seu primeiro livro (Plantation Memories), escreveu para performances, estudou teatro e após alguns anos, começou a se cansar da obrigatoriedade da Academia de responder perguntas. Afinal o seu tema, a Pós-Colonização a partir da perspectiva de sua biografia, a fazia estar sempre no centro do debate, respondendo questões.

Gradualmente, Grada começou a levar sua obra para outro caminho: passou a propor trabalhos, levantar questões, colocar o seu posicionamento políticos de forma contestadora na arte contemporânea. Porque tantas línguas desapareceram para que o português pudesse “reinar” em tantos países? Como Portugal “descobriu” lugares que já eram antes de sua presença, habitados por milhares de nativos, com seus costumes e conhecimentos?   

Ainda estamos em negação. Desde o sistema educativo, em que se continua a perpetuar o mito do “bom colonizador”, essencial para alimentar uma certa biografia nacional, à crença romantizada de que Portugal não é um país racista. Nós falamos dos mares, dos ‘descobrimentos’, das naus com um romantismo tal, como se a história colonial e da escravatura, que aqui é completamente banalizada, fosse um encontro intercultural e não uma história de tortura, genocídio, desumanização, exploração patriarcal”, aponta a artista.

Através de seus “Performative Talks”, a artista evoca a tradição oral das culturas africanas a e com a fala, dá voz a essas narrativas silenciadas por tantos séculos, no intuito de recontar a história que foi negada e omitida. Valorizar os mitos, as religiões, as tradições e a cultura africana. No seu trabalho como escritora e artista, explora a transversalidade do seu trabalho, utilizando diferentes meios de expressão como videoinstalação, leituras, performances e palestras que criam uma obra cheia de questionamentos, fricções e novas possibilidades e relações entre texto e imagem, linguagem artística e também a acadêmica, grande parte de sua jornada.
Em sua exposição no MAAT, “Secrets to Tell”, ela expõe trabalhos em vídeo, instalações, e uma homenagem à Anastácia, uma africana escravizada em terras brasileiras, a qual biografia é difícil de ser decifrada até os dias de hoje. No trabalho “The Desire Project”, por exemplo, a valorização da palavra, tão presente nos trabalhos da artista, confronta o espectador em três telas, cada uma delas representando “Enquanto Escrevo”, “Enquanto Caminho” e “Enquanto Falo”. Nelas, os contrastes e privilégios presentes entre brancos e negros é contado pela visão da autora.

A exposição foi pensada a partir dessa videoinstalação, "The Desire Project", obra concebida para a 32.ª Bienal de São Paulo (2016), e também uma das mais recentes aquisições da Coleção de Arte da Fundação EDP, segundo o MAAT. Fato esse, que legitima ainda mais essa grande artista, que agora finalmente - em 2017 - Portugal tem a chance de conhecer, com todas suas nuances, trajetos, aberturas e contextos.


CCB presents Sharon Lockhart: My Little Ones


The series titled my little ones by Sharon Lockhart has been selected by Doclisboa’17 in partnership with the Museu Coleção Berardo to represent documentary practices within contemporary art. Curated by Pedro Lapa, the exhibition recollects a series of photographs, videos, prints and objects that speaks out to the construction of children’s subjectivity and their particular way of negotiating their existence in space. The exhibition results from years of working with a group of kids and teenagers at the Youth Sociotherapy Center in Rudzienko, Poland.

Each piece exhibited serve as a document of how these young individuals progressed emotionally throughout the collaboration with the artist who prescribed them actions of psychological weight. Focusing on the challenges related to the exploration of fear versus trust, solitude versus companionship, the artworks bring light to the feeling of insecurity kids have while learning how to navigate within the adults’ world. Through a visual scheme based on choreographed performances the artist built a channel where the subjects represent nothing but themselves, therefore delineating a cathartic realism into a situation intended to seem otherwise.


The accentuation of childhood as a step towards the feeling of independence suspends the audience voyeurism into a place of refined composition and formal elements. Identity and displacement are the background in which the subjects perform movements of symbolic meaning as they overcome obstacles and express their privacy. It is the thin line between hiding and revealing one’s persona that remarkably keeps the audience emotionally invested at the same time it empowers the subjects. It is with great pleasure that the public will experience each exhibition room that has been minimally designed to enhanced the emotional and seemingly foreign content of the work.

quinta-feira, 23 de novembro de 2017

MACAU. 100 ANOS DE FOTOGRAFIA - Museu do Oriente

A exposição MACAU. 100 ANOS DE FOTOGRAFIA, presente no Museu do Oriente, nos apresenta diversas imagens fotográficas, registros de um passeio dos últimos 100 dos 450 anos da colonização portuguesa em Macau.
São centenas de fotografias, reproduções, fotos panorâmicas, ou somente registros da arquitetura e da região, de como era a cidade, ou de simplesmente dos hábitos do povo, que vão desde os meados do século XIX, 1844 mais precisamente, até os anos 50 do século XX.
Encontra-se nessa exposição imagens de vários fotógrafos.

Vemos os primeiros registros fotográficos de Macau, raros e bem conservados daguerreótipos do fotógrafo francês Jules Itier, que mostram o povo chinês de Macau e um pouco dos seus costumes da época.
Vale a pena observar detalhadamente esses daguerreótipos. Primeiro pela riqueza dos  detalhes que esta técnica proporciona, e segundo pela pluralidade de informação que nos passa um pouco do que era o cotidiano do povo macauense no século XIX.
Jules Itier foi chefe de missão comercial na China, Índia e Oceânia, e sua viagem  tinha como objetivo resolver os preparativos para assinatura do tratado França-China, em 1844. Logo, apesar do valor do seu material fotográfico devido a questão histórica-documental, as suas imagens foram registros um pouco superficiais da cultura macaense. Jules não viveu em Macau para se inserir e mostrar de fato qual era o seu cotidiano.



Daguerreótipo, 1844. Jules Itier
Nas fotografias de José Neves Catela, que fazem parte da Coleção Cecília Jorge/Rogério Beltrão Coelho, e que são mais numerosas nessa exposição, contam um pouco mais das tradições macaenses e toda influência portuguesa na região e na cultura.
Uma das primeiras imagens que aparecem é uma fotografia de 1925 de escoteiros, acompanhada do negativo original, uma película negativa de 11x16 cm.

Escoteiros, 1925. José Neves Catela

Negativo 11x16. José Neves Catela

É apaixonante poder ter acesso a esse material. Ver um negativo original, com pouco mais de 90 anos, acompanhado da foto impressa, é de um valor imensurável. Vale a pena perder mais tempo nessa parte da exposição para analisar cada detalhe dessa película.
José Neves Catela viveu por mais de 20 anos em Macau, e os seus registros e material fotográfico mostram o dia-a-dia e momentos da multifaceta vida macauense.
Contudo, cada fotografia possui detalhamentos de como era essa região, antes das novas construções hoje presentes em Macau, assim como também um pouco dos hábitos e da rotina do povo. Uma Macau bem diferente dos dias de hoje. Menos habitada e desenvolvida. Mais rural do que urbana.

John Thomson é outro fotógrafo que tem muitas imagens presentes na exposição. Em suas diversas viagens que fez ao extremo Oriente, John também passou por Macau e fez registros importantes, únicos e de suma importância para complementar esse acervo fotográfico centenário da história social e política dessa região. As suas fotografias são foto-reportagens, um olhar diferente, mais jornalístico. 
A exposição ainda nos presenteia com uma curiosidade, os primeiros registros fotográficos de nus na China. Fotos do fotógrafo alemão Heinz Von Perckhammer. Uma raridade.
A exposição também tem uma curiosidade. Registros hollywoodianos: o ator Clark Gable, e o cineasta Orson Welles, ambos na década de 50.

A exposição é bem simples, sem muitas apresentações e interferências  multimídias, somente fotografias emolduradas impressas, contando um pouco desses 100 anos de registro, de forma linear e cronológica.
Sem se preocupar muito com quais técnicas fotográficas foram utilizadas, mas com detalhamento de quais películas foram feitas as imagens fotográficas, essa exposição se preocupa mais em mostrar a documentação e o valor do registro fotográfico de um lugar.
Quem nasceu em Macau, ou viveu por lá, vai ter uma grata oportunidade e surpresas para entender um pouco mais de sua história e os seus costumes, mostrando toda influência lusitana em conflito com as tradições milenares chinesas. 



Ator Clark Gable, 1954
Cineasta Orson Welles, 1959
General Gomes da Costa, 1923. José Neves Catela



   

quarta-feira, 22 de novembro de 2017

sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

27ª Festival internacional de curtas metragens de São Paulo

Mostra Brasil 3


Escolhi o dia 28/08 do festival já interessada em ver curta “Caminho dos Gigantes” de Alois Di Leo que contou com a participação de uma amiga pessoal como assistente de animação. A exibição de cinco curtas foi feita no auditório do Museu da Imagem e do Som em São Paulo - SP.


Cena de ‘Caminho dos Gigantes’
Fonte: festival.curtas.pt


O primeiro curta a ser exibido foi o CAMINHO DOS GIGANTES, uma animação inspirada na cultura indígena e nos mostra a visão e sentimentos de uma menina de 6 anos diante de uma tradição de sua tribo. O filme é colorido e têm 11 minutos.
O segundo foi PEDRA QUE SAMBA de Camila Agustini e Roman Lechapelier que nos conta um pouco da história do samba e da cultura africana ligadas a uma tradicional roda de samba do Rio de Janeiro. O filme é preto e branco e também tem 11 minutos.


O terceiro foi um documentário intitulado FOTOGRÁFRICA da Pernambucana Tila Chitunda. Ela constrói uma narrativa de memórias de sua mãe que saiu da África para se criar uma nova vida no Brasil. Colorido e com 25 minutos.


O quarto, MAINS PROPRES de Louise Botkay também é um documentário, mas que nos mostra um centro para refugiados que mais parece um zoológico para os fundadores e patrocinadores do local. Cor, 8 minutos.


O quinto é um documentário que faz uma recapitulação de um caso de sequestro muito repercutido no Brasil todo chamado QUEM MATOU ELOÁ? de Lívia Perez. A intenção da diretora ao ressuscitar esse caso era mostrar como a mídia conseguia facilmente manipular a opinião da população quanto aos acontecimentos.

A seleção de títulos composta em sua maioria por mulheres que discutem feminismo, preconceito, escravidão, desigualdade social e diversos problemas que impactam o Brasil resultou em uma exibição pesada e cansativa, mas ao mesmo tempo muito enriquecedora e que me deixou pensando nos assuntos discutidos por algumas horas depois. Era visível como o público que visitou a mostra saiu concentrado e pensativo ao final da exibição.

quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

“O segundo sexo” 
vol. 1 Os factos e os mitos

por Simone de Beauvoir. 2ª edição, Quetzal Editores


HONESTIDADE é preciso para falar deste ensaio feito por Simone de Beauvoir – com mais de quatrocentas páginas e com sessenta e sete anos de vida – porque ao tentar lembrar a mulher na história percebe-se, sem muitas reflecções, invisibilidade. Sim, aquela sensação ou efeito que nos provoca o silêncio da que “não existe” até que repara-se na presença mesma, mas parece não estar clara, e por tanto, nega-se duas vezes. É essa negação que volta sempre e cobra o seu território, logo se apaga e retorna para ficar num inconfortável segredo.




Publicado pela primeira vez em 1949, na língua francesa e em seu titulo original: Le Deuxiéme Sexe, se apresenta em Paris, sob o seio editorial Gallimard numa França de pós-guerra. Este é o contexto é no qual esta peça se vê desenvolver : um século atingido por uma das maiores revoluções do pensamento em todos os campos da questão humana.


Beauvoir pensa e escreve, junto de seus colegas contemporâneos, sobre os paradigmas do indivíduo, que tremem como os sucessos a correr, colocando o seu juízo e a força dos deus pensamentos sobre “o rol” da mulher no passado e no presente num estudo transversal, como nunca antes tinha ninguém desenvolvido. 





Em O segundo sexo, vol. 1 a autora começa por fazer questão do facto de ser mulher - que é uma mulher? – quebrando já nesses simples facto o peso de uma sociedade paradigmática, ao fazer questão sobre uma enraizada percepção geral que descansa acima da cega crença heteronormativa e patriarcal que determina a atividade dos indivíduos pelo género.

É assim, que a autora primeiramente reflete sobre a sua própria condição e consequentemente da sua incomodidade, percebendo que existe uma resistência que também torna-se ainda mais forte com o seu desconforto.
Pensa acerca disso para chegar ao ponto de descobrir o mistério que supõe ser uma mulher: Porquê é assim?, Do onde é que vem?,  É físico?, É psicológico?, Por acaso pode ser político?, É um nível cultural?, Tem um limite? É anacrónico? Está sujeito a mudanças? Portanto, convém dizer que ser mulher realmente é como nós achamos o que é? É a individualidade uma característica própria e finita que faz parte, e nasce, só do nosso sexo? A quem pertence o corpo da mulher?

- Há um principio bom que criou a ordem, a luz e o homem, e um principio mau que criou o caos, as trevas e a mulher - Pitágoras

(extracto da introdução de “O Segundo Sexo, vol. 1”)

O que ela faz nessa edição é tentar apresentar as  dimensões que são necessárias para fazer uma descrição completa do género feminino: perceber a profundidade, pesquizar os estudos feitos em cada uma delas – biologia, história, psicologia, economia, política, mitologia –e depois desmascarar os conceitos estabelecidos, sob um processo intelectual altamente critico de todo o que os homens têm escrito e dito acerca da mulher.

- Tudo o que os homens escreveram sobre as mulheres deve ser suspeito, pois eles são, ao mesmo tempo, juiz e parte - Poulain de La Barre.

(extracto da introdução de “O Segundo Sexo, vol. 1”)


Primeira parte : Destino
Simone de Beauvoir  tenta encontrar as contradições que se geram nos discursos sociais ao longo do tempo para apresentar o cenário da sua atualidade (1948-1949). Para isso mostra os dados biológicos presentes de várias espécies, tanto ao nível celular, vegetal e animal para tentar compreender o comportamento deste tipo de “sociedades” e o papel da reprodução na sua estrutura, para logo fazer uma comparação com o ser humano.

- Não é a natureza que define a mulher: esta é que se define, retomando a natureza em sua afectividade -  

Simone de Beauvoir, O segundo Sexo vol.1, Primeira Parte: Destino.

No mesmo capítulo, ela mostra o ponto de vista psicanalítico com a intenção não de criticá-lo no seu conjunto, mas sim examinar a sua contribuição ao estudo da mulher. No entanto, o modo com que esses artigos estão expostos, fazem-lhe analisar a construção do contexto empírico em que foram feitos, para ver o que há por trás dos que parecem estudos “completos” sobre o sujeito feminino.

Segunda parte : História
Ao passar pela história, Beauvoir contempla, num primeiro olhar, a relação de pertença que existe entre os factos históricos do mundo e a linha paralela desta que marca a mulher e a suas vivências nos percursos da mesma - para além do que se percebe como registo histórico universal - deixando claramente exposta a divisão dos privilégios que supõem a evolução da humanidade; demostra o como a realidade histórica é também uma ligação ao poder de uns sobre outros.

- O mundo sempre pertenceu aos machos. (…) Já verificamos que, quando duas categorias humanas se acham em presença, cada uma delas quer impor à outra a sua soberania (…)

Simone de Beauvoir, O segundo Sexo vol.1, Segunda Parte: Historia

Terceira parte : Mitos
A característica do conceito de Outro, olhada de maneira mais aprofundada, faz parte das análises deste capítulo, onde a autora pensa no mito que implica ser uma mulher; as personagens colocadas pelos homens – a prostituta, a mãe, a freira, a filha, a irmã, a esposa- e interpretados pelas mulheres ao longo da história, numa grande estrutura no lugar do indivíduo feminino. Ela descobre como a invidualidade da mulher parece escondida por trás dum véu e é tal porque a dominação se justifica também no campo da procura do sentido, do ser e a transcendência.

-Todo o mito implica um Sujeito que projecta as suas esperanças e temores num céu transcendente-

Simone de Beauvoir, O segundo Sexo vol.1, Terceira Parte: Os Mitos

- A representação do mundo, como próprio mundo, é operação dos homens; eles descrevem-no do ponto de vista que lhes é peculiar, e que confundem com a verdade absoluta -

Simone de Beauvoir, O segundo Sexo vol.1, Terceira Parte: Os Mitos

É nesta reflecção em que Beauvoir determina um ponto chave para defender a apreensão de poder que tem afastado as dimensões do individuo feminino das do individuo masculino, ao perceber que o pensamento da identidade mora, come e respira no facto da falta de desenvolvimento na responsabilidade do próprio destino do individuo.

Assim o Outro persiste ainda hoje, o tratamento desse amolda-se na relação aos novos acontecimentos, e para além disso a urgência do tempo a correr faz com que o estabelecido não seja suficiente para, entre outras coisas, as necessidades negadas. Claramente o alcançado não chega para ser elementar, na passagem do tempo ainda pendem conceitos que não foram apanhados, mas o ensaio de “O segundo sexo” existe, e habita em algures numa memória esquecida, ou simplesmente é privilégio dos que sentem aquele desconforto, onde se escondem as negações das quais fazemos parte.