domingo, 27 de abril de 2025

Um Passeio pelas Memórias de Tristany Mundu


Tristany Mundu x Rapprps Bedjú Tempú, Bandeira "Aquele caminho que vez do comboio" , impressão sobre cetim, a partir de desenho em aguarela e lápis de cor s/ papel. Fonte: Própria


 A Obra de Tristany Mundu

Tristany Mundu (n.1995) é um artista “transdisciplinar”, de origem angolana e portuguesa, nascido e criado na Linha de Sintra, em Lisboa. Atualmente, desenvolve a sua próxima obra, onde continuará a sua exploração de temas como a “identidade da Linha de Sintra” e a contribuir para o seu desenvolvimento (Gulbenkian, Tristany Mundu. Cidade à volta da Cidade - Biografia, 1). As obras do artista revelam uma leitura e análise profunda realmente interessante. Sendo um artista que aborda e conjuga diversas expressões, os seus métodos de criação são extensivos, desde a música, a performance, as produções, a direção criativa até à curadoria. Tudo isto se torna extremamente aparente quando nos deparamos com a obra de Tristany.

Na exposição “Cidade à Volta da Cidade”, localizada na Sala de Desenho do Centro de Arte Moderna da Gulbenkian entre os dias 22 de fevereiro e 05 de maio, é possível experienciar-se que este artista “pinta com a sua voz”. É através das obras expostas que “ilustra a realidade em que vive através do seu olhar e do olhar daqueles que o rodeiam” (Gulbenkian, Tristany Mundu. Cidade à volta da Cidade - Biografia, 1).

Esta seria a primeira exposição individual de Tristany Mundu, apresentando uma vídeo-instalação encomendada pelo CAM (Gulbenkian, Tristany Mundu. Cidade à volta da Cidade). Procura assim mergulhar perante os “diversos universos do artista” a partir dos diversos elementos da obra expostos. Sendo Tristany um músico-produtor, é através de uma “tripla projeção” e de “peças têxteis” a que chama “bandeiras”, que na sua obra explora “fundir o real com o surreal”, assim como “visualidades distintas”, repletas de “cores vibrantes”, “simbolismos profundos” e marcadas pelo “constante movimento”. Através desta obra, Tristany Mundu, explora as diversas realidades “inviabilizadas, marginalizadas e por vezes romantizadas”, mas de um modo mais marcante explora a representação “através do seu olhar e do olhar das pessoas que o rodeiam” (Gulbenkian, Tristany Mundu. Cidade e comunidade, 1-2).

 

A Narrativa e a Imaginação na representação da Memória

Com a obra “Cidade à volta da Cidade”, Tristany Mundu, escolhe retratar a “vida na Linha de Sintra”, um lugar “simultaneamente real e um «não lugar» fantasmático”. É através do seu trabalho, que “questiona noções de «centro» e «periferia»”, isto enquanto procura fundir o “real” e o “surreal”, o “documental” e a “ficção”, tudo como forma de “revelar as muitas camadas da Cidade e dos seus habitantes”. Através da sua obra, o artista descreve como, “a Linha de Sintra é um lugar marcado pela viagem e pelos encontros”, apresentando-o através da imagem (Gulbenkian, Tristany Mundu. Cidade à volta da Cidade, 2-3).

Concebe assim um corpo de trabalho que, mesmo sendo maioritariamente derivado das Artes Visuais, transcende a um “momento” de performance. Um momento performativo que procura explorar temas como a identidade, a memória e o direito ao imaginário (Gulbenkian; Bandeiras são prédios ke a gente veste aqui, de Tristany Mundu; 1).

Enquanto presenciando a obra, nos diversos corredores formados pelas “bandeiras”, a ideia maioritariamente transmitida seria este ambiente “celestial”. Esta seria também a ideia acentuada com as encenações representadas nos vídeos. Performances repletas de beleza nos movimentos representados assim como o sentimento de liberdade acompanhado da batida da música, que era de forma crescente acentuada, com o decorrer do tempo, colocando uma certa intensidade e destaque neste “momento” e atmosfera retratados pela exposição.

É na presença desta obra que se destacava a intencionalidade colocada por trás de sentimentos e ideias como a grandeza, o quotidiano, assim como o “parar para pensar e apreciar”. Tudo isto, acompanhado do sentimento de “continuação” e progressão de tempo perante a presença da obra, permitem o destaque “Daquele Momento”, o tempo de parar e apreciar o momento, assim como um sentimento de “paz” e “sossego”, mas simultaneamente, de uma “grandeza” ainda por descobrir.

 

A Dança da “Cidade à Volta da Cidade”

A instalação da obra “Cidade à volta da Cidade” resulta numa exposição relativamente pequena, composta de apenas uma sala. No meu entendimento, esta encontrava-se bem organizada sendo que permitia a apreciação da obra “como um todo”, enquanto simultaneamente, mantendo uma clara distinção entre a “zona das «bandeiras»” e a “zona da projeção de vídeo”.

É a través da instalação que reúne uma tripla projeção de vídeo e um “conjunto de objetos têxteis, intitulados de «bandeiras»”. Nestas bandeiras, Tristany, inscreve as “memórias vivas da Cidade”, enquanto propõe “um arquivo visual do presente” (Gulbenkian, Tristany Mundu. Cidade à volta da Cidade, 4).

Durante os vídeos performativos, durante algumas cenas, Tristany, “(in)veste” estas bandeiras representativas destes lugares, incorporando assim “os prédios, as ruas, os espaços de encontro reencenados”, assim como “os corpos das gentes que os habitam e as suas vivências”, na instalação que resulta desta ocupação do espaço do museu por estas obras, esta realização é importante como um realce “Daquele Momento” intencionalmente colocado pelo artista. Estes são os “elementos chaves” das performances e da instalação, estas bandeiras, tanto como “objetos têxteis de cores vibrantes”, como “estandartes e mantos de adorno”, a matéria da inscrição destas memórias que o artista pretende transmitir (Gulbenkian; Bandeiras são prédios ke a gente veste aqui, de Tristany Mundu; 2-3).

Esta é a complexidade da obra representada, pelo artista, na instalação de tecidos, concebidos da impressão digital sobre cetim a partir de desenhos de aguarela e lápis de cor sobre papel, assim como a narrativa por de trás destes. É nesta “complexidade”, que noções como, o “sentimento de grandeza”, anteriormente mencionados, são acentuadas pela quantidade de obras para apreciação assim como as dimensões dos suportes escolhidas.

Algo que se torna extremamente aparente, durante a presença das obras, é esta escolha intencional, do artista, para acentuar certos momentos. Existe uma grande transmissão de sentimentos no significado e foco que o artista coloca em realçar cada determinado momento, algo que é acentuado pela existência de dois lados, ou mais que uma leitura possível, para cada peça.

Um exemplo desta ambiguidade na leitura são os panejamentos, representativos da existência de dois lados, um, com a representação de vistas urbanas, e um segundo, de quadrilhas de retratos representativos de pessoas, animais ou plantas. Estes dois lados podem assim ser vistos como diferentes representações, do artista, da vista “exterior” e “interior”, baseados na percepção refletida do “eu” através dos pensamentos que não revelamos a mais ninguém.


Tristany Mundu x Rapprps Bedjú Tempú, Bandeira "Natureza que vejo do predio do Sifas" , impressão sobre cetim, a partir de desenho em aguarela e lápis de cor s/ papel. Fonte: Própria


Este meio introspetivo é acentuado na exposição através da atmosfera escura e da “iluminação” de certos “momentos” e ideias principais destacadas com a luz das projeções dos vídeos. É nestes elementos, que se destacam as intenções do artista, incorporadas igualmente, na disposição das obras, que quando seguidas, de uma certa ordem, contam uma narrativa, através do movimento do observador, em relação com a obra e a sala, resultando quase como numa dança entrelaçada com a música e monólogo narrativo presentes no áudio.

Através dos títulos das obras, Tristany Mundu, assim como o meio introspetivo, “obrigam” o observador a recriar e a encenar a narrativa que o artista escolhe contar. Títulos como, “Natureza que vejo do predio do Sifas”, “Ja te vi estou mesmo a chegar ao cantinho”, “Kuando me cumprimentares me olha”, “Fika ao pe da Luz do candieiro”, “Aquele caminho que vez do comboio”, “Te vejo bue vezes a ir para a estação”, “Bandeira são prédios ke a gente veste”, contribuem para um sentimento cautelosamente desenhado, pelo artista, e atestado de contradições como, a atmosfera representativa do “vazio”, mas, simultaneamente de esperança e conforto, bem como a estagnação repleta de movimento.

O artista conta-nos uma “história”, construída de “memórias” do dia-a-dia. Através da instalação de vídeo dividida em três momentos, acompanhada do áudio,  intitulado de “Ensaios sobre um Amor Antigo”, presente no espaço. Aqui, Tristany, mostra-nos a “corrida” do quotidiano, fazendo um destaque de certos detalhes que por norma tendem a passar despercebidos.

É nestas revelações da narrativa realçadas na instalação das obras e escolhas do artista, que, no meu entendimento, se encontra o seu destaque no mundo da arte. Existe uma dualidade intencional nas obras têxteis, onde um lado, revela um espaço físico, e o outro, revela as suas memorias refletidas, este sentimento é acentuado com as múltiplas leituras possíveis da obra.

Um exemplo disto é, a existência um orifício em cada uma das obras têxteis, que nos vídeos se revelada ser utilizado para a cabeça quando a obra é “vestida” sobre o corpo. A escolha de colocar, este, ao nível do olhar resulta como um apelo aos visitantes da exposição de experienciar a visão através dos mesmos. Este sentimento acompanhado com a ideia da “correria do quotidiano”, ou “vida da cidade”, é fortemente acentuada na escolha intencional da disposição das obras que incentiva o observador a movimentar-se e a circular a sala.

Apesar de uma sala pequena para a exposição devido à dimensão das obras, a instalação reflete uma ideia extremamente clara da “grandeza" do quotidiano, esta, quando deparada com a leitura “apertada” e obstruída das obras, tanto se transforma numa contradição permanente, como numa mais valia que obriga múltiplas passagens e múltiplas leituras da parte do observador para uma leitura completa.

De modo a concluir, segundo a minha leitura, a exposição “Cidade à volta da Cidade” apresenta uma representação da obra de Tristany Mundu, onde, este, através da conjugação do vídeo, áudio e a disposição de obras têxteis, nos apresenta um lugar marcado pela “viagem” e pelos “encontros” presentes nesta. É nesta viagem, que nos destaca “aqueles momentos” que designa de importantes, para as vistas urbanas e retratos que representa, assim como, fornece percepções que revelam as suas intenções de contar uma narrativa através de memórias.


Referências:

Tristany Mundu. Cidade à volta da Cidade, (2025). [1-4] Gulbenkian. Disponível em: https://gulbenkian.pt/cam/agenda/tristany-mundu-cidade-a-volta-da-cidade/ [25/04/2025] 

Bandeiras são prédios ke a gente veste aqui, de Tristany Mundu; (2025). [1-3] Gulbenkian. Disponível em: https://gulbenkian.pt/cam/agenda/bandeiras-sao-predios-ke-a-gente-veste-aqui-de-tristany-mundu/ [25/04/2025] 

Tristany Mundu. Cidade e comunidade, (2025). [1-2] Gulbenkian. Disponível em: https://gulbenkian.pt/cam/agenda/tristany-mundu-cidade-e-comunidade/ [25/04/2025]