Tristany Mundu x Rapprps Bedjú Tempú, Bandeira "Aquele caminho que vez do comboio" , impressão sobre cetim, a partir de desenho em aguarela e lápis de cor s/ papel. Fonte: Própria
A Obra de Tristany Mundu
Tristany Mundu (n.1995) é um artista “transdisciplinar”, de origem angolana e portuguesa, nascido e criado na Linha de Sintra, em Lisboa. Atualmente, desenvolve a sua próxima obra, onde continuará a sua exploração de temas como a “identidade da Linha de Sintra” e a contribuir para o seu desenvolvimento (Gulbenkian, Tristany Mundu. Cidade à volta da Cidade - Biografia, 1). As obras do artista revelam uma leitura e análise profunda realmente interessante. Sendo um artista que aborda e conjuga diversas expressões, os seus métodos de criação são extensivos, desde a música, a performance, as produções, a direção criativa até à curadoria. Tudo isto se torna extremamente aparente quando nos deparamos com a obra de Tristany.
Na exposição “Cidade à Volta da Cidade”, localizada na Sala
de Desenho do Centro de Arte Moderna da Gulbenkian entre os dias 22 de
fevereiro e 05 de maio, é possível experienciar-se que este artista “pinta com
a sua voz”. É através das obras expostas que “ilustra a realidade em que vive
através do seu olhar e do olhar daqueles que o rodeiam” (Gulbenkian, Tristany
Mundu. Cidade à volta da Cidade - Biografia, 1).
Esta seria a primeira exposição individual de Tristany
Mundu, apresentando uma vídeo-instalação encomendada pelo CAM (Gulbenkian,
Tristany Mundu. Cidade à volta da Cidade). Procura assim mergulhar perante os “diversos
universos do artista” a partir dos diversos elementos da obra expostos. Sendo
Tristany um músico-produtor, é através de uma “tripla projeção” e de “peças
têxteis” a que chama “bandeiras”, que na sua obra explora “fundir o real com o
surreal”, assim como “visualidades distintas”, repletas de “cores vibrantes”, “simbolismos
profundos” e marcadas pelo “constante movimento”. Através desta obra, Tristany
Mundu, explora as diversas realidades “inviabilizadas, marginalizadas e por vezes
romantizadas”, mas de um modo mais marcante explora a representação “através do
seu olhar e do olhar das pessoas que o rodeiam” (Gulbenkian, Tristany Mundu. Cidade e comunidade, 1-2).
A Narrativa e a Imaginação na representação da Memória
Com a obra “Cidade à volta da Cidade”, Tristany Mundu, escolhe
retratar a “vida na Linha de Sintra”, um lugar “simultaneamente real e um «não
lugar» fantasmático”. É através do seu trabalho, que “questiona noções de «centro»
e «periferia»”, isto enquanto procura fundir o “real” e o “surreal”, o “documental”
e a “ficção”, tudo como forma de “revelar as muitas camadas da Cidade e dos
seus habitantes”. Através da sua obra, o artista descreve como, “a Linha de
Sintra é um lugar marcado pela viagem e pelos encontros”, apresentando-o através
da imagem (Gulbenkian, Tristany Mundu. Cidade à volta da Cidade, 2-3).
Concebe assim um corpo de trabalho que, mesmo sendo maioritariamente
derivado das Artes Visuais, transcende a um “momento” de performance. Um
momento performativo que procura explorar temas como a identidade, a memória e
o direito ao imaginário (Gulbenkian; Bandeiras são prédios ke a gente veste
aqui, de Tristany Mundu; 1).
Enquanto presenciando a obra, nos diversos corredores
formados pelas “bandeiras”, a ideia maioritariamente transmitida seria este
ambiente “celestial”. Esta seria também a ideia acentuada com as encenações representadas
nos vídeos. Performances repletas de beleza nos movimentos representados
assim como o sentimento de liberdade acompanhado da batida da música, que era
de forma crescente acentuada, com o decorrer do tempo, colocando uma certa intensidade
e destaque neste “momento” e atmosfera retratados pela exposição.
É na presença desta obra que se destacava a
intencionalidade colocada por trás de sentimentos e ideias como a grandeza, o
quotidiano, assim como o “parar para pensar e apreciar”. Tudo isto, acompanhado
do sentimento de “continuação” e progressão de tempo perante a presença da obra, permitem o destaque “Daquele Momento”, o tempo de parar e apreciar o momento,
assim como um sentimento de “paz” e “sossego”, mas simultaneamente, de uma “grandeza”
ainda por descobrir.
A Dança da “Cidade à Volta da Cidade”
A instalação da obra “Cidade à volta da Cidade” resulta
numa exposição relativamente pequena, composta de apenas uma sala. No meu
entendimento, esta encontrava-se bem organizada sendo que permitia a apreciação
da obra “como um todo”, enquanto simultaneamente, mantendo uma clara distinção
entre a “zona das «bandeiras»” e a “zona da projeção de vídeo”.
É a través da instalação que reúne uma tripla projeção
de vídeo e um “conjunto de objetos têxteis, intitulados de «bandeiras»”. Nestas
bandeiras, Tristany, inscreve as “memórias vivas da Cidade”, enquanto propõe
“um arquivo visual do presente” (Gulbenkian, Tristany Mundu. Cidade à volta da
Cidade, 4).
Durante os vídeos performativos, durante algumas cenas,
Tristany, “(in)veste” estas bandeiras representativas destes lugares,
incorporando assim “os prédios, as ruas, os espaços de encontro reencenados”,
assim como “os corpos das gentes que os habitam e as suas vivências”, na
instalação que resulta desta ocupação do espaço do museu por estas obras, esta
realização é importante como um realce “Daquele Momento” intencionalmente
colocado pelo artista. Estes são os “elementos chaves” das performances e da instalação,
estas bandeiras, tanto como “objetos têxteis de cores vibrantes”, como “estandartes
e mantos de adorno”, a matéria da inscrição destas memórias que o artista
pretende transmitir (Gulbenkian; Bandeiras são prédios ke a gente veste aqui,
de Tristany Mundu; 2-3).
Esta é a complexidade da obra representada, pelo
artista, na instalação de tecidos, concebidos da impressão digital sobre cetim a
partir de desenhos de aguarela e lápis de cor sobre papel, assim como a
narrativa por de trás destes. É nesta “complexidade”, que noções como, o “sentimento
de grandeza”, anteriormente mencionados, são acentuadas pela quantidade de obras
para apreciação assim como as dimensões dos suportes escolhidas.
Algo que se torna extremamente aparente, durante a
presença das obras, é esta escolha intencional, do artista, para acentuar
certos momentos. Existe uma grande transmissão de sentimentos no significado e
foco que o artista coloca em realçar cada determinado momento, algo que é acentuado
pela existência de dois lados, ou mais que uma leitura possível, para cada peça.
Um exemplo desta ambiguidade na leitura são os
panejamentos, representativos da existência de dois lados, um, com a
representação de vistas urbanas, e um segundo, de quadrilhas de retratos representativos
de pessoas, animais ou plantas. Estes dois lados podem assim ser vistos como diferentes
representações, do artista, da vista “exterior” e “interior”, baseados na percepção
refletida do “eu” através dos pensamentos que não revelamos a mais ninguém.
Tristany Mundu x Rapprps Bedjú Tempú, Bandeira "Natureza que vejo do predio do Sifas" , impressão sobre cetim, a partir de desenho em aguarela e lápis de cor s/ papel. Fonte: Própria
Este meio introspetivo é acentuado na exposição através
da atmosfera escura e da “iluminação” de certos “momentos” e ideias principais destacadas
com a luz das projeções dos vídeos. É nestes elementos, que se destacam as
intenções do artista, incorporadas igualmente, na disposição das obras, que
quando seguidas, de uma certa ordem, contam uma narrativa, através do movimento
do observador, em relação com a obra e a sala, resultando quase como numa dança
entrelaçada com a música e monólogo narrativo presentes no áudio.
Através dos títulos das obras, Tristany Mundu, assim
como o meio introspetivo, “obrigam” o observador a recriar e a encenar a
narrativa que o artista escolhe contar. Títulos como, “Natureza que vejo do predio
do Sifas”, “Ja te vi estou mesmo a chegar ao cantinho”, “Kuando me
cumprimentares me olha”, “Fika ao pe da Luz do candieiro”, “Aquele caminho que
vez do comboio”, “Te vejo bue vezes a ir para a estação”, “Bandeira são prédios
ke a gente veste”, contribuem para um sentimento cautelosamente desenhado, pelo
artista, e atestado de contradições como, a atmosfera representativa do “vazio”,
mas, simultaneamente de esperança e conforto, bem como a estagnação repleta de
movimento.
O artista conta-nos uma “história”, construída de “memórias” do dia-a-dia. Através da instalação de vídeo dividida em três momentos, acompanhada do áudio, intitulado de “Ensaios sobre um Amor Antigo”, presente no espaço. Aqui, Tristany, mostra-nos a “corrida” do quotidiano, fazendo um destaque de certos detalhes que por norma tendem a passar despercebidos.
É nestas revelações da narrativa realçadas na
instalação das obras e escolhas do artista, que, no meu entendimento, se
encontra o seu destaque no mundo da arte. Existe uma dualidade intencional nas
obras têxteis, onde um lado, revela um espaço físico, e o outro, revela as suas
memorias refletidas, este sentimento é acentuado com as múltiplas leituras possíveis
da obra.
Um exemplo disto é, a existência um orifício em cada
uma das obras têxteis, que nos vídeos se revelada ser utilizado para a cabeça quando
a obra é “vestida” sobre o corpo. A escolha de colocar, este, ao nível do olhar
resulta como um apelo aos visitantes da exposição de experienciar a visão
através dos mesmos. Este sentimento acompanhado com a ideia da “correria do
quotidiano”, ou “vida da cidade”, é fortemente acentuada na escolha intencional da disposição das obras que incentiva o observador a
movimentar-se e a circular a sala.
Apesar de uma sala pequena para a exposição devido à
dimensão das obras, a instalação reflete uma ideia extremamente clara da “grandeza" do quotidiano, esta, quando deparada com a leitura “apertada” e obstruída das
obras, tanto se transforma numa contradição permanente, como numa mais valia
que obriga múltiplas passagens e múltiplas leituras da parte do observador para
uma leitura completa.
De modo a concluir, segundo a minha leitura, a exposição
“Cidade à volta da Cidade” apresenta uma representação da obra de Tristany Mundu,
onde, este, através da conjugação do vídeo, áudio e a disposição de obras têxteis,
nos apresenta um lugar marcado pela “viagem” e pelos “encontros” presentes
nesta. É nesta viagem, que nos destaca “aqueles momentos” que designa de
importantes, para as vistas urbanas e retratos que representa, assim como,
fornece percepções que revelam as suas intenções de contar uma narrativa através
de memórias.
Referências:
Tristany Mundu. Cidade à volta da Cidade, (2025). [1-4] Gulbenkian. Disponível em: https://gulbenkian.pt/cam/agenda/tristany-mundu-cidade-a-volta-da-cidade/ [25/04/2025]
Bandeiras são prédios ke a gente veste aqui, de Tristany Mundu; (2025). [1-3] Gulbenkian. Disponível em: https://gulbenkian.pt/cam/agenda/bandeiras-sao-predios-ke-a-gente-veste-aqui-de-tristany-mundu/ [25/04/2025]
Tristany Mundu. Cidade e comunidade, (2025). [1-2]
Gulbenkian. Disponível em: https://gulbenkian.pt/cam/agenda/tristany-mundu-cidade-e-comunidade/
[25/04/2025]