quarta-feira, 2 de novembro de 2022

Surface Series

Batia Suter (1967), artista suíça residente em Amesterdão, produz instalações com imagens manipuladas digitalmente; animações a partir de fotografias; sequências de imagens; e colagens, utilizando frequentemente fotografias históricas encontradas. Nas suas exposições, a artista cobre paredes inteiras com imagens de grande formato, de modo a explorar o efeito trompe l’oeil e a relação entre interior e exterior no espaço.


A abordagem da artista em relação ao livro-objeto não difere desta lógica, apenas as salas são substituídas pelo papel. Em Surface Series — livro desenvolvido entre 2008 e 2011 —, Batia Suter trabalha sobre as ressonâncias das paisagens geológicas a partir de imagens e fragmentos de outros livros. A sequência inicial das fotografias a preto e branco que o compõem é apresentada na instalação site specific da artista no espaço da Culturgest do Porto, em 2009. 







Na publicação, é incontornável a ideia de crosta da Terra enquanto pele suscetível a inscrições, neste caso, rastos na superfície que denotam vestígios de uma qualquer ação ou presença, muitas vezes humana. O conceito de rasto, aqui, é associado ao desaparecimento da origem, como algo que se apresenta por meio de fragmentos onde ecoa, por um lado, a memória e, por outro, o silencio da matéria dispersa.


Ao longo do livro, a moldura branca que envolve as imagens altera-se em cada página. As fotografias ora se posicionam mais à direita, ora à esquerda, em cima ou em baixo. E, por vezes, a aresta das imagens é recortada pelo bordo da folha, sem apresentar o contorno branco. A numeração ocupa os cantos inferiores direito e esquerdo das páginas, no entanto, quando a imagem se sobrepõem a essa zona, a primeira desaparece disponibilizando o espaço para a segunda se manifestar.


O jogo do “acaso” que é esta disposição das imagens — retângulos, maioritariamente, dentro do branco — destaca o papel enquanto suporte e torna consciente o momento em que se inicia a impressão na folha. A estrutura granulada, a falta de pormenor e a padronização do preto e branco criam uma coesão na imagem que diminui a profundidade e aproxima todo o conteúdo da fotografia ao primeiro plano — o da folha e da impressão. Neste sentido, as imagens, muitas delas paisagens aéreas capturadas de longe, transmitem a sensação de se tratar de algo bastante próximo. A edição das fotografias reforça a própria natureza da tecnologia: a impressão como intermediária entre a coisa fotografada e a imagem que lhe advém. Ou seja, afirma que se trata de imagens, com tudo o que isso implica. 


Em Surface Series, a baixa resolução nas fotografias encontradas reforça o esclarecimento reduzido que estas oferecem sobre si e a sua origem. Ao reagrupar estes fragmentos descontextualizados, Suter quebra a hierarquia das imagens — colocadas num mesmo patamar de relevância onde podem ser observadas de forma igualmente atenta — e devolve-lhes uma nova abordagem onde as ligações estabelecidas permanecem em aberto, desencadeando uma livre associação de ideias e a construção de narrativas — numa lógica próxima de Aby Warburg.


O distanciamento em relação ao momento real da captura da fotografia, atribui à imagem uma certa independência e trá-la para o mundo contemporâneo. Esta direção intencional do livro para a experiência do agora — momento em que é folheado — sente-se nas nuances criadas pelo papel utilizado, com uma face mais lisa e outra mais áspera. Deste modo, é fortalecida a relação do objeto com o presente e a possibilidade do observador nele se projetar.


Surface Series, de Batia Suter, é uma viagem poética que levanta inúmeras perguntas deixadas sem resposta. É extremamente gratificante passar as mão por este objeto que a cada vez aberto permite que se realize por ele um percurso diverso.













Referências:

https://www.batiasuter.org/bscv.html

https://www.batiasuter.org/bs033b.html

https://zabriskie.de/product/surface-series/




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