segunda-feira, 13 de maio de 2024

Exposição "Japão: Festas e Rituais" (M1)

 


"Japão: Festas e Rituais" no Museu do Oriente é uma exposição fascinante, que convida a visitar um calendário de celebrações anuais, com base nos princípios do xintoísmo e do budismo presentes no Japão. A programação desta exposição, propõem a entrar neste mundo interessante da identidade japonesa, onde a tradição coabita na atualidade. Os visitantes são imediatamente imersos numa rica experiência cultural, tradição e espiritualidade.


Um dos aspectos mais marcantes da exposição é a diversidade de obras de arte expostos, com cerca de 1500 peças que demonstram o universo das celebrações e rituais, desde trajes elaborados e máscaras usados ​​durante festivais, por exemplo os traje de demónio visitantes raihoshin namahage, até trajes cerimoniais utilizados durante as cerimônias no templo, como se viu na parte da exposição não só do vídeo de uma Miko Mai como também na secção de Kannushi e Miko com os trajes de sacerdote e sacerdotisas que carregam séculos de tradição, cada peça conta uma história da rica herança cultural do Japão. 


Em termos expositivos, a organização do espaço cria um ambiente imersivo que transporta os visitantes ao coração dos festivais do Japão, dividindo o espaço entre rituais e festas através de um chinowa (ritual de purificação semestral), dando assim uma ideia do visitante passar do templo e entrar nas festividades após passar por um ritual de purificação. Com uma disposição meticulosa dos displays ou do uso estratégico de iluminação e som, cada elemento foi considerado para uma boa experiência geral. Uma característica particularmente interessante é a incorporação dos elementos multimídia ao longo da exposição: as projeções de vídeo que mostram os festivais em ação como as gravações de áudio que captam os sons da música e o próprio sino de ano novo, estes componentes acrescentam uma camada extra de profundidade à exposição, permitindo aos visitantes uma imersão total nas festividades, não só isso, mas tomamos conta de uma preocupação do museu na tentativa de replicar espaços relativos tanto às festividades como aos rituais, por exemplo no espaço de butsudan onde foi replicado uma espécie de fachada de templo para acompanhar o altar.



        Além disso, a exposição trabalha na contextualização de cada festival e ritual dentro da paisagem cultural e histórica do Japão, por meio de painéis informativos e outros, os visitantes adquirem uma compreensão mais profunda dos contextos históricos, sociais e religiosos que moldam as celebrações. 
Por outro lado, é necessário apontar alguns pontos negativos que ocorreram ao longo da exposição. Apresentada no espaço do 2º piso no museu do oriente observamos cerca de 1500 objetos artísticos expostos, este grande número levou a uma sobrecarga de informação para o visitante, grandes vitrines carregas de objetos e informação como foi o caso dos Yokai e como Ebisu e Daikoku onde existem textos grandes e mal expostos nas laterais dificultando a leitura. Outro ponto a mencionar, algumas peças encontram-se em espaços próximos das saídas de emergência como Réplica de fudo myoo e outras obras atrás de pilares sem indicações de estarem expostas como a Réplica de Jizo Shibarare.



        Esta exposição apresentada pelo museu do oriente na educação cultural fica notória ao longo de toda a exposição, desde programas educacionais, workshops e visitas guiadas que oferecem aos visitantes de todas as idades, remete também para uma oportunidade de expandir a sua compreensão da cultura japonesa. Para qualquer pessoa interessada no Japão ou apaixonada pela descoberta cultural, esta exposição é imperdível.





O QUEBRA-NOZES - Russian Classical Ballet (M2)

    Presente no centro Cultural Olga Cadaval, com o Auditório Jorge Sampaio quase lotado, foi onde decorreu a performance: o ballet do quebra-nozes da companhia Russian Classical Ballet.


A companhia Russian Classical Ballet é uma das mais conhecidas e prestigiadas companhias de Moscovo sob a tutela de Evgeniya Bespalova, tentando preservar a tradição do Ballet clássico russo, este balé em particular, teve a sua coreografia desenvolvida pelas mãos do famoso dançarino e coreógrafo russo Marius Petipa, sendo uma das performances mais representadas da companhia.

Segundo a missão da Russian Classical ballet, o espetáculo foi realizado com uma produção clássica da obra de bailado clássico do "o quebra-nozes" de Tchaikovsky, apresentando uma narrativa clássica mas ao mesmo tempo encantadora do romance e fantasia de Clara e o próprio quebra-nozes.

A performance em si teve a duração de aproximadamente 120 minutos com intervalo de 20 minutos, um dos bailados mais famosos apresentados pela companhia de balé russa, com movimentos que destacam a flexibilidade e fluidez, ao longo da apresentação, os dançarinos mantêm sempre um sorriso no rosto para a plateia, mesmo em performances mais rigorosas. Além disso, durante a performance, especialmente porque encontrava-me perto do palco, o som das caixas dos sapatos de ponta a embater no chão fazia um barulho interessante, que acompanhava com a música.

A peça inicia com a cena da festa na véspera de natal, na residência da família Stahlbaum, onde ocorre a festa natalina, os adultos conversam enquanto as crianças dançam e brincam. Com a chegada do padrinho de Flitz e Clara, Drosselmeyer, este realiza alguns truques de magia e mostra às crianças as várias bonecas mecânicas, apesar de não dar nenhuma destas bonecas, Drosselmeyer presenteia a Fritz e a Clara um boneco cada. Cheio de inveja da atenção que o quebra-nozes está a ter, Fritz acaba por o partir e abandonar o palco, com isto, o padrinho pega no quebra-nozes, acabando por o reparar como novo. A festa se encerra e em determinado momento Clara vai até o quebra-nozes sob a árvore de natal e adormece com ele nos braços.

Entrando na cena de Batalha: quando a meia-noite chega, tudo se transforma, existe uma redução da iluminação, e os brinquedos ao redor da árvore ganham vida e começam a mover-se, na sala o exército de ratos liderado pelo rei rato aparece, o quebra-nozes acorda e lidera o exército de soldados de brinquedo para combater os ratos, enquanto isso o rei rato e o quebra-nozes duelam. Depois de muito tempo, o quebra-nozes e o exército não conseguem resistir e são capturados pelo rei rato e Clara dá uma pancada nele, atirando um chinelo, fazendo com que ele caia e os ratos vão ao socorro do rei levando da cena, o quebra-nozes de seguida devolve o sapato a Clara.

"Land of Snow": O quebra-nozes recebe um momento de conto de fadas e transforma-se revelando um príncipe, transportando Clara numa jornada para a terra das neves, que cenograficamente era basicamente uma floresta com flocos de neve dançantes.

Na cena final, "Land of Sweets", é o reino da Fada Sugar Plum, onde o quebra-nozes narra para a Fada sobre o confronto com o rei rato, o que leva à fada a decidir conceder uma recompensa e é aí que todos começam a dançar: Dança Espanhola, Árabe, Russa, Chinesa, Mirliton e a mais famosa, Valsa das Flores, no final existe um gênero de solo entre a Fada e o quebra-nozes, o famoso pas de deux.

Terminando a cena da terra dos doces, vamos em direção ao desfecho em que a Clara desperta do sonho com o boneco ainda nos braços, ou seja, desde o momento em que ela adormeceu até agora, foi tudo apenas um sonho.


A performance foi magnificamente ensaiada, além do cuidado minucioso não apenas com a coreografia, mas também com o figurino das personagens e o cenário. Na cena intitulada "March", que acontece logo no início da peça e vemos crianças a dançar animadamente, a música era prazerosa e extremamente adorável a vê-los dançar, também é um momento em que todas as crianças estão a receber os seus brinquedos.

No "Candy Cane" russo, há apenas três bailarinos (2 mulheres e 1 homem) com muitos passos da dança tradicional folclórica russa, incluindo muitos saltos e piruetas. Comparada às outras seções de dança do ato II (chinesa, espanhola, etc.), esta é bem agitada. Acho que é uma das partes mais conhecidas da trilha sonora para muitas pessoas. Outro ponto, é a "Waltz of the Flowers" é uma peça clássica com muitos bailarinos, uma das valsas mais famosas, é executada em duetos e inclui a entrada da fada e do quebra-nozes.

Pas de Deux da fada Sugar Plum (Clara) e do quebra-nozes, em termos musicais, muitas das vezes trazem-me lágrimas aos olhos, especialmente quando se sabe que Tchaikovsky compôs essa música pensando na sua irmã falecida por motivos de doença. Uma composição lenta, cheia de reviravoltas, no momento em que o Quebra-Nozes levanta a fada, usam trajes brancos, especialmente bonitos, não apenas a coreografia, mas também esteticamente bonito, o que provoca diversas emoções no espectador.


quinta-feira, 9 de maio de 2024

Exhibition review

Exhibition review

Professor: João Queiroz
Name of the show: mudam-se as histórias, mudam-se os estilos
Curated by: Catarina Alfaro
Artist on show: Paula Rego
Place of the exhibition: Casa das histórias paula rego
Opening time of the show: 13 june 2023 - 31 march 2024
The name of the show “Change of history, change of style” suggests the exhibition sets us on a journey through the years of Paula Rego’s paintings and the development of her iconic art style. A good artwork asks a good question, I would like to believe that's true for exhibitions as well. This exhibition makes you wonder, what it takes to build a recognizable art style.

As any vast exhibition that tries to contain the majority of the artist's career, it holds a chronological order. The exhibition includes more than 50 of Paula’s works from as early as 1992 and as late as 2017. You get to see some of the rare originals as you go through the halls of Casa Das Histórias, a museum in Cascais, that holds the name and many works of Paula Rego.

Through the exhibition, you can discover Paula’s active involvement in the political and cultural history of Portugal. The analysis and reinterpretation of narratives in illustrations of children's stories pushes you into doubting the visual portrayal previously illustrated by Disney, decontextualizing Peter Pan as a literal hell for children in illustrations full of horror and pain of early adulting through experiencing traumatic episodes. From bringing more attention to the legalization of abortions to the colonial history of the empire and untold stories of colonized people, Paula Rego presents the voice that must be heard. The pain and the struggles of womanhood in the format that once used to be inspired by comic strips found in newspapers raise contemporary problems of everyday women. The voice is so loud that it still resonates with people who get to experience her paintings. They first catch your attention by using vibrant colors and giant canvas sizes, but the deeper you delve into the paintings the more disturbing they get, and exactly in between visual elegance and emotional uneasiness there lies a space of appreciation for Paula Rego’s art.

The parkour of the exhibition, in my opinion, should have ended with the contents of room 0, which is situated right next to the entrance of the first room and is excluded from a continuous labyrinth of the rest of the rooms. I suppose because it stores the biggest and the most famous artworks curators might have predicted people wanting to have easier access to the most desirable works, yet I still think to see the change of styles it would have been better to see the works in a chronological order.

If you follow the order from the first room the the room 0, the last piece you will see is a documentary that consists of interviews with Paula. Getting to hear about her life as an artist, and how closely her personal life was intertwined with her practice serves as a great ending to this exhibition.

Ever so often inspired by things she saw in theatre, news, and novels of her time, Paula's incredibly productive work ethic cannot leave you unbothered by her true contemporaneous.

quarta-feira, 8 de maio de 2024

FORMS um novo olhar na dança

 

   Após ver um cartaz na Faculdade de Belas Artes que anunciava uma conferência intitulada de “Inteligência Artificial e a Arte”, promovida pela APDSI (Associação para a Promoção e Desenvolvimento da Sociedade da Informação) decidi deslocar-me no dia 22 de novembro de 2023 para o Pavilhão do Conhecimento para a assistir. Motivada pela minha procura por conhecimento sobre o papel, cada vez mais relevante, da Inteligência Artificial na esfera artística atualmente e as suas implicações futuras e com o intuito de enriquecer o meu conhecimento sobre esse tema, cheio de controvérsias, que é tão crucial para a minha futura dissertação de mestrado e futuros trabalhos.

Foi uma conferência bastante diversificada e enriquecedora que abordou uma variedade de diferentes perspetivas em volta do tema da inteligência artificial. No entanto o que me chamou mais à atenção foi o quadro “Projetos de Intervenção Artística com Recurso a Inteligência Artificial”, exibido pela professora, investigadora (no Departamento de Arte Digital da Universidade Metropolitana de Manchester) e bailarina, Maria Rita Nogueira. A bailarina apresentou uma demonstração prática, através de uma pequena performance, em como a inteligência artificial pode ser incorporada de forma inovadora na arte e na dança.

Há dois anos, em época de pandemia, que confinou grande parte da população mundial às suas casas, incluído bailarinos e artistas performativos que não podiam exercer o seu trabalho, Maria criou o projeto “FORMS”. O FORMS representa uma mistura de arte digital, dança e machine learning, que resultam em imagens visuais inovadoras para enriquecer a dança em tempo real. Na conferência, que tive o prazer e o privilégio de assistir, a bailarina realizou uma demonstração do seu trabalho.  Enquanto esta dançava no palco, uma câmara captava os seus movimentos, traduzindo-os e transmitindo-os em formas abstrata numa tela atrás dela. Estas formas inicialmente apresentavam-se através de um grande polígono com pequenos polígonos no seu interior e ao longo da sua performance foram adquirindo variadas formas, ou mais orgânicas ou mais retas e simples.


   De todas as figuras que se seguiram, esta foi a mais interessante, complexa e intrigante na minha opinião. É uma estrutura relativamente básica de linhas retas que representam os contornos do corpo de Maria e os seus movimentos. No entanto, essa estrutura está preenchida com linhas retas que dão um certo volume e profundidade à forma principal. O resultado da figura com os movimentos que Maria fazia ao dançar davam resultado a uma representação hipnotizante, que desafiava a sua perceção, criando composições intrigantes e complexas de desvendar. Apesar de ser predominantemente bidimensional, em momentos específicos, a forma parecia adotar uma tridimensionalidade devido às interseções e composições das linhas.

De seguida a figura que dançava na tela passou por uma metamorfose visual. A figura complexa que dançava inicialmente assumiu uma forma mais simplificada e básica, composta de polígonos e triângulos preenchidos com um tom de azul, que se harmonizava com as roupas de Maria, adicionando coerência visual à performance. Conforme a dança prosseguia, a figura passou por mais duas metamorfoses, sendo a primeira uma forma semelhante à primeira, mas com adições sutis de linhas curvas que conferiam um aspeto mais orgânico e ainda mais complexo que a primeira forma.


   Por último a figura abandonou a maior parte das linhas retas, abraçando uma estética mais suave e arredondada. Enquanto na primeira e na terceira figura percebia-se que era um corpo de maneira muito abstrata, nesta e na segunda figura era ligeiramente menos percetível, mas tanto Maria como a forma dançavam e mexiam-se graciosamente e com emoção.

A performance de Maria foi algo inovador que não tinha visto até então. No entanto, como é um projeto relativamente novo, ainda há espaço para algumas melhorias técnicas. Durante movimentos rápidos ou quando a bailarina se encontrava no chão, a câmara muitas vezes não captava de maneira correta o seu corpo, resultando em breves intervalos onde a tela ficava branca, sem qualquer figura. Embora seja uma limitação técnica, é também um motivo para uma aprimoramento e expansão de aprendizagem, onde, com o tempo, este tipo de performance irá atingir novos patamares.

Vale realçar que esta apresentação foi acompanhada de um pequeno texto narrado introdutório em inglês, dando depois espaço para uma música agradável e harmoniosa. O testo era o seguinte:

“Escuridão. A ausência de luz. Vasta. Pesada. Porque tu experienciaste escuridão, tu entendes luz, tu sabes que existe. O que tu vez ou não vez depende do que tu estás à procura, porque nós não vemos as coisas como elas são, mas sim como as queremos ver. Tu podes escolher em focar-te na escuridão ou podes escolher em focar-te na luz. Se tu queres que as coisas mudem, muda a tua perspetiva.”

Na minha opinião este texto é de interpretação aberta e livre, cada pessoa interpreta de maneira diferente de acordo com as suas vivências. No meu caso, levei a sua interpretação para a minha preocupação face à utilização da inteligência artificial na arte. Ou seja, a escuridão é descrita como algo pesado e negativo, uma ausência de luz que pode levar a momentos de preocupação e desespero; liguei a escuridão ao facto da IA estar a “ameaçar” o artista e os seus trabalhos, juntamente com os seus usos incorretos neste mesmo âmbito. No entanto, a escuridão permite-nos apreciar e a compreender melhor a luz (os bons usos da IA na arte). Na frase “nós não vemos as coisas como elas são, mas sim como as queremos ver”, vejo a minha visão negativa relativamente ao uso da IA na arte, como artista digital, só via pessoas a usá-la de maneira incorreta e não abria chances para os seus usos mais diversificados (como a Maria usou na sua arte, por exemplo). Portanto, a escolha de continuar a repudiar a IA na arte (a escuridão) ou de a abraçar e procurar maneiras conscientes e corretas de a usar (a luz) é uma decisão minha.

    “Se quiseres que as coisas mudem, muda a tua perspetiva” esta frase foi uma abertura de portas para mim, ao ver esta performance e em como a inteligência artificial foi usada, a minha perspetiva mudou e comecei a aceitar mais a utilização desta tecnologia em certos casos. Enquanto muitas vezes me deparo com exemplos errados da incorporação da IA na arte, esta performance revela uma utilização da mesma de maneira consciente e pensada, é o exemplo perfeito em como a inteligência artificial pode ser usada a favor da arte, demonstrando como a fusão entre a criatividade humana e as novas tecnologias podem gerar resultados surpreendentes.

A Maria e o seu eu tecnológico dançavam harmoniosamente, exalando fluidez em cada movimento ao som de uma música suave.

sábado, 20 de janeiro de 2024

Livro de cabeceira nº3: O existencialismo é um humanismo

Livros de cabeceira: notas sobre a forma do livro


Livros de cabeceira é uma série de pequenos textos escritos sobre o design de livros da minha biblioteca pessoal, desde os livros mais sofisticados da minha coleção até aos mais ingênuos, focando-se nos seus aspetos formais, a sua materialidade, a capa, a encadernação, a tipografia, etc. Com o objetivo de compreender o papel da sua forma física nos contextos culturais sob os quais foram criados. Este formato é inspirado no livro Notes on Book Design de Formal Settings editado pela Onomatopee em 2023.



Livro de cabeceira nº3: O existencialismo é um humanismo 

 (Coleção “Divulgação e Ensaio”, 2)

 

 


 

Autor : Jean-Paul Sartre

Tradução e notas: Vergílio Ferreira

Capa de : A. Alves Martins

Composição e impressão: Tipografia Rios & Irmão, Lda., Santa Maria de Lamas

Editora: Editorial Presença

Dimensões: 128x192x20mm

Encadernação: Capa mole


Composto em tipo Century da fundição American Type Founders



Este livro requisitei-o da biblioteca municipal de Chaves, é uma segunda edição sem data, mas a folha de rosto vem assinada com uma dedicatória, “A Mota Laço” na vertical e no canto superior esquerdo, “Porto, Outubro 66”, o que me permite situar a sua publicação/reimpressão no início dos anos 60. As folhas revelam o amarelecimento do tempo e alguns picos de acidez, fora isso este livro ainda se encontra em relativo bom estado.


É impossível não localizar este objecto à época modernista, o uso do cinzento, preto, branco e vermelho, um desenho geométrico de caixas e caixotes feito por A. Alves Martins definem o alinhamento das informações na capa, que são justificadas ao centro da grelha criada pelas formas. Na contracapa é possível ver a assinatura do artista, comum em Portugal ver artistas plásticos a fazer o trabalho de designers muito antes desta ser uma profissão consolidada.

Este livro tem a particularidade de ter sido encadernado com a dobra francesa, o que faz com que o seu corte superior tenha uma aparência táctil, tendo sido feito o corte manualmente é possível ver as imperfeições do rasgar do papel, enquanto que o seu corte dianteiro e inferior mantém o aspecto industrial com um corte feito a guilhotina.

Com cadernos de 4 fólios (mais especificamente, sendo dobra francesa, 2 cadernos bifólios), é no miolo deste livro que nos deparamos com as suas particularidades, a construção de página segue aproximadamente o modelo proposto por Tschicholds baseado na regra de ouro, uma página com um rácio de 2:3 e proporções de margem de 2:3:4:6 da interior para a superior seguindo a direção dos ponteiros do relógio,

o primeiro e maior ensaio, da autoria de Vergílio Ferreira está composto na sua totalidade em Century Itálico ao detrimento da legibilidade, com a exceção das notas de rodapé, em regular, que seguem a formatação de página clássica, ao fundo do texto, em corpo de texto menor, separados por um pequeno filete, justificado a ocupar a totalidade da largura de coluna como é comum no editorial português. A partir da página 231, contudo, inicia-se o texto de Sartre, divide-se agora a mancha de texto em 4 colunas, 3 levam a mancha de texto principal e a outra pequenas anotações a este em maiúsculas, as colunas são dispostas simetricamente no plano. O tamanho do corpo de texto também aumenta, vê-se uma composição ingénua, um texto justificado à largura da coluna repleto de dentes em cavalo, uma má contagem de palavras por linha e pouca leiturabilidade. 

A coleção “Divulgação e Ensaio”, à qual este livro pertence, apresenta-se com uma aparência robusta, mas carece de sensibilidade e mostra uma incapacidade de resistir ao passar do tempo. No entanto, ela marca uma era específica, é um advento do modernismo tardio e do conservadorismo portugês, que ainda se fazia sentir nas casas editoriais.

Nota: o tipo de letra utilizado para compor este livro não é mencionado em nenhum documento oficial, pelo que foi feito uma pesquisa pela autora para o encontrar. Apesar da sua verossimilhança, existe uma pequena diferença entre a patilha do “Q” maiúsculo do tipo de letra Century e o “Q” do tipo de letra utilizado neste livro, pelo que eu acredito que se trate de uma versão de Century com pequenas variações, propriedade da Tipografia Rios & Irmão, Lda.

Livro de cabeceira nº2: Real Review 14

Livros de cabeceira: notas sobre a forma do livro


Livros de cabeceira é uma série de pequenos textos escritos sobre o design de livros da minha biblioteca pessoal, desde os livros mais sofisticados da minha coleção até aos mais ingênuos, focando-se nos seus aspetos formais, a sua materialidade, a capa, a encadernação, a tipografia, etc. Com o objetivo de compreender o papel da sua forma física nos contextos culturais sob os quais foram criados. Este formato é inspirado no livro Notes on Book Design de Formal Settings editado pela Onomatopee em 2023.



Livro de cabeceira nº2: Real Review 14 (edição de verão de 2023) 

 

 




Editor: Jack Self

Design: OK-RM

Ilustração da capa: Nishant Choksi

Editora: REAL foundation

Impressão: Danny Kirk Prints


Composto em tipos Gestalt desenhados para a revista por Seb McLaughlan

Encadernação com agrafo e dobra dupla, impressa em papel brilhante de 60 gm

Impressa em Londres


Comprei esta revista impulsivamente na livraria do Museu de Arte Contemporânea Hamburger Bahnhof em Berlim, indecisa entre a Real Review e a Spike magazine, acabei por decidir trazer esta por já ter visto a Spike em livrarias portuguesas, pelo que passado uns meses entro na matéria-prima no porto e vejo esta edição exposta na prateleira das revistas logo à entrada no lado esquerdo; penso: afinal devia ter comprado a Spike, ou esta foi a justificação que usei para não dar mais 10 euros por uma revista que provavelmente não iria passar no aeroporto pois estava de mala de cabine e não podia levar mais que 10kg.

No entanto, a Real Review, editada por Jack Self, arquiteto e escritor em Londres não oferece esse problema, é uma publicação independente, sem publicidade, fundada apenas pelas suas vendas e um programa de membros, duvido que chegue a pesar 500 gm sequer, impressa em papel brilhante fino de apenas 60 gm, é uma revista que mostra ter sido manuseada, de toque frágil que não resiste a pequenos vincos.

A sua aparência exterior é contemporânea, fundo branco e uma impressão duocromática a preto (texto) e laranja (imagem), a utilização de uma letra não serifada desenhada especificamente para a revista inspirada nas clássicas grotescas, Arial, Helvetica e Akzidenz-Grotesk, uma ilustração de uma cara/máscara que se tornou identitária da revista e um R a ocupar toda a metade inferior que funciona como um logotipo ao longo das várias edições.

What it means to live today (O que significa viver hoje) é o mote editorial desta publicação, a edição número 14 é dedicada à percepção direta (Direct Perception), esta é uma revista literária, segue o formato  de resenha e explora as relações de poder através duma análise do mundo material, acompanhando as constantes alterações do zeitgeist atual,  o uso da imagem é secundário e serve mais como um complemento ao texto do que como uma peça por si só, com algumas excepções. A paginação é relativamente simples, a separar as várias contribuições de autores convidados, o corpo de texto ora é composto numa coluna única ou em duas colunas consecutivamente sendo o corpo de texto quando duas colunas são usadas mais pequeno. O texto tem uma boa contagem de palavras por linha e uma justificação à esquerda permitindo uma leitura confortável.

A sua encadernação, no entanto, foge ao convencional, o que aparenta ser uma revista de aproximadamente 11,5x26,5 cm é na verdade uma revista de 23x26,5 cm, quase quadrangular, encadernada com agrafo e uma dobra dupla na vertical, chamada, no termo inglês, endorse fold, convencionalmente utilizado em tablóides, o que faz com que o manuseamento desta revista seja muito físico, existem sempre duas páginas encobertas pela dobra que precisam ser desvendadas pelo leitor.

O ISBN e o código de barras  aparecem na capa como mais um elemento gráfico, no que diria ser uma decisão propositada, uma transparência perante as condições materiais desta revista, que declara no seu editorial dedicar-se “à promoção da democracia, da inclusão e da igualdade de todos os tipos.” 



https://real-review.org/

https://www.ok-rm.co.uk/

https://dannykirkprints.com/

https://fontsinuse.com/uses/16733/real-review-3

https://real.foundation/

Livro de cabeceira nº1: Ocorrências na irrealidade imediata

Livros de cabeceira: notas sobre a forma do livro


Livros de cabeceira é uma série de pequenos textos escritos sobre o design de livros da minha biblioteca pessoal, desde os livros mais sofisticados da minha coleção até aos mais ingênuos, focando-se nos seus aspetos formais, a sua materialidade, a capa, a encadernação, a tipografia, etc. Com o objetivo de compreender o papel da sua forma física nos contextos culturais sob os quais foram criados. Este formato é inspirado no livro Notes on Book Design de Formal Settings editado pela Onomatopee em 2023.

 

Livro de cabeceira nº1: Ocorrências na irrealidade imediata


Escrito por Max Blecher e publicado pela Coleção Livro B nº64 (2021)

Tradução: Tanty Ungureanu

Editor: Hugo Xavier

Design: PaperTalk

Paginação: Aresta Criativa

Arte da capa: Alda Rosa

Impressão: Papelmunde

Editora: E-Primatur


Composto em tipos Korinna da fundição H. Berthold AG  e Woodblock da Monotype (capa)

  


  
 
Este é o livro nº 64 da coleção” Livro B”,  iniciada em 1970 até 1991 pela, agora extinta, Editorial Estampa dirigida pelo editor António Carlos Manso Pinheiro que terá lançado no mercado “aquela que foi, ao longo de mais de 20 anos, uma das poucas coleções de culto em Portugal”, reunindo gêneros e autores alternativos, desde o surrealismo ao fantástico e recuperada agora pela E-primatur em 2019. Em formato de bolso, estes livros prezam pela verticalidade com uma dimensão de 14 x 21 cm, com uma capa em cartolina preta, impressa com letras prateadas e folhas de papel azul claro fazem com que à primeira vista este livro fuja à norma, propondo um conteúdo também dissidente. A capa segue um modelo proposto por Alda Rosa, designer que desenhou os livros nº 1 a 3 entre 1970 e 1971, que se mantém até hoje como o modelo seguido com apenas algumas pequenas alterações, a ornamentação utilizada na versão inicial foi substituída por apenas um pequeno filete a separar o escritor do título e o logo da editora com um desenho alterado e uma dimensão muito mais reduzida. As tipografias utilizadas foram também alteradas, mas houve um cuidado de manter a mesma expressão.

Pela estampa foram publicados mais de 50 volumes, atividade que seria interrompida no ano de 1991 devido a um processo de insolvência que terminou a editora. Nestes volumes terão participado como tradutores, introdutores ou como meros consultores nomes como Luiza Neto Jorge, Aníbal Fernandes, Manuel João Gomes, Cesariny, José Saramago, Fernanda Barão, Silva Duarte, entre outros.

“A coleção não temia ser pop desde que esse pop não fosse reconhecido pela academia”, refere o editor da E-Primatur, Hugo Xavier, no verso da contracapa. 

É de notar também a estrutura de publicação desta nova encarnação da “livro B” resultando de uma estrutura de crowdfunding onde os leitores podem apoiar a edição do livro proposto pela editora e caso a meta não seja alcançada o leitor pode decidir a devolução da quantia monetária simbólica ou apoiar outro projeto em aberto. Este formato de distribuição e o baixo custo modular do design deste livro ajudam a manter a identidade marncomum desta coleção destinada a “colmatar lacunas literárias e culturais do mercado editorial portugês.”

“Se a maior parte das bem-sucedidas coleções de bolso portuguesas do século XX eram eminentemente coleções de consumo de massas, e isto independentemente da sua qualidade intrínseca, a coleção ‘Livro B’ esteve à altura do desígnio de ser alternativa”, tanto na sua forma como conteúdo. 


 

https://e-primatur.com/projectos/ocorrencias-na-irrealidade-imediata-max-blecher

https://observador.pt/2019/03/06/lembra-se-da-colecao-livro-b-esta-de-volta/

https://www.errata.design/media/Errata%20Catalogue%20WebVersion.pdf

https://unseenby.design/2022/11/24/alda-rosa-designer/