quarta-feira, 2 de novembro de 2022

Piranesi, de Susanna Clarke

 Livro: Piranesi de Susanna Clarke

“O Mundo parece Completo e Uno, e eu, seu Filho, encaixo perfeitamente nele.”


Piranesi é o segundo romance publicado da autora Susanna Clarke em 2020, e ganhou o premio de Women’s Prize for Fiction em 2021.


Piranesi é a personagem principal desta história. Ele acredita que viveu na Casa desde o início do tempo e é tudo o que conhece: “a Casa é o Mundo”. A Casa é constituída de Corredores preenchidos de Estátuas de mármore, de vários tamanhos, e tem três andares. De tempo a tempo, marés ferozes surgem pelo andar de baixo e o último andar está atulhado de nuvens, por isso, Piranesi decidiu viver no segundo andar, com os pássaros. Sem os ossos dos Mortos e as visitas bi-semanais de “o Outro”, Piranesi vive completamente sozinho nesta vasta Casa, que para ele é o Mundo Inteiro. Neste segundo romance de Susanna Clarke, a autora escolheu representar o tempo atual mas, tal como no seu primeiro livro - Jonathan Strange and Mr. Norrell - ainda existe o mistério e um mundo fantástico. Sem dúvida alguma, a Casa é o lugar mais misterioso que a autora já retratou nos seu trabalhos publicados e, até no final da história, a Casa continua a ser um enigma.


O livro é escrito através de entradas de diários onde Piranesi relata os seus dias a vaguear os Corredores da Casa. Ele cataloga todas as Estátuas que encontra e os animais com que se cruza. Apesar de já ter percorrido “Novecentos-e-sessenta Corredor para Oeste” e outros tantos para Norte e Este, Piranesi sabe que ainda há muito que percorrer e que a Casa é infinita.

Logo no inicio da história percebemos que Piranesi é um homem do nosso mundo, mas que não tem memórias da sua vida fora da Casa nem do seu próprio nome e, por essa razão, podemos dizer que é uma personagem um pouco ingénua e inocente. Daí “o Outro” lhe ter dado um nome, Piranesi, mas ele próprio sabe que aquele não é o seu nome. “O Outro” é o nome que Piranesi dá ao seu único amigo vivo, com que ele se encontra duas vezes por semana para trocarem informações e descobertas sobre a Casa e o leitor descobre que Piranesi está a ajudar “o Outro” na descoberta de um conhecimento antigo e poderoso, que este acredita que se encontra na Casa, ao qual ele refere como “Labirinto”.


Ao longo da história, enquanto Piranesi aprende sobre si mesmo e o que lhe está a acontecer, conseguimos interligar outros livros que nos levam a perceber os acontecimentos antes de Piranesi se aperceber. Ligações com a história de C. S. Lewis - O Sobrinho do Mágico, de As Crónicas de Nárnia - que traz relevância às crenças morais das personagens e também “A História Secreta” de Donna Tartt - um grupo de estudantes que tem más intenções e, até um certo ponto, cruéis, mas que Piranesi escolhe ajudar porque acha que, no fundo, os valores espirituais (fé, verdade, caridade) deles continuam intactos.


“Eu argumentaria que a Estátua é superior ao que ela representa, senda a Estátua perfeita, eterna e não é sujeita à decadência”


Uma parte importante do desenvolver da história são as Estátuas. Eventualmente, percebemos que a Casa representa, simbolicamente, o mundo real, através das Estátuas místicas que ajudam Piranesi a entender o mundo lá fora sem nunca - pelo menos no que ele se lembra - o ter presenciado. Uma grande parte destes simbolismos são as representações de criaturas mitológicas gregas e romanas nas Estátuas. Estas representações são interpretadas por Piranesi de forma interativa ao longo da história de acordo com as necessidades que ele tem. Por exemplo, a representação do Fauno, ajuda-o a relaxar e traz-lhe tranquilidade - e também tem uma certa ligação com os contos das Crónicas de Nárnia novamente - e outros animais como o Gorila, ao qual ele recorre quando precisa de força emocional para alguma das suas tarefas.


Existem ainda mais indicações e menções de outras obras e artistas ao longo da história destinadas para o leitor fazer a sua própria interpretação, o que nos leva a pensar se não estamos a dar demasiado significado a todas estas referências para tentar arranjar solução e razão para os acontecimentos. Assim, a história varia entre um sonho estranho e devastador, mas ao mesmo tempo imersível e fascinante, com uma personagem principal que gradualmente começamos a entender e a apreciar no decorrer da história. Possivelmente o melhor livro de ficção fantástica que li este ano, até à data, cheio de imaginação e nostalgia. Mesmo sendo um livro pequeno, está cheio de revelações e emoções, com uma escrita bastante cativante acessível a qualquer leitor.


CLARKE, S. (2021). Piranesi. Casa das letras.

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