Surplus: (an amount that is) more than is needed.
— Cambridge Dictionary
O livro SURPLUS, de 2006, — com o design de Roger Willems (1969, Holanda) e publicado pela Roma Publications, Amesterdão — contém trabalhos do artista Marc Nagtzaam (1968, Holanda).
A publicação é composta pela reprodução de fragmentos de textos de revistas de moda e arte coleccionados e escritos à mão por Nagtzaam, entre 1998 e 2006, e de seis desenhos de grande escala a grafite. Desconhecendo a relação entre eles, os segundos aparentam ser uma consequência dos primeiros. Como se os textos escritos fossem um esquema ou esboço para posteriormente se produzir os desenhos maiores.
De qualquer modo, esta escrita codificada ao longo do livro é, desde logo, desenho — o texto surge como imagem, apesar de poder ser lido — e suficientemente independente, como a publicação pretende afirmar. A tensão entre o que é a estrutura e o conteúdo, o texto e a imagem, leva a um questionamento destes conceitos. Eles precisam um do outro e criam-se mutuamente: o texto desenha a imagem e a imagem segura o texto.
A mancha de escrita das transcrições segue a organização de duas colunas verticais paralelas sendo frequentemente quebrada pelo vazio e, ocasionalmente, pelo erro — mancha densa de riscos a grafite. Estas linhas estruturais estabelecem o ritmo do desenho, que parece nascer do acaso pela arbitrariedade tanto do conteúdo escrito — pequenas frases ou palavras retiradas do seu contexto inicial e, por isso, desprovidas de sentido — como da mudança de linha e parágrafo, e, pela imprevisibilidade do erro. É impossível adivinhar o resultado de cada página antes de ser escrita.
A publicação surge como junção destes fragmentos enquanto partes mínimas de um todo impossível de agarrar ou mesmo inexistente no mundo avassalador e incessante da globalização. Existe, portanto, a necessidade de pensar a forma como se constrói sentido e valor sobre esta constante dispersão. As imagens do livro propõem uma espécie de paragem no tempo, ou registo do tempo, com um olhar subjectivo, que é o de cada pessoa e único possível. Anotar é reparar e selecionar, e, de certa forma, imortalizar aquelas palavras apropriadas.
Esta ideia da escolha, inerente à condição de sujeito e à ação tanto de viver como de mostrar — dar a ver o que se vive —, torna o trabalho numa perspetiva pessoal perante algo, que podemos associar à mão que escreve. No entanto, é preservada também uma linguagem bastante impessoal e mecânica, que remete para a série, a produção em massa e o despojamento da lógica humana.
Em SURPLUS, as contradições envolventes no trabalho de Marc Nagtzaam vão sendo visíveis através de dualidades como a distância e a proximidade ou o frio e o quente que os desenhos, tanto da letra manuscrita como os de maior escala, invocam. A partir de ideias opostas e conceitos como significância, acaso, fragmento ou erro desenvolve-se uma discussão em torno da palavra escrita enquanto elemento estrutural e a sua relação com o desenho.
Bibliografia:
https://www.marcnagtzaam.info
https://dictionary.cambridge.org/dictionary/english/surplus
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