domingo, 13 de novembro de 2022

Jaime, de António Reis, 1974

 

    Um filme criado por António Reis, com a ajuda de Margarida Cordeiro, retrata a vida de Jaime, um doente esquizofrénico que está internado no hospital psiquiátrico Miguel Bombarda, em Lisboa.

    A primeira parte da curta-metragem documental antropológica portuguesa retrata a vida de Jaime no hospital psiquiátrico, mostrando-nos filmagens do espaço em si e da vida monótona que os pacientes tinham no seu quotidiano. No entanto, à medida que vamos conhecendo o doente, somos submetidos a diversos planos sobre a arte que o mesmo produzia, entre desenho e pintura.

    Aos 65 anos, Jaime, para fugir à loucura dos seus pensamentos interiores, causados pela demência violenta que tinha, usava o desenho como meio de fuga/escape. Os seus desenhos, à medida que nos são apresentados, revela-nos o sofrimento que o paciente tinha dentro dele, em que o mesmo procura no seu pensamento o sentido que a vida lhe deu, o passado que se encontra cada vez mais distante, a terra onde nasceu e a cidade que lhe promoveu a demência em si. Ao mesmo tempo que desenhava e pintava, Jaime utilizava uma escrita abundante em diversos cadernos, quase como relatos do que acontecia, de forma grotesca.

    Como espectadora que visualizou a obra de António Reis, senti-me absorvida na curta-metragem documental deixando-me presa no emaranhado de memórias e arte do doente esquizofrénico. Através dos desenhos que Jaime criava, consegui perceber a escuridão que o mesmo continha devido aos traços carregados e às linhas deformadas que o mesmo usava. Visualizando graficamente, mas pondo-me no lugar de Jaime, o mesmo pegava nos pensamentos mórbidos que tinha e tentava, através da sua arte, encontrar a sua lucidez no mundo perdido onde se encontrava.

    Jaime usava frequentemente formas e linhas que, no seu todo, criava uma visão distorcida da vida aparente que tinha na sua mente e no seu mundo interior. É interessante o facto de como António Reis pegou na vida e na visão de um doente esquizofrénico, e tentou fazer com que o espectador se questionasse acerca da lucidez que o mesmo tinha, levando-me assim a pensar como funcionaria a mente de Jaime através da arte que “sobrou” do mesmo.


    É importante refletir sobre a banda sonora a que os espectadores são submetidos. Durante a visualização de um dos filmes mais marcantes do Novo Cinema Português, António Reis decidiu criar uma ligação entre o som e imagem, e para tal, à medida que o espectador é submetido a variadas imagens chocantes, tal como as condições do hospital, os pacientes que o habitavam e o local onde o rodeava, o cineasta utilizou sons agrestes criando um desconforto ao longo da curta-metragem. 


    Enquanto espectadora que consumiu vários tipos de arte e desenho à medida que a obra era apresentava, questionei-me se a vida de uma pessoa esquizofrénica se baseia apenas através das memórias quase esquecidas, não tendo referências sobre um futuro próximo ou um pensamento acerca do mesmo. Perante a obra, divago acerca do que realmente é a arte, se vivemos para a arte ou se a mesma depende nós para viver e existir. 

 


Curta-Metragem Documental: 

https://www.youtube.com/watch?v=G6XjuXPF__w

https://www.doclisboa.org/2019/filmes/jaime/

 

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