quarta-feira, 16 de novembro de 2022

Serendipity

 “Serendipity: the fact of finding interesting or valuable things by chance"

— Cambridge Dictionary


A publicação Serendipity, produzida em 2008 pelo designer Hans Gremmen (1976, Netherlands), é composta por imagens encontradas na oficina de serigrafia da WyberZeefdruk de Paul Wyber, em Amsterdão.


WyberZeefdruk é uma gráfica fundada nos anos 70 por Rolf Henderson, onde trabalhava Paul Wyber, que, posteriormente, em 1995, passa à sua gerência. Neste espaço, trabalha-se com museus, designers e artistas e, ao longo dos anos, tem-se construindo um imenso arquivo de posters, impressões e trabalhos de arte.


O livro de Hans Gremmen reúne reproduções de folhas de teste — entre 2004 e 2008 — de Wyber durante a concretização de posters para inúmeros designers. Esta coleção de páginas antigas com “erros de impressão” surge como consequência do processo de trabalho de Paul Wyber, que pretende responder de forma profissional aos pedidos encomendados. Como sugere o título da publicação, Gremmen ao agrupar este conteúdo revela um feliz e inesperado acontecimento paralelo à realização de um trabalho com um outro objetivo.

Em Serendipity, emergem questões em relação ao método de trabalho e o que resta dele. Pode-se debater que a concretização de uma ação — prática artística — impulsiona uma reflexão para além daquela prevista a priori, que de outro modo não seria possível. Assim, a experiência — o fazer — abre caminho para pensar questões subsequentes formuladas pelo rasto de material deixado para trás. Esta maior atenção perante o próprio processo de trabalho desvenda assuntos escondidos que não se deixam ver facilmente. As subtilezas desenvolvem-se de ideias estruturais mais básicas, uma vez que o aprofundamento das temáticas acontece por camadas. Neste modo de pensamento, a hierarquia das coisas é abandonada e tudo pode ser relevante para reflexão.


O ritmo da publicação inicia com pausas fortes e regulares que vão sendo chamadas ocasionalmente à medida que se vai introduzindo uma maior complexidade visual. As primeiras folhas são impressas apenas numa das faces: este tipo de apresentação remete para a ideia de poster concebido e finalizado de forma consciente, como se cada objeto tivesse sido projectado isoladamente. Três páginas preenchidas consecutivamente quebram a sequência anterior num gesto que as aproxima umas das outras apontando para a sua existência enquanto grupo, uma vez que é neste registo que nascem. Neste movimento de vai e vem, as impressões voltam ao seu registo mais separado e, novamente, à ideia de grupo com uma folha impressa frente e verso.


A certa altura, este bloco é interrompido por uma série de papel de jornal — mais fino e frágil — que apresenta elementos isolados a preto.


Retoma-se ao papel inicial, bem como à disposição isolada das imagens. A primeira, ainda com o papel fino do lado esquerdo, espelha o elemento da página anterior. Torna-se evidente que as formas simples apresentadas no papel de jornal estão impressas nas outras páginas ao longo do livro. Há medida que se folheia — com o reaparecimento esporádico de páginas impressas seguidas — , começa-se a identificar as repetições destes elementos. O caráter ocasional e despreocupado é percepcionado aos poucos e questiona-se a intencionalidade das imagens.


Ao longo do livro, é interessante pensar no conflito que o amontoado de imagens impressas cria, uma vez não se conseguindo distinguir onde uma começa e outra acaba. Estes fragmentos vindos de contextos distintos, e dos quais a cronologia de impressão se desconhece, formam o todo — que é a nova imagem — abordado com uma outra perspectiva. É curiosa a necessidade e capacidade humana de construir narrativas e introduzir significado naquilo que lhe rodeia.


Entretanto, na publicação, surge um texto sobre a palavra serendipity, que contextualiza o leitor; uma imagem da oficina; impressões originais, diferentes em cada livro, de tons fortes e papel brilhante escondidas entre o branco das folhas — neste momento, o leitor depara-se com o aspeto diverso destas páginas em relação às reproduções anteriores; e finalmente, um conjunto de miniaturas de outras composições de folhas de teste que ocupam as últimas páginas. Após toda a especulação, o livro termina com este exército de pequenas reproduções, em contraste com o início, de maneira a afirmar a sua natureza de uma vez por todas: da produção em simultâneo e por camadas, da repetição, do acaso e da insignificância que a princípio caracteriza estas impressões despropositadas.


Serenpidity, de Hans Gremmen, desenvolve a sua significância através das folhas encontradas, indica certas direções e levanta questões em torno do objeto. O livro, de alguma forma, incentiva uma abordagem alternativa — de observar o que acontece durante o processo — em que não se tem em conta apenas o produto final. Por vezes, a formalidade do objeto concebido lima demasiado as arestas e, no final, é o pó que fica para trás que interessa para o diálogo.
















 




Bibliografia:

https://dictionary.cambridge.org/dictionary/english/serendipity

https://www.wyberzeefdruk.nl

http://www.hansgremmen.nl/demo-item/show/id/479


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