Por vezes, o facto de não se conhecer muito de um objeto que o torna interessante, mas eu diria que é o processo de descobrir mais acerca desse mesmo objeto que o torna especial. O aspeto mais decadente do que decente deste livro denunciam um pouco a sua origem (uma pequena feira de antiguidades, neste caso em Linz); mas, apesar de não ter qualquer noção na altura em que o adquiri, trata-se de uma espécie de um conto de fadas alemão relativamente famoso, com ilustrações de um dos primeiros artistas da Secessão de Berlim.
Peterchens Mondfahrt (O Passeio à Lua de Pedro) foi o único grande sucesso de Gerdt Bernhard, um argumentista e ator, que também foi tenente na milícia prussiana. Originalmente uma peça de teatro estreada em 1912, foi também publicada em Leipzig, Alemanha, dois anos depois. Curiosamente esta edição menciona a impressão e encadernação - atribuídos a Ernst Hedrich Sucessor e H. Fikentscher respetivamente - em Leipzig, mas não menciona o ano.
É claro que a encadernação foi feita com muito mais cuidado e seria muito menos frágil durante os primeiros anos após a produção do que hoje. No entanto, o seu desgaste dá-nos a oportunidade de explorar o processo de encadernação, e os materiais usados. Pessoalmente, nenhum dos livros na minha humilde biblioteca chegaram ao mesmo estado que esta publicação, mas mesmo estando melhor preservados (pelo menos até agora) consigo perceber que não foram encadernados da mesma maneira que este. A lombada de Peterchens Mondfarht é conservada o melhor possível no meio das suas páginas, deixando à mostra um papel fino (como o vegetal) colado a uma espécie de tela que une a capa (na qual foi prensada o nome o autor) e contracapa de cartão - tudo materiais que demonstram ser uma encadernação que necessita de cuidado no manuseamento de mãos humanas, a meu ver.
A composição das páginas parece ter sido feita com tipos de metal pela nitidez das ilustrações monocromáticas (a maneira tende a deixar alguma textura própria). O livro é ilustrado por Hans Baluschek, membro da Secessão de Viena, cuja maioria do seu trabalho retrata a vida urbana de Berlim e toda a transformação e tensão que se vivia no seu tempo - muito diferente de um conto de fadas. As ilustrações neste livro não se tratam de originais, mas sim de reproduções como se vê pelos erros de impressão em algumas das imagens a cores.
O mais curioso - e para mim enigmático - quanto às imagens cores, no entanto, não se trata do modo de impressão que não sei identificar, mas sim do facto de estarem apenas parcialmente coladas à página (e não acontece pelo desgaste do livro; foi propositado pois não há vestígios de cola nas costas da ilustração nem na página). Desconheço a função deste formato, mas intriga-me. Deduzo que, num cenário em que esta história é lida às crianças para adormecer, e o livro estiver no colo do leitor adulto seria mais fácil mostrar a ilustração sem tirar o livro do seu colo. Numa visão mais prática, talvez seja simplesmente por se tratar de ilustrações feitas noutro material (aguarela? acrílico?) e esta foi a maneira de incluírem essas imagens, poupando a cola ao mesmo tempo.
Para além da língua em que o texto é escrito, diria que a tipografia marca a nacionalidade da publicação. Todos os tipos de textos são impressos num tipo de letra gótica para o texto corrido, e uma versão mais caligráfica para o cólofon ilustrado. As capitais iluminadas no início de cada capítulo são um pormenor que tornam a página ainda mais caprichosa.
Infelizmente não sou fluente em alemão o suficiente para compreender o conto, e a tipografia germânica também não facilita a leitura, mas não deixo de conservar Peterchens Mondfahrt como um bem precioso na minha pequena biblioteca.
p.s: aparentemente até existe uma versão áudio do livro, no Spotify, e já existem adaptações deste conto ao cinema, a mais recente tendo estreado em março de 2022.
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