Assim como os artistas conceituais da década de 60/70 trabalharam nos limites do que poderia ser considerado um objeto artístico, muitos curadores da época também passaram a investigar as novas configurações entre obra, espaço e sistema de arte – sobretudo aqueles que se interessavam nas vertentes mais desmaterializadas.
Como exemplo destas experiências curatoriais, temos as exposições "Number Shows", da curadora e crítica estadunidense Lucy Lippard. Em primeiro lugar, é importante pontuar que as exposições ficaram conhecidas dessa maneira justamente por mudarem de nome a cada cidade que visitavam, pois representavam o número aproximado de habitantes locais. Em Seattle (1969), chamou-se “557.087”, em Vancouver (1970), “955.000”, em Buenos Aires (1970), “2.972.453” e em Valencia, Califórnia (1973), “7.500”; títulos que foram escolhidos por serem "neutros" o suficiente para reunir trabalhos de práticas que Lippard chamava “ultraconceituais”, como a land art, site specific, minimalismo e arte conceitual em si. Além da mudança de nome, a lista de artistas e obras participantes também foi se transformando ao longo das edições – principalmente em sua experiência latino-americana, que incluiu um número bem maior de mulheres na lista de artistas.
Nestas exposições, Lippard se apropriou de uma ferramenta "tradicional" do meio expositivo – o catálogo – para convidar o público a uma participação mais ativa. Este foi diagramado em cartões de índice soltos, não encadernados, que misturavam o texto curatorial com informações sobre as obras e os artistas. A ideia de Lippard era que o leitor pudesse fazer a sua própria curadoria, ordenando os cartões como bem entendesse, e até mesmo descartando algum que julgasse desnecessário.
Além da fragmentação do catálogo em pequenos cartões, havia o fato de que a própria exposição não se concentrava em apenas um espaço expositivo - em Seattle e em Vancouver, grande parte das obras foi espalhada pelas cidades, em um raio aproximado de 50 milhas. Apesar de mapas terem sido distribuídos nos museus, Lippard afirma que pouquíssimas pessoas devem ter visto a exposição inteira, apenas fragmentos dela. “A exposição era tão grande que o público ficaria sobrecarregado, tendo que depender de suas próprias percepções”, ela prossegue à respeito de suas intenções curatoriais.
A fragmentação como um processo predeterminado pela curadoria pode ser considerada uma consequência dos desejos da época, tanto de democratização da arte e da própria desmaterialização desta. Sobre este aspecto democrático, Lippard descreve: "Enquanto a arte exposta em locais públicos não é percebida com a intensidade particular que a arte dentro de museus recebe, ela é vista por pessoas que normalmente não frequentariam museus de maneira nenhuma. Trabalhar fora dos museus ou galerias é a minha parte favorita como curadora, e a mais arriscada, visto que expõe tanto os artistas quanto o público à experiências inesperadas e não-familiarizadas, que podem levar à difamação ou até vandalismo".
Ainda, Lippard destaca a relação entre o contexto histórico e suas experimentações com a curadoria e o catálogo da exposição. Como os artistas da época negavam a arte convencional justamente por priorizarem o vazio, o desmaterializado, o invisível; os limites de até onde poderia se estender uma exposição se alargaram. Ou, em suas palavras "Quanto mais expansiva, mais inclusiva uma exposição pudesse ser, mais coerente ela seria com todas as outras revoluções que aconteciam naquele tempo. Eu comecei a ver a curadoria como uma simples extensão física da crítica de arte."
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