sexta-feira, 9 de maio de 2025

Quis saber quem sou - um concerto teatral

 No dia 25 de Abril de 2024 fui assistir à peça “Quis saber quem sou” de Pedro Penim. Foi uma experiência profundamente simbólica e emotiva para mim. Há que dizer logo de partida que dentro da minha família o 25 de abril teve sempre uma importância bastante grande pelo meu avô ter sido preso político na altura do fachismo e termos sempre celebrado muito esta data. Escolhi fazer esta recensão porque estamos perto da mesma data um ano depois e me recordo o quão especial foi para mim assistir a este espetáculo no quinquagésimo aniversário do dia da liberdade em Lisboa. Nesse dia desci a avenida da liberdade, como costumo fazer todos os anos, com amigos e senti que estava uma atmosfera muito especial e que muitos mais jovens estavam a celebrar esse dia tão importante. Assisti à atuação com a minha amiga Maria por recomendação de outra amiga que conhecia pessoas que iam participar na peça. Conseguimos bilhetes no próprio dia meio em cima da hora e lá fomos nós assistir a produção no teatro São Luiz no Chiado. A escolha da data foi por acaso, mas como já referido intensificou a experiência e marcou a celebração da revolução dos cravos simbolizando o dia da liberdade em Portugal. Esta data ofereceu à obra um peso adicional porque cruzou a história coletiva do país com a intimidade da procura identitária do autor, intérprete e do espectador.

O diretor Pedro Penim apresenta-nos um espetáculo profundamente pessoal, mas com significado universal: a descoberta da identidade através da memória, da história, da música e da herança - não apenas familiar, mas também política. A peça parte da procura da individualidade de várias personagens e debruça-se sobre questões de identidade de género, pertença e liberdade. A peça é um monólogo poético, onde as palavras e os silêncios são igualmente significativos.

A escolha do título “Quis saber quem sou”, que foi retirado da música “E Depois do Adeus” de Paulo de Carvalho de 1974, encaixa-se devidamente com a temática do teatro. Penim concedeu ao espetáculo com o primeiro verso da canção o questionamento e a procura da identidade individual e coletiva. Ele pretendeu marcar assim o momento histórico do início da revolução em 1974, tornando a composição num símbolo da liberdade.

A obra é um concerto teatral que tenciona revisitar as canções da revolução. A interpretação dos temas revolucionários antigos entregaram um clima nostálgico à experiência. O diretor usou as palavras e as cantigas como armas de afirmação e expressão pessoal. A direção musical de Filipe Sambado integra canções emblemáticas associadas ao 25 de Abril de 1974. O espetáculo apresenta uma seleção de 23 temas, que abrangem diferentes épocas e geografias, incluindo músicas portuguesas, brasileiras, angolanas, francesas e norte-americanas. Entre os temas destacados estão:

● “E Depois do Adeus” (José Niza, José Calvário), interpretada por Paulo de Carvalho, cuja primeira frase dá título ao espetáculo.

● “Acordai” (Fernando Lopes-Graça, José Gomes Ferreira).

● “Grândola Vila Morena” (José Afonso).

● “Vira Bom” (Grupo de Ação Cultural – Vozes na Luta).

● “Labanta Braço” (Os Tubarões).

● “Como nossos Pais” (Elis Regina).

● “Somos livres (A Gaivota)” (Ermelinda Duarte).

Através desta seleção musical e narrativa, “Quis saber quem sou” pretende reavivar a memória coletiva e destacar a relevância contínua das mensagens de liberdade e resistência presentes nestas obras.

Ao ter escolhido um elenco de atores e cantores jovens, Penim conseguiu fazer a ponte entre as pessoas que fizeram o 25 de Abril e a geração corrente que ainda luta pelos seus direitos e pela liberdade. Por serem jovens em palco a encenar essas temáticas, a mensagem e o assunto da obra tornaram-se bastante relacionáveis com os tempos de hoje em dia. Isso demonstra o quão intemporal o assunto do espetáculo é.

Tem que ser referido que a audição de atores foi feita a nível nacional. Além disso, a língua gestual portuguesa foi integrada no espetáculo pela incorporação de um personagem mudo. Estes dois fatores demonstram o valor inclusivo da peça, pondo ênfase na igualdade e na rejeição de deixar certos grupos da nossa sociedade de parte. O facto dos personagens estarem todos vestidos de maneira quase idêntica, transmite um lema de união e igualdade das várias personalidades representadas em palco.

Há um claro paralelismo entre a conquista da liberdade política e a busca por uma liberdade pessoal, que continua a ser necessária e urgente. A presença de arquivos, imagens, textos e canções da época reforça este cruzamento entre a memória coletiva e a individual.

É de mencionar que a peça foi representada em várias outras cidades ao longo do ano após ter sido estreada fazendo êxito a nível nacional mantendo viva e celebrando a mensagem do dia da liberdade em outras datas e alturas do ano também.

O momento mais emocional da peça foi pessoalmente quando no final do espetáculo os atores e os espectadores cantaram todos juntos em coro o tema “Grândola Vila Morena” de José Afonso para celebrar em conjunto o dia do 25 de Abril.

Em suma, “Quis saber quem sou” é uma obra profundamente atual e necessária. No dia em que se celebrou a liberdade de Portugal conquistada há 50 anos, Penim recordou-me que essa liberdade só está completa quando também é pessoal, íntima e inclusiva. Classifico a peça um gesto artístico comovente e corajoso, que soube transformar a celebração do passado num apelo ao futuro. Comoveu-me e marcou-me muito a forma como nos foi dada, naquele dia tão cheio de significado, a possibilidade de celebrarmos a liberdade que ainda estamos a aprender a viver.

















Webografia

https://www.tndm.pt/pt/programacao/livros-e-pensamento/quis-saber-quem-sou/

https://www.tndm.pt/pt/odisseia-nacional/pecas/quis-saber-quem-sou/

https://www.tndm.pt/pt/programacao/espetaculos/quis-saber-quem-sou/

https://www.youtube.com/watch?v=701QEa7sS3Y